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Criança e Adolescente com Deficiência:

Impossibilidade de Opção pela sua Educação

Exclusivamente no Atendimento Educacional Especializado


Patrícia Albino Galvão Pontes1
27 de junho de 2008

1. Considerações Iniciais

A Constituição Federal de 1988 reconhece a importância do direito fundamental à educação ao prescrevê-lo, em seu artigo 205, como um direito de todas as pessoas, considerando-o como imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao seu preparo para o exercício da cidadania e à sua qualificação para o trabalho 2.

A educação é o primeiro dos direitos sociais a ser elencado pela nossa Constituição Federal 3, tendo este diploma legal reconhecido a sua importância na formação do homem enquanto cidadão. Em razão da fundamentalidade desse direito, não é possível admitir que ele seja negado a qualquer pessoa, independentemente do motivo.

Ao tratar do direito à educação, está a Carta Magna a se referir especialmente à educação escolar, responsável pelo desenvolvimento da base nacional comum prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educacional Nacional (Lei nº 9.394/96). Esta lei, em seu artigo 21, estabelece que a educação escolar compõe-se da Educação básica, formada por três etapas, quais sejam: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e Educação Superior. Portanto, esta é a educação regular que deve ser oportunizada a todas as pessoas, não se confundindo com o atendimento educacional especializado.

Interpretações equivocadas são levadas a efeito em razão da redação do artigo 208, III da Constituição Federal, onde se afirma que “o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente, na rede regular de ensino” (grifamos). Tal dispositivo tem sido utilizado para justificar que a freqüência dos alunos com deficiência na rede regular de ensino é uma preferência e não uma obrigatoriedade. Todavia, apesar de uma leitura desatenta do referido dispositivo poder levar a esta errônea conclusão, o que o legislador constitucional está a afirmar, na verdade, é que há uma preferência em que o atendimento educacional especializado (e não a educação regular) seja prestado na rede regular de ensino.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deixa clara a distinção feita entre os níveis de ensino e as suas modalidades. No que se refere ao atendimento educacional especializado, este é prestado pela educação especial, referindo-se a esta o art. 58 da LDB 4 como sendo ela uma modalidade educacional e, portanto, não se confunde com os níveis da educação escolar (educação básica e superior). Esta conclusão se extrai da própria estrutura tópica e organizacional da mencionada LDB. Em seu Título V são apresentados os Níveis e as Modalidades de Educação e Ensino, sendo a educação especial tratada em capítulo destacado da Educação Básica e Superior.

A denominação ‘escola especial’ tem relação com a expressão ‘educação especial’. Assim, a escola é definida como ‘especial’ em razão do serviço nela prestado, qual seja, o oferecimento do atendimento educacional especializado. Todavia, apesar de nominada de escola, a matrícula do aluno na escola especial não dispensa a freqüência à rede regular de ensino, pois o papel da primeira é o de complementação à escolarização para os alunos que necessitem de atendimento educacional especializado.

Sendo uma modalidade educacional, o atendimento educacional especializado perpassa por todos os níveis escolares, desde a educação infantil até o ensino superior. Desta forma, tal atendimento diferencia-se substancialmente da escolarização, devendo ser oferecido em horário diverso do desta, justamente para possibilitar que os alunos nela atendidos possam freqüentar as turmas de ensino regular, não podendo o mesmo funcionar como um substitutivo da educação escolar.

O atendimento educacional especializado (ou educação especial) não se constitui em um sistema paralelo de ensino com níveis e etapas próprias. Tal modalidade educacional deve ser entendida como um instrumento, um complemento que deve estar sempre presente na Educação Básica e Superior para os alunos que dela necessitarem, visando à melhoria da qualidade das respostas educativas que a escola pode oferecer e a conseqüente facilitação do processo de aprendizagem.

