PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E O DIREITO AO CONCURSO PÚBLICO - RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA MARIA APARECIDA GUGEL Belo Horizonte 2019 Todos os direitos reservados à Editora RTM. Proibida a reprodução total ou parcial, sem a autorização da Editora. As opiniões emitidas em artigos de Revistas, Site e livros publicados pela Editora RTM (Instituto RTM de Direito do Trabalho e Gestão Sindical) são de inteira responsabilidade de seus autores, e não refletem necessariamente, a posição da nossa editora e de seu editor responsável. ISBN: 978-85-9471-102-1 SIGLAS ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas AMES/BPC - Avaliação Médico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida Independente e para o Trabalho BPC - Benefício de Prestação Continuada CDC - Código de Defesa do Consumidor CDPD - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CID - Classificação Internacional de Doenças CIDID - Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CONADE - Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência CONTRAN - Conselho Nacional de Trânsito CPC - Código de Processo Civil CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência LACP - Lei da Ação Civil Pública LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais LBI - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MPS - Ministério da Previdência Social OEA - Organização dos Estados Americanos OIT - Organização Internacional do Trabalho OMS - Organização Mundial da Saúde ONU - Organização das Nações Unidas SNPD - Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TEA - Transtornos do Espectro Autista TCU - Tribunal de Contas da União TST - Tribunal Superior do Trabalho APRESENTAÇÃO (1ª e 2ª edições) As pessoas com deficiência, segundo os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2000. Características Gerais da População,www.ibge.gov.br/home/estatística/populacao/censo2000/populacao_censo2000) para o Censo-2000, somam 14,48% da população, ou seja, cerca de 24.5 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, dos quais, consignam os indicadores, somente 537 mil estão incluídos no trabalho para uma comunidade nacional de 26 milhões de trabalhadores ativos. Desses milhares de trabalhadores com deficiência, é desconhecido o número de servidores públicos com deficiência nas esferas federal, estadual e municipal. O fato é que para qualquer estatística que se olhe, percebe-se desde logo a ausência da pessoa com deficiência, resultado significativo a revelar que esta pessoa “não está” porque não é incluída nesse universo social-produtivo. As razões? Além daquelas históricas de marginalização, perpassando pela concepção de incapacidade para o trabalho ou de ser alvo exclusivo de tratamento caridoso e que levaram a pessoa com deficiência a ser alvo de discriminação, atualmente é a falta de cumprimento de comandos essenciais, dirigidos a qualquer cidadão: ter acesso e ser mantido na escola, com ensino de qualidade; ter meios de se qualificar profissionalmente; ter acesso adequado a bens e serviços; concorrer em igualdade de condições para um trabalho digno e produtivo. Sem esquecer que referidos comandos decorrem do processo evolutivo das leis nacionais que recebem, na sua concepção, a influência direta dos Tratados e Declarações internacionais protagonizados pelos movimentos organizados visando às mudanças sociais. A pessoa com deficiência, apta a exercer uma função pública de forma a atender o interesse público (o da coletividade), poderá ingressar - como todos - na administração pública (direta e indireta) por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos. Querendo, o candidato pode optar pela obrigatória reserva de cargos e empregos públicos. No entanto, a participação de candidato com deficiência em concurso público, desde a inscrição até a nomeação, não raro, é conflituosa, sendo que sua participação só ocorre por imposição de medida judicial. Isto acontece porque, não obstante os princípios constitucionais de amplo acesso, concurso público e reserva de cargos e empregos, a Administração Pública em todos os níveis (federal, estadual e municipal) não está preparada para receber este cidadão em seus quadros. Esse despreparo, intrinsecamente preconceituoso, corporifica-se em editais pouco claros e à margem