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Sistema Único de Saúde
Luís Antônio de Souza Silva *

"... se a saúde é direito de todos e dever do Estado, por que tantos planos de saúde particulares?".

Pergunta interessante para iniciar o tema: se a saúde é direito de todos e dever do Estado, por que tantos planos de saúde particulares? Uma justificativa poderá ser buscada na livre iniciativa, daí a previsão constitucional no sentido de que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

Essa regra de ordem econômica, porém, não pode servir para diminuir a responsabilidade pela saúde pública, que além de se constituir em direito essencial, se confunde com os próprios princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre elas a cidadania, a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, sendo impossível imagina-los se a possibilidade geral de acesso às ações e serviços de saúde.

Na prática, contudo, a coisa fica mais ou menos assim: o Estado brasileiro, com responsabilidade de garantir ações e serviços de saúde para todos, busca transferir o máximo possível de sua população para o setor privado; esse, por sua vez, quer alcançar a maior fatia possível desse povo, pois nele reside sua fonte de lucro. Dentro de uma lógica cruel, porque essa migração não é espontânea , quanto menos o poder público cumpre seu dever, mais obriga os cidadãos a se transformarem em consumidores de planos de saúde.

E esse abuso serve para dividir ainda mais a população, pois grande parte de sai atenção e reivindicações seguem junto com seus consumidores para os planos de saúde, como se o sistema público passasse a fazer parte de uma realidade destinada para os excluídos, e o cão em sua assistência, a propaganda mais brutal para a migração.

A diminuição do papel do Estado, de modo, geral, paralelamente á crescente afirmação dos interesse econômicos nos rumos das políticas públicas e sociais, não parece considerar que o mercado globalizado, apesar de suas ações localizadas pretensamente compensatórias, tem sua base firmada em um dogma de competitividade que explora acentuadamente a individualidade e semeia a idéia de sobrevivência como resultado de uma luta generalizada, onde não caibam todos.

Para Milton Santos (“Por uma outra globalização” Editora Record, página 48), essa nova lei do valor leva ao abandono da noção de solidariedade, resultando em fragmentações, ampliação do desemprego, abandono da educação, desapreço à saúde como bem individual e social inalienável, além de novas formas perversas de sociabilidade no País, cujas diversas parcelas, “para assegurar sua sobrevivência imediata, serão jogadas umas contra às outras e convidadas a uma batalha em quartel”. 

Enfim, existe uma parcela de responsabilidade pública pela prestação de serviços que se destina de forma essencial a todos os brasileiros, e que cada vez mais tende a se deteriorar, caso a população se acomode em fragmentos sociais que levem em conta apenas o seu poder de compra, deixando de lado a visão de conjunto inerente às políticas públicas.

Para reverter isso, porém, é preciso se dedicar a compreender um pouco melhor a interdependência fantástica entre os homens, as retóricas fáceis dos discursos que, a título de promover o público, promovem interesses privados, além da conquista histórica que representa o SUS, o caráter essencialmente inclusivo e participativo que lhe moldou o movimento da reforma sanitária, a inafastável interferência no cotidiano de todos e, fundamentalmente, os inigualáveis princípios de direitos humanos em que está fundado.


* Promotor de Justiça - Vitória - ES

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