Desta forma, o atendimento educacional especializado não pode ser utilizado como aula de reforço. O seu objetivo não é repassar o conteúdo ministrado na classe regular, mas sim possibilitar aos alunos com necessidades educacionais especiais o acesso pleno ao conhecimento, oferecendo os instrumentos necessários para que ele desenvolva todas as suas potencialidades, seja no ambiente escolar, seja na vida diária, eliminando-se as barreiras que àqueles alunos têm para relacionar-se com o ambiente externo. Por exemplo: ensino e interpretação da Língua brasileira de sinais (Libras) e do sistema Braile, ensino da língua portuguesa para surdos, uso de recursos de informática e outras ferramentas tecnológicas, além de linguagens que precisam estar disponíveis nas escolas comuns para que elas possam atender com qualidade aos alunos com e sem deficiência, bem como orientação para atividades da vida autônoma e social.

Tal atendimento é uma garantia constitucional (artigo 208, III) que serve para ser somada aos direitos das pessoas com deficiência, e não para excluir outras garantias previstas no mesmo artigo da Constituição (FÁVERO, 2004, p. 64-65). Portanto, não é admissível que o atendimento educacional especializado substitua a escolarização nas classes comuns da rede regular de ensino, não se podendo aceitar a prática de encaminhamento do aluno que não “consegue aprender” para uma escola especial, a fim de que esta se encarregue do papel do ensino regular.

2. Responsabilidade da família e/ou dos responsáveis legais na garantia do direito à educação das pessoas com deficiência

A Constituição Federal, reforçada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, inova ao colocar esta parcela da população como sujeitos de direitos que podem ser opostos, inclusive, contra os seus próprios pais ou responsáveis. Mais que isto, o respeito a tais direitos deve ser exigido especialmente dos pais e responsáveis dos seus titulares.

A família tem total responsabilidade no tocante à implementação do direito à educação de suas crianças e adolescentes. A Constituição Federal enfatizou, no Art. 227, a obrigação da família, da sociedade e do Estado, de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação 5. Tal obrigação foi reforçada no Art. 2296 da Carta Magna, reafirmando-se o dever dos pais de educar os seus filhos menores. O Estatuto da Criança e do Adolescente repete tal incumbência, ressaltando a obrigação dos pais ou responsáveis de matricular os seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino (Art. 22 e 557), sob pena de perda ou suspensão do poder familiar, nos termos do Art. 24 do mencionado diploma 8. Neste mesmo sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) afirma o dever dos pais ou responsáveis de efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental (Art. 6º).

Diante da normativa constitucional e legal, não cabe aos pais o direito de escolha no que se refere à matrícula de seus filhos com deficiência na rede regular de ensino, se constituindo em uma obrigação, não podendo os mesmos optar apenas pelo atendimento educacional especializado (ou educação especial).

O titular do direito que aqui se pretende resguardar é a criança e o adolescente e não os seus pais. Estes são apenas os representantes legais daqueles e, por conseqüência, têm a obrigação de efetivar a realização do mencionado direito. Sendo a educação um direito da criança e do adolescente, corresponde aos seus pais o dever de matriculá-los na rede regular de ensino.

A educação é direito que se impõe a todos, e a sua violação, por parte dos pais, pode acarretar sanções de natureza civil (destituição ou suspensão do poder familiar) e penal (crime de abandono intelectual 9).

Estamos a tratar de direito fundamental que, por sua própria natureza, possui como umas de suas características a irrenunciabilidade. Neste sentido, José Afonso da Silva (1995, p. 176/177) ensina que:

No qualitativo fundamental, acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana.

Desta forma, a freqüência do aluno com deficiência unicamente ao atendimento educacional especializado implica na violação do direito fundamental à educação, fato este de extrema gravidade. Impedir o seu exercício pleno implica em condenar alguém a viver à margem da sociedade, privando-o do crescimento pessoal que apenas o convívio social, com toda a diversidade que lhe é inerente, é capaz de oferecer.