dos princípios constitucionais e das normas vigentes: não afere o número de servidores e empregados públicos com deficiência em seus quadros; não estabelece meta para o cumprimento da reserva de cargos de empregos públicos; não respeita o direito da pessoa com deficiência às provas e locais de provas adaptados; não respeita a ordem de classificação, compatibilizando as listas geral e especial; não disponibiliza todos os cargos e empregos públicos para pessoa com deficiência, sob a justificativa de que exigem aptidão plena ou são incompatíveis com a deficiência; não concede apoio especial para o período de estágio probatório. Enfim, não harmoniza os princípios da razoabilidade e interesse público e outros que norteiam a administração pública para a realização de um certame público, com direitos constitucionais previstos, alguns específicos para as pessoas com deficiência e, com isso, não colabora - impede mesmo - a inclusão dessas pessoas. O objetivo deste livro é demonstrar o caminho legal e adequado para o cumprimento das regras gerais e específicas de concurso público atinente à pessoa com deficiência e que podem ser seguidas pelo administrador público de maneira a prevenir qualquer forma de discriminação. APRESENTAÇÃO (3ª edição revisada e ampliada) A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), norma internacional com natureza constitucional, comanda a sociedade brasileira a efetivamente aplicar os elementos de acessibilidade e mecanismos de tratamento diferenciado em todos os domínios da vida da pessoa com deficiência, de forma que ela possa alcançar autonomia e independência individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas. Só será possível empreender e implantar a acessibilidade se houver consciência entre as pessoas, a sociedade em geral e os órgãos públicos que lhes prestam serviços, de que os deveres e obrigações são comuns e que, portanto, todos têm a responsabilidade de se esforçar para promover e observar os direitos reconhecidos em todos os documentos internacionais com caráter de direitos humanos, dentre eles a CDPD, e as leis e regulamentos nacionais nela baseados. Daí porque a importância da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (LBI) que retrata os anseios para a construção de uma sociedade que acolhe a todos. Assim está pautada a revisão desse livro que contém reflexões e instruções em como preparar um concurso público para todos e que atenda aos comandos constitucionais e legais. APRESENTAÇÃO (4ª edição revisada e ampliada) O Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018 trouxe sensíveis alterações para a reserva de cargos e de empregos públicos em concursos públicos para pessoas com deficiência, especialmente quanto aos critérios de tratamento diferenciado que, por vezes, se afastam da convencionalidade da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) quanto a manter intactos os princípios de igualdade de oportunidades, autonomia e independência. A nova regra, finalmente, rompe com a visão obsoleta sobre a compatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência da pessoa. Porém, ao mesmo tempo em que silencia sobre pontos importantes, especialmente quanto ao tratamento diferenciado para as pessoas com deficiência mental e intelectual – completamente esquecidas no Anexo -, dá permissão ao administrador público erigir critérios adicionais para os editais e com isso, deixando aberta a porta da subjetividade (Gugel in Soares et al, 2019, p. 83-84). Por isso, a necessidade de ampliação do presente estudo com anotações em tópicos específicos. SUMÁRIO PRIMEIRA PARTE - A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CAPÍTULO I - A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (CDPD) O PROPÓSITO E AS DEFINIÇÕES: PESSOA COM DEFICIÊNCIA. COMUNICAÇÃO. DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE DEFICIÊNCIA. ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL. DESENHO UNIVERSAL OS PRINCÍPIOS E OS EIXOS ADOÇÃO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAÇÃO DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA ÀS ORGANIZAÇÕES REPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – PARTICIPAÇÃO SOCIAL A IMPLEMENTAÇÃO E O MONITORAMENTO O TRABALHO E EMPREGO PROIBIR A DISCRIMINAÇÃO BASEADA NA DEFICIÊNCIA PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS PROMOVER OPORTUNIDADES SEGUNDA PARTE - QUEM É A PESSOA COM DEFICIÊNCIA CAPÍTULO II - A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA NO TEMPO E NA SOCIEDADE, CONSTITUIÇÕES, LEIS E DECRETOS E DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS AS CONSTITUIÇÕES E AS NORMAS INTERNACIONAIS AS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS O DECRETO Nº 3.298/1999 X CONVENÇÃO DA GUATEMALA CAPÍTULO III - O CONCEITO ATUAL DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO MODELO BIOPSICOSSOCIAL E A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE - CIF DEFICIÊNCIA MENTAL TERCEIRA PARTE - ISONOMIA CAPÍTULO IV - IGUALDADE FORMAL E MATERIAL E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO POSITIVA CAPÍTULO V - NORMAS INTERNACIONAIS E O DIREITO À IGUALDADE DE OPORTUNIDADES COM DISCRIMINAÇÃO POSITIVA. AÇÃO AFIRMATIVA CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS MODELOS DE AÇÃO AFIRMATIVA SEGUNDO AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS CAPITULO VI - AÇÃO AFIRMATIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL EM CARGOS EM COMISSÃO DO GRUPO DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO SUPERIORES QUARTA PARTE - ACESSO A CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA CAPÍTULO VII - RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PÚBLICOS. RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS A RESERVA REAL DE CARGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES X RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PUBLICOS FIXAÇÃO DAS VAGAS DO CONCURSO PÚBLICO PARÂMETROS INDISPENSÁVEIS PARA A CORRETA FIXAÇÃO DA RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PÚBLICOS CAPÍTULO VIII - RESERVA DE EMPREGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PÚBLICAS PARÂMETROS INDISPENSÁVEIS PARA A CORRETA FIXAÇÃO DA RESERVA EM CONCURSOS PÚBLICOS MANUTENÇÃO DA RESERVA. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR COM DEFICIÊNCIA OU BENEFICIÁRIO REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL QUINTA PARTE - CONCURSO PÚBLICO CAPÍTULO IX - EDITAL DO CONCURSO PÚBLICO CAPÍTULO X - TRATAMENTO DIFERENCIADO É EXPRESSÃO DE ACESSIBILIDADE ACESSO A CARGOS E FUNÇÕES x ATRIBUIÇÕES COMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA x APTIDÃO PLENA DO CANDIDATO CAPÍTULO XI - INSCRIÇÃO DE CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA EXIGÊNCIAS ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DAS PROVAS. ADAPTAÇÃO DAS PROVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS E DO CURSO DE FORMAÇÃO ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DA PROVA. ADAPTAÇÃO DE PROVA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL LOCAL DE REALIZAÇÃO DAS PROVAS CURSO DE FORMAÇÃO DOS CANDIDATOS NOMEAÇÃO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL COM CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA OU LISTA ÚNICA? ESTÁGIO PROBATÓRIO EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. ATRIBUIÇÕES A INSPEÇÃO MÉDICA É O EXAME ADMISSIONAL (ANAMNESE) SEXTA PARTE - PROTEÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM CONCURSO PÚBLICO CAPÍTULO XII - MANDADO DE SEGURANÇA MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO CAPÍTULO XIII - AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATUAÇÃO EXTRAJUDICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ATUAÇÃO INTERVENIENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO CAPÍTULO XIV - MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS E O CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS CAPÍTULO XV - LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA SÉTIMA PARTE - CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE EMPRESAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA CAPITULO XVI - A COMPETÊNCIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE PESSOA COM DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO DA CDPD CAPÍTULO XVII - A NORMA MAIS FAVORÁVEL (Leis n° 7.853/1989 e 8.112/1990; Decretos n° 3.298/1999 e 5.296/2004) SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA SOLUÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL COM BASE NA TEORIA DO CONGLOBAMENTO O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI: CASOS COHAB/SP, USP/SP E CESP/SP REFERÊNCIAS ANEXOS 1. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES MENTAIS (Resolução nº 2856, de 20/dezembro/1971, ONU) 2. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES (Resolução nº 3447, de 9/dezembro/1975, ONU) 3. NORMAS GERAIS SOBRE EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES (Resolução 48/96, de 20/dezembro/1993, ONU) 4. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA PRINCÍPIOS, POLÍTICA E PRÁTICA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, de 1994 5. CARTA PARA O TERCEIRO MILÊNIO, de 1999 (aprovada no dia 9/setembro/1999, em Londres/Inglaterra, na Assembleia Governativa da REHABILITATION INTERNATIONAL) 6. DECLARAÇÃO DE WASHINGTON, de 1999 7. DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DE MONTREAL SOBRE INCLUSÃO, de 2001 8. DECLARAÇÃO DE MADRI, de 2002 9. DECLARAÇÃO DE SAPPORO, de 2002 10. DECLARAÇÃO DE CARACAS, de 2002 11. CONVENÇÃO Nº 111/OIT sobre DISCRIMINAÇÃO EM MATÉRIA DE EMPREGO E PROFISSÃO (Decreto nº 62.150, de 19/janeiro/1968) 12. CONVENÇÃO Nº 159/OIT sobre REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGO DE PESSOAS DEFICIENTES (Decreto nº 129, de 22/maio/1991) 13. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA (Decreto nº 3.956, de 8/outubro/2001) 14. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (Decreto nº 6.949, de 25/agosto/2009) Na longínqua Grécia a civilização amadureceu entre as muralhas de suas cidades; nas civilizações modernas, a cultura também foi confinada entre muralhas. Esta defesa material deixou marca profunda na alma dos homens, introduzindo na nossa inteligência a fórmula ‘dividir para reinar’, isto é, o costume de cercar o terreno conquistado com muros protetores que o separe do resto do mundo. Rabindranath Tagore PRIMEIRA PARTE A CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA CAPÍTULO I A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (CDPD) A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), de 2006, juntamente com o Protocolo Facultativo, assinada na Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York em 30 de março de 2007, aprovada pelo Congresso Nacional em 10 de julho de 2008 por meio do Decreto Legislativo nº 186 e, finalmente promulgada em 25 de agosto de 2009 no Decreto nº 6.949, consolida vertiginosa mudança de paradigma nas concepções, atitudes e abordagens em relação às pessoas com deficiência. É o primeiro tratado internacional de direitos humanos a obedecer o rito do artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição da República para a sua aprovação. Segundo esse rito os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Significa que o próprio rito de aprovação da CDPD determina a sua natureza material constitucional (PIOVESAN, 2006, p. 71-74), equivalendo-se a uma emenda constitucional e, portanto, emparelhada à Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido da eficácia constitucional da CDPD: Supremo Tribunal Federal. Tutela Antecipada no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 32.732/DF, relator Ministro Celso de Mello, de 13/maio/2014, publicado no Diário Justiça de 3/junho/2014. ... essa Convenção Internacional, por veicular normas de Direitos Humanos, foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, cuja promulgação observou o procedimento ritual a que alude o art. 5º, § 3º, da Constituição da República, a significar, portanto, que esse importantíssimo ato de direito internacional público reveste-se, na esfera doméstica, de hierarquia e de eficácia constitucionais. O posicionamento hierárquico de norma constitucional da CDPD, por sua vez, gera importantes efeitos como, por exemplo: o de revogar as normas infraconstitucionais, tais como as leis ordinárias e complementares, decretos, medidas provisórias, portarias e instruções normativas se com ela estiverem incompatíveis; reformar a própria Constituição da República se esta for incompatível, ressalvado os casos em que os direitos fundamentais previstos na Constituição sejam mais amplos e benéficos; o de impossibilitar a denúncia (renúncia) dos direitos nela previstos. Quanto à elaboração de normas, cuja atribuição compete ao Poder Legislativo, os princípios e os direitos concebidos na CDPD comprometem o conteúdo de novas propostas legislativas que deverão estar com ela coadunado de forma a dar efetividade aos direitos nela reconhecidos, conforme indicam as obrigações gerais do Artigo 4, letras a, b da CDPD: Artigo 4 - Obrigações gerais 1.Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; A CDPD impõe ao Poder Executivo a imediata formulação e revisão (em caso de incompatibilidade) de políticas públicas e programas de maneira a promover todos os direitos humanos das pessoas com deficiência. As políticas públicas e os programas governamentais devem contemplar, com medidas eficazes, a eliminação da discriminação baseada na deficiência. Nesse contexto, incluem-se todas as decisões administrativas, inclusive aquelas pertinentes ao concurso público, no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta. A CDPD deve inspirar as decisões de juízes e tribunais e, mais que isso, servir de critério absoluto a reger a interpretação de aplicação da norma mais favorável, na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em alinhamento à decisão da segunda turma relatada pelo Ministro Celso de Mello, no Habeas Corpus 93.280/SC: Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 93.280/SC, relator Ministro Celso de Mello, publicado no Diário da Justiça de 16/maio/2013. Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no Artigo 29 da Convenção americana sobre Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica. O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs. Os parâmetros da CDPD devem também pautar os procedimentos de fiscalização das leis pelos órgãos de fiscalização e promoção de direitos, como o Ministério Público e o Ministério do Trabalho e Emprego (atualmente extinto e reduzido ao status de Secretaria do Trabalho compondo o atual Ministério da Economia, Lei nº 13.844, de 18 de junho de 2019), assim como os demais operadores de direito, Defensores Públicos e Advogados, visando a implementar seu conteúdo na integralidade. Ao partir do reconhecimento de que há diversidade de deficiências entre as pessoas e de que é preciso promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio (Preâmbulo, alíneas i e j), a CDPD cria um novo modelo que reconhece a deficiência como o resultado da interação da pessoa com deficiência com as barreiras de atitudes e ambientais que impedem a sua plena e efetiva participação na sociedade, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (Preâmbulo, alínea e). Como se constata, o elemento mais importante da relação entre a pessoa com deficiência e o lugar onde vive e desempenha suas atividades é a barreira (arquitetônica, atitude, institucional) que, não inutilmente, delineia o próprio conceito de deficiência. Daí porque afirmar-se, desde logo, que a acessibilidade é o elemento que se contrapõe às barreiras existentes, convertendo-se em direito essencial e fundamental da pessoa com deficiência. A pessoa com deficiência é o centro da norma internacional e se revela como titular de uma situação jurídica que reconhece a sua autonomia e independência para fazer suas próprias escolhas (Preâmbulo, alínea n) e, sobretudo o poder-dever de participação ativa das decisões relativas a programas e políticas, sobretudo aos que lhes dizem respeito diretamente (Preâmbulo, alínea o). Portanto, indica ao legislador que opte por garantir a igualdade de oportunidades quando da elaboração de normas gerais e de ação afirmativa, e ao gestor público a obrigação de criação e implementação de políticas públicas consistentes para atender ao mesmo princípio de igualdade de oportunidades. Lembre-se que os fundamentos da abertura da CDPD ao relembrar, reconhecer, reafirmar e considerar fatos, situações e direitos não se constituem em palavras vazias, mas sim um acumulado de conquistas mundiais das pessoas com deficiência que devem ser levadas em conta quando do reconhecimento e interpretação dos direitos nela contidos. O PROPÓSITO E AS DEFINIÇÕES: PESSOA COM DEFICIÊNCIA. COMUNICAÇÃO. DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE DEFICIÊNCIA. ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL. DESENHO UNIVERSAL O Artigo 1 da CDPD edifica um novo paradigma em relação às pessoas com deficiência cuidando, ao mesmo tempo, do propósito do tratado que contém a definição. O propósito tem como objetivo promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e, promover o respeito pela sua dignidade inerente. No que diz respeito à definição, tendo anteriormente, no Preâmbulo, reconhecido que a deficiência é um conceito em evolução (alínea e), que há diversidade entre as deficiências (alínea j), e que todas as questões relativas à deficiência devem ser trazidas à tona, ao centro das preocupações da sociedade, integrando-as às políticas e estratégias para o desenvolvimento sustentável (alínea g), o Artigo 1 define que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. O conceito contém elementos importantes que caracterizam e particularizam a pessoa com deficiência em situação de desvantagem social e como destinatária da norma, quais sejam: i) ter impedimentos de longo prazo; ii) ser a deficiência de natureza física, mental, intelectual e sensorial (auditivo, visual), indicando a existência de diversidade na área da deficiência; iii) o enfoque às questões ambientais, incluídas as de atitudes individuais, coletivas e institucionais, como barreiras impeditivas para o livre exercício de direitos, pois é o ambiente desfavorável com a existência de barreiras que obstrui a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade. A natureza da deficiência das pessoas (sua caracterização ou designação próprios do modelo médico anterior) deixa de ter primazia. Em seu lugar se coloca o ambiente, com seus efeitos sociais, econômicos e culturais, que pode restringir ou impedir o pleno exercício e gozo de direitos. Rosangela Berman Bieler (in Caderno da I Conferência, 2006, p. 145) ao tratar sobre desenvolvimento inclusivo (a concepção e implementação de ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano) avalia o conceito de deficiência como sendo o resultado da interação de deficiências físicas, sensoriais ou mentais com o ambiente físico e cultural e com as instituições sociais. Quando uma pessoa tem uma condição que limita alguns aspectos do seu funcionamento, esta se torna uma situação de “deficiência” somente se ela tiver que enfrentar barreiras de acesso ao ambiente físico ou social que tem à sua volta. Em termos econômicos, a deficiência é uma variável endógena à organização social. Isso quer dizer que a definição de quem tem ou não uma deficiência não depende tanto das características pessoais dos indivíduos, mas também, e principalmente, do modo como a sociedade onde vivem, organiza seu entorno para atender à população em geral. A referida autora, ao analisar a funcionalidade da pessoa em relação ao ambiente, lança mão de uma fórmula matemática elaborada por Marcelo Medeiros, no artigo Pobreza, Desenvolvimento e Deficiência, apresentado na Oficina de Alianças para ao Desenvolvimento Inclusivo, na Nicarágua, em 2005, em que demonstra a relação e o impacto do ambiente e da limitação funcional, quantificando negativa ou positivamente a deficiência da pessoa. A fórmula de Medeiros (2005) constitui-se em: DEFICIÊNCIA = LIMITAÇÃO FUNCIONAL X AMBIENTE. Assim, se for atribuído valor zero ao ambiente porque é acessível e não oferece nenhuma barreira, o resultado da equação será sempre zero, independentemente do valor atribuído à funcionalidade da pessoa. Porém, se o ambiente tiver valores progressivamente maiores (porque não tem acessibilidade) em relação à funcionalidade da pessoa elevará o resultado, que é a deficiência. Percebe-se, portanto, a centralidade da acessibilidade para a existência plena da pessoa com deficiência - dignidade inerente, autonomia individual, independência -. O Artigo 9 da CDPD ao tratar da acessibilidade indica as formas de atendê-la quanto ao meio físico, transporte, informação e comunicação, serviços, assistência, apoio, pugnando que se identifiquem os obstáculos e barreiras e os elimine. O comando constitucional do direito fundamental à acessibilidade é de tal intensidade que o legislador brasileiro escolheu considerar em lei ordinária (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) as hipóteses de barreiras que podem ser encontradas nos locais aonde vivem as pessoas com deficiência. As barreiras e sua classificação estão no artigo 3º, inciso IV da LBI. Barreiras são qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros. As barreiras são classificadas em: •barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; •barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; •barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes; •barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; •barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas; •barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; É