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Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência
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Sociedade, Governo e Ministério Público
Luiz Roberto Salles
Promotor de Justiça em São Paulo
Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo

Sociedade, Governo e Ministério Público, eis a ordem de prioridade que devemos observar no tema da educação das pessoas com necessidades educacionais especiais.

A educação, como direito fundamental do ser humano, deve ter como escopo a pessoa, respeitando-se as suas características físicas, intelectuais e sociais. Dessa forma, o ser humano deverá ser observado no contexto social em que está inserido e o processo educacional, em qualquer das modalidades, deverá respeitar o ser-social e não apenas o indivíduo.

Quando nos referimos à sociedade, na verdade estamos nos referindo não só ao meio em que a pessoa vive, mas principalmente ao pequeno núcleo social onde o aluno se desenvolve: a família.

É na família que o processo educacional deverá ser iniciado, principalmente quando se vislumbra precocemente a necessidade de atendimento pedagógico diferenciado, complementar ou especial à criança.

Na face mais conhecida da educação especial que é aquela destinada às pessoas portadoras e deficiência, o atendimento pedagógico precoce é fundamental para o desenvolvimento global da criança. Na face menos debatida e estudada da educação especial que é aquela destinada aos adolescentes privados da liberdade em razão da prática de crime, o atendimento pedagógico especial é a garantia da ressocialização do infrator.

Portanto, quando se discute o processo educacional especial, que deve ser encarado como modalidade de educação escolar e não como nível da educação (básica – abrangendo a educação infantil, a educação fundamental e o ensino médio - e superior), este deverá ser desenvolvido respeitando-se as peculiaridades e necessidades sociais do educando e de sua família e não apenas as recomendações e diretrizes fixadas pelo debate acadêmico. O aluno necessita de formação educacional para se desenvolver no seu meio, não podendo ser objeto de providências açodadas e apaixonadas.

Feitas estas considerações iniciais, podemos afirmar que cabe ao Estado implementar um sistema educacional eficiente, que propicie a todos uma educação de qualidade, voltada ao respeito ao ser humano e à sua diversidade.

O Estado é o responsável pelas políticas públicas fomentadoras da universalização do processo educacional. “Essa política inclusiva exige intensificação quantitativa e qualitativa na formação de recursos humanos e garantias de recursos financeiros e serviços de apoio pedagógico públicos e privados especializados para assegurar o desenvolvimento educacional dos alunos” (Direito à educação. Necessidades educacionais especiais: subsídios para atuação do Ministério Público. Orientações gerais e marcos legais. 2001, Brasília/DF: MEC/SEESP, p. 31).

É o Estado que deve estruturar os anseios da sociedade nas suas ações de governo. É o Estado que deve dar andamento ao processo de educação especial, dentro das necessidades dos destinatários de suas ações.

E qual é o papel do Ministério Público no processo de inclusão escolar.

O Ministério Público, por força de sua origem e evolução históricas, é o defensor da legalidade. Tradicionalmente vem sendo denominado de fiscal da lei, sendo que nos países de língua espanhola recebeu a dominação de fiscal.

Portanto, o parâmetro e o limite da atuação do Ministério Público é a lei, seja ela, a Constituição – como lei maior – sejam as normas infra-constitucionais. Não há Ministério Público sem estado de direito, da mesma forma, que não se pode falar em estado democrático de direito sem a existência do Ministério Público.

No tema da educação, o Ministério Público não pode ultrapassar os limites de sua missão constitucional. Não cabe aos membros da Instituição substituir ou suprir a ação do Estado em nome da sociedade, mas sim atuar juridicamente.

O Professor Doutor Eduardo Reale Ferrari afirma que o Ministério Público atua como “órgão de mediação entre a sociedade civil e os poderes soberanos do Estado” (O Ministério Público e a separação dos poderes. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, n.º 14, abril-junho, 1996. São Paulo: RT/IBCCrim, p. 148).

Para Luiz Antonio Guimarães Marrey “o Ministério Público é uma instituição aberta ao debate com todas as forças da sociedade sobre qualquer tema e em qualquer lugar, inclusive sobre o serviço que presta. Não nos omitimos em falar, mas também sabemos ouvir” (discurso proferido no II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997, Anais, p. 34).

Mesmo em se tratando de tema que foge à formação acadêmica dos órgãos do Ministério Público, como a educação, na lição do Ministro Celso de Melo, do Supremo Tribunal Federal, “a sociedade exige um Ministério Público institucionalmente independente, socialmente militante e juridicamente atuante” (conferência proferida no II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997, Anais, pp. 47 e 48).

Assim, na questão da educação especial, a atuação do Ministério Público, em um primeiro momento, deverá ser de mediação entre a sociedade e o Estado. Frustrada a via conciliatória, deverá o Ministério Público atuar juridicamente na busca de solução através do Poder Judiciário.

O que a sociedade espera do Ministério Público é uma atuação técnica, afastada das paixões e interesses pessoais; serena, mas atuante e independente.

A verdadeira força do Ministério Público não está nas suas garantias constitucionais, mas sim no seu comprometimento social e na sua adesão incondicional à legalidade.


São Luís/MA, 26/8/02




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