Sendo tal conduta praticada em desfavor de uma criança, esta se reveste de especial crueldade, pois a infância é o momento em que o indivíduo está mais apto ao aprendizado. A simples negação deste direito, nesta fase da vida, significa retirar-lhe toda e qualquer oportunidade de desenvolver-se como pessoa. A criança não pode esperar pelo momento da escola, pois este é o seu momento. Amanhã, será tarde demais e, todos os esforços porventura empreendidos já não farão mais tanto sentido.

Sobre a necessidade de atenção imediata deste direito na infância, vale transcrever as sábias palavras da poetisa Gabriel Mistral, ganhadora do prêmio Nobel de Literatura em 1945:

Nós somos culpados de muitos erros e muitas faltas, mas nosso maior crime é abandonar as crianças, negligenciando a fonte da vida. Muitas coisas que nós precisamos fazer podem esperar: a criança não pode. Exatamente agora é o tempo em que os seus ossos estão sendo formados, seu sangue está sendo feito e seus sentidos estão sendo desenvolvidos. Para ela, não podemos responder “amanhã”. Seu nome é hoje.

3. Argumentos contrários

Os defensores da idéia de que cabe aos pais ou responsáveis a escolha pela freqüência dos alunos com deficiência à rede regular de ensino ou ao atendimento educacional especializado baseiam-se em premissas da integração escolar, justamente por entenderem que existem alunos que, em razão de suas limitações, não possuem condições de se integrar na classe comum da rede regular de ensino.

Os principais argumentos utilizados para se negar a possibilidade da efetivação da educação inclusiva são os seguintes:

  1. O despreparo dos professores para lidar com as diversidades é um empecilho para a efetivação da inclusão, devendo esta ser realizada de forma responsável, sob pena de prejuízo ao restante dos alunos.
  2. No tocante aos alunos com deficiência mental, se justifica a preferência pelo atendimento educacional especializado em razão de que aqueles não conseguiriam acompanhar a turma e, por isto, a escola regular não teria nenhum benefício para os mesmos.

Inicialmente, vale lembrar que o movimento de integração, no Brasil, esteve bastante forte nas décadas de 1970 e 1980, daí a existência de normas dessa época reconhecendo direitos de forma condicionada: “sempre que possível” , “desde que capazes de se adaptar”, e assim por diante.

Todavia, quem dirá se é possível a inclusão ou quem é capaz de se adaptar? A Constituição Federal, quando prescreve o direito à educação, não confere a ninguém o poder de decidir quem dela poderá desfrutar. Não se pode conceber um critério subjetivo de escolha dos alunos onde, no período de matrícula, será feita uma triagem: esse tem condições, esse não tem...

O processo de integração não favorece a todas as pessoas, mas somente as que possuírem condições pessoais de se integrar. Porém, para estas últimas, se exigirá um esforço unilateral para que possam ser inseridas na classe comum da rede regular de ensino. Já aquelas que não se adaptarem aos padrões exigidos, terão o seu direito fundamental à educação negado, cabendo-lhes, unicamente, o atendimento segregado.

Diferentemente, na inclusão, a escola tem que se modificar para incluir a pessoa com deficiência, pois é aquela que precisa ser capaz de atender às necessidades de todos os alunos e não o contrário. Portanto, a integração é a contraposição do atual movimento de inclusão. Neste, o esforço é bilateral, mas é principalmente a escola quem deve impedir que a exclusão ocorra.

A inclusão é total e incondicional, significando, antes de tudo, deixar de excluir. Já a integração é parcial e condicionada às possibilidades de cada pessoa.

As alegações de que a escola se encontra despreparada para a inclusão e, por isso, não tem como promovê-la, isentam o estabelecimento de ensino da sua real responsabilidade, punindo os alunos com deficiência, pois, somente quando ‘for possível e desejado’ por aquela, poderão os mesmos ser incluídos nas classes regulares.

Até quando se aceitará a alegação de que as escolas estão despreparadas? E quando vão começar a se preparar? Tal justificativa já não é mais cabível nos dias atuais. Estamos falando de uma filosofia que nasceu no início dos anos 90 e foi, implicitamente, adotada por nossa Constituição Federal de 1988. Contamos com quase vinte anos de atraso. E enquanto as escolas se preparam, o que faremos com as crianças com deficiência em idade escolar? O tempo passará, e este dano será irreversível. Já bastam os prejuízos causados àquelas que tiveram o seu acesso negado ao ensino regular.

É claro que é necessária uma qualificação dos profissionais, bem como a inserção nos currículos dos cursos de magistério e de pedagogia de uma disciplina que aborde as diferenças em sala de aula e o atendimento educacional especializado. Mas e enquanto isso não ocorre? Continuará sendo negado o direito à educação às pessoas com deficiência?

Mantoan (In: Caminhos Pedagógicos da Inclusão) afirma com propriedade que os professores esperam aprender uma prática inclusiva, ou melhor, uma formação que lhes permita aplicar esquemas de trabalho pré-definidos às suas salas de aulas, garantindo-lhes a solução dos problemas que presumem encontrar nas escolas inclusivas.

Ora, não existe uma capacitação capaz de conferir a um professor um certificado de que ele saberá lidar com todas as situações que poderão surgir em sala de aula. Ainda que seja oferecido um curso bastante amplo em que se abordem 100 situações, por exemplo, poderá o professor se deparar no dia seguinte com a 101ª. Trata-se, aqui, de convivência humana e não de uma ciência exata. Não há como se ensinar a prática na teoria.

A preocupação do professor deve a ser a de vislumbrar as dificuldades dos alunos (quaisquer que sejam eles) e não as suas deficiências, pois os alunos não precisam de diagnóstico. É preciso que se aborde, nos cursos de capacitação ou de aperfeiçoamento, uma mudança de postura frente às diferenças, mostrando que todos são partes integrantes do sistema educacional.

Passemos agora à análise do segundo argumento: a escola regular não serve aos alunos com deficiência mental, tendo em vista que os mesmos não conseguiriam apreender todos os conteúdos ministrados em sala de aula, sendo para eles suficiente o atendimento educacional especializado.

Esta idéia errônea desconsidera completamente os objetivos da educação prescritos no artigo 205 da Constituição Federal. Este dispositivo constitucional estabelece que tal direito visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.

Desta forma, as escolas não podem ter como única preocupação a transmissão dos conteúdos curriculares, pois a missão educacional vai muito além disto. Assim, não se pode restringir os objetivos da educação apenas à habilitação para o ingresso na Universidade e/ou a qualificação para o trabalho. Existe um aspecto muito mais abrangente, que é o do pleno desenvolvimento das potencialidades de cada um, além da formação do cidadão.

As ressalvas para a aceitação de todos os alunos como parte integrante do sistema regular de ensino refletem um pensamento preconceituoso na medida em que se confunde deficiência com incapacidade, como se esta fosse uma conseqüência daquela, imaginando que aquela expressão traduz o antônimo de eficiência, quando na verdade o oposto desta última é a ineficiência.

É preciso compreender a idéia de ‘escola para todos’ o seu sentido mais abrangente, de forma a não excluir ninguém do sistema educacional. Werneck (1999, p. 195) atenta que pode até parecer absurdo que toda criança tenha o direito de freqüentar a escola regular, incluindo aquela cuja única forma de comunicação seja piscar os olhos, mas esta é a proposta da sociedade inclusiva. Por que se retirar dessas crianças a oportunidade de convívio social? A simples alegação de que não irão apreender os conceitos ministrados em sala de aula não convence, posto que este não é o único objetivo da educação. Ora, esta criança, dentro das suas limitações, pode, certamente, evoluir. Se ela, ao chegar à escola, era incapaz de responder a qualquer estímulo e, ao final do ano, em decorrência da convivência e do contato com os outros alunos, ela sorri sempre quando alguém se aproxima, é preciso reconhecer que, dentro das suas limitações, houve uma significativa evolução. Com este resultado, pode-se afirmar que a escola cumpriu com a sua função social de fornecer respostas a todos os alunos.

Tratando-se de pessoas sem quaisquer condições de interação com o meio externo, estas também não são sequer públicos das chamadas escolas especiais, necessitando, no momento, de cuidados de saúde que as impedem, ao menos temporariamente, de receberem educação em sala de aula. Caso ocorra uma melhora dessa condição de saúde, ainda que pequena, por direito, essas pessoas deverão freqüentar as classes comuns da rede regular de ensino. Nesses ambientes educativos, certamente elas terão melhores oportunidades de se desenvolver no aspecto social e, quanto aos aspectos educacionais escolares, esses alunos poderão aprender o que lhes for possível (MINISTÉRIO PÚBLICO, 2004, p. 22).

4. Considerações finais

Apesar da Constituição Federal Brasileira de 1988 não ter se utilizado da expressão inclusão,são os princípios dessa filosofia que se encontram albergados no texto constitucional, e não os da integração. Veja-se bem: Está elencado como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (art. 3º), a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde as desigualdades sociais devem ser reduzidas, promovendo-se o bem de todos sem qualquer tipo de preconceitos. Além disso, preconiza a Carta Maior como princípios fundamentais: a dignidade da pessoa humana, a cidadania e a igualdade. Portanto, não há margem no texto constitucional para que qualquer pessoa tenha negado o direito de fazer parte da sociedade e, por conseqüência, da rede regular de ensino.

É interessante mencionar que os documentos legislativos, internacionais e nacionais, por vezes utilizam a expressão integração como sinônimo de inclusão 10. Apesar disso, a ONU, através da Resolução 45/91 11, consagrou a expressão uma ‘sociedade para todos’, demonstrando qual o objetivo a se perseguir.

A verdadeira escola é aquela para onde todos os alunos daquele bairro, daquela comunidade, vão estudar. Esse é o espaço privilegiado de preparação para a cidadania e para o pleno desenvolvimento humano, objetivos previstos na Constituição Federal, que devem ser alcançados pelo ensino (FÁVERO, 2004, p. 53).

A inclusão educacional pretende o que se deseja de uma escola: o favorecimento da convivência com a diversidade, a instituição do respeito e da fraternidade entre as pessoas, sem excluir ninguém do ensino regular. Somente dessa forma, preparar-se-ão verdadeiros cidadãos, construindo uma escola livre de preconceitos.

A escola inclusiva é benéfica para todas as pessoas, devendo o convívio com as diferenças ser estimulado desde o início, desde a mais inicial das formas de convivência social: a educação infantil. A partir do momento em que se favorece o convívio com a diversidade desde cedo, se ganha na construção da cidadania, pois o modo eficaz de combater o preconceito é na infância, impedindo que o mesmo apareça. O convívio plural formará adultos conscientes de que o processo inclusivo é salutar e necessário, pois aqueles que na infância desfrutaram da presença de crianças e adolescentes com deficiência em sua escola, não duvidarão da capacidade destas pessoas e, com certeza, estimularão a inclusão de todos em um mesmo ambiente (seja escola, trabalho, lazer...).

Mittler (2003, p. 17) acredita que o maior obstáculo para a mudança está dentro de nós mesmos, seja nas nossas atitudes, seja nos nossos medos. A nossa tendência é a de superestimar as dificuldades que podem enfrentar as pessoas com deficiência, assim como temer os desapontamentos que eles podem experimentar se “falharem”.

É tempo de mudar as escolas, as atitudes, os pensamentos, o ambiente como um todo. Inclusão significa transformação. Sem este redimensionamento no atual panorama escolar, poder-se-á falar em outra coisa, mas não de inclusão.

Os professores precisam se conscientizar de que o seu papel é educar os seus alunos. Não os que ele escolhe, mas os que a ele chegam. Os diretores das escolas públicas também têm que assumir a sua função, cobrando do Executivo os suportes necessários para a concretização deste novo paradigma educacional. As Secretarias de Educação têm que incluir em suas prioridades a formação continuada dos docentes, pois não se deseja transferir o desafio unicamente para o professor. Este desafio é de todos! Do mesmo modo, os pais ou responsáveis precisam reivindicar o direito de suas crianças e adolescentes sem se conformar com as rejeições praticadas. Todos têm que se envolver nesse processo, que não é fácil, diga-se de passagem, mas que é necessário e irreversível.

5. Conclusões

a) O artigo 208, III, da Constituição Federal de 1988 não autoriza que a educação regular das pessoas com deficiência seja prestada em escolas especiais, mas sim que o atendimento educacional especializado possa também ser oferecido fora da rede regular de ensino.

b) Não há permissivo constitucional e nem legal para que o ensino seja prestado unicamente em escolas especiais ou em classes especiais (ainda que nas escolas regulares), pois o atendimento educacional especializado, não sendo nível de escolarização, não é suficiente para garantir a plenitude do direito à educação nos termos previstos na Constituição Federal de 1988.

c) Sendo a educação um direito da criança e do adolescente, corresponde aos seus pais o dever de matriculá-los na escola regular, não cabendo a estes optar, unicamente, pelo atendimento educacional especializado em detrimento da escolarização nas classes comuns da rede regular de ensino.

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Referências Bibliográficas:
CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação Especial. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. WVA, 2000.
GRIBOSKI, Cláudia Maffini (Org.). et. al. Direito à Educação: subsídios para a gestão dos sistemas educacionais: orientações gerais e marcos legais. Brasília: MEC, SEESP, 2004.
MANTOAN, Maria Teresa égler. Caminhos Pedagógicos da Inclusão. Disponível em: <http://www.educacaoonline.pro.br/art_caminhos_pedagogicos_da_inclusao.asp>. Acesso em: 10 ago 2005.
______. Ensinando a Turma Toda: As Diferenças na Escola. Disponível em: http://intervox.nce.ufrj.br/~elizabet/turma.htm.
MITTLER, Peter. Educação Inclusiva: Contextos Sociais. Traduzido por Windyz Brazão Ferreira. Porto Alegre: Artmed, 2003.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. O acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e Classes Comuns da Rede Regular. 2ª edição. Brasília: Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, 2004.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos. 3. ed. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1997.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 1995.
WERNECK, Claudia. Sociedade Inclusiva: Quem cabe no seu todos? Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999;
______. Ninguém mais vai ser bonzinho na sociedade inclusiva. 2. ed. Rio de Janeiro: WVA Editora, 2000.

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Notas:

1 Tese aprovada, por unanimidade, no XVII Congresso Nacional do Ministério Público, ocorrido em Salvador/BA, nos dias 26 a 29 de setembro/2007. Patrícia Albino Galvão Pontes é Promotora de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte.

2 Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

3 Art. 6º da Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância; a assistência social aos desamparados, na forma desta Constituição”.

4 Art. 58 da LDB: Entende-se por educação especial, para os efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educando portadores de necessidades educacionais especiais (grifo nosso).

5 Art. 227: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

6 Art. 229: “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm os dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

7 Art. 22: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes a obrigação de cumprir a fazer cumprir as determinações judiciais”.
Art. 55: “Os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino”.

8 Art. 24: “A perda e a suspensão do pátrio-poder serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22”.

9 Art. 246 do Código Penal: “Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena – detenção de 15 (quinze) dias a 01 (um) mês, ou multa”.

10 A Resolução 49/153 (1995) tem em seu título: Em direção à plena integração de pessoas com deficiência na sociedade (grifo nosso).

11 Assembléia Geral das Nações Unidas, 68ª Sessão Plenária em Nova York, 14 de dezembro de 1990.



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