nesse ponto que se percebe a valia dos princípios gerais inscritos no Artigo 3 da CDPD, sobretudo o da não discriminação (alínea b) e o da acessibilidade (alínea f), por meio dos quais se concebeu e se estruturou toda a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Cada palavra, cada pressuposto, contidos na CDPD devem ser considerados para bem compreender o sentido fundamental e a imprescindibilidade dos elementos de acessibilidade e de adaptação razoável para os atos da vida diária e para o acesso a todos os direitos, bens e serviços destinados às pessoas com deficiência. A partir das afirmações das alíneas i e j do Preâmbulo - de reconhecimento da diversidade das pessoas com deficiência que levam à necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio -, fica evidente o grau de importância de se conceberem ambientes plenamente acessíveis. Daí, mais uma vez, o argumento de que a acessibilidade é direito essencial e fundamental da pessoa com deficiência. Portanto, não há como dissociar o direito de acesso aos cargos e empregos públicos com os princípios de igualdade e de não discriminação consolidados no Artigo 5, e no Artigo 9 que trata sobre a acessibilidade, porque ambos repercutem integralmente na vida das pessoas com deficiência e diretamente em todo o processo do concurso público, como se verá adiante. Não menos à toa, a LBI, fundamentada na CDPD, ao longo de seus comandos tem na acessibilidade o mecanismo primordial para a fixação dos direitos que garantem à pessoa com deficiência viver de forma independente para: • exercer seus direitos de cidadania e participação social (artigo 53); • ter acesso ao sistema educacional (artigo 28, inciso XVI); • ter acesso ao trabalho de sua livre escolha (artigos 34 e 37); • ter acesso ao transporte (artigo 48); • ter acesso à informação e à comunicação (artigo 63); • ter acesso à justiça (artigo 80); • ter acesso ao voto (artigo 96), dentre outros. A CDPD reconhece que para a pessoa com deficiência poder gozar plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais é vital a existência de acessibilidade aos meios físico, social, econômico, cultural, à saúde, à educação, ao trabalho, à informação e comunicação. Para tanto, esgrima no Artigo 2 definições sobre a comunicação (nela incluída a língua), a discriminação por motivo de deficiência, a adaptação razoável e o desenho universal. O termo “comunicação” abrange as línguas, incluídas as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não falada; a visualização de textos; o Braile; a comunicação tátil; os caracteres ampliados; os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral; os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis. Debora Diniz e Lívia Barbosa, ao comentarem as definições do Artigo 2 da CDPD (in Dias et al, 2014, p. 37), afirmam que: Comunicação e língua se confundem no documento da ONU – são formas e mecanismos de transmitir, aprender e conectar pessoas. Aprender pelo texto escrito não é o mesmo que ler, por isso os ledores de computador ou o passeio táctil pelos pontos do braille permitem que cegos aprendam com Machado de Assis ou Clarice Lispector. Comunicação é o conceito-chave para permitir que as pessoas aprendam com o já-dito ou já-escrito – não é sempre pela escuta padrão ou pela leitura ocular. As línguas são várias não apenas pelo seu léxico e estrutura, mas pelas modalidades que as pessoas escolhem para se expressar – oral ou espaço visual. Surdos manualistas preferem os sinais; surdos implantados ensaiam as mãos e os sons. Cegos podem ser bilíngues: braillistas ou ouvidores, seja dos cassetes do passado, seja das novas tecnologias de informação. A definição de “discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação inclusive a recusa de adaptação razoável. O traçado na definição de discriminação por motivo de deficiência evidencia que discriminar configura violação direta à dignidade e valores inerentes da pessoa. Ao mesmo tempo, permite a identificação de práticas de discriminação (diferenciar, excluir, restringir) por ação ou omissão e, a busca de sua reparação judicial se for o caso. A previsão de discriminação por motivo de deficiência da CDPD se assemelha a de outros tratados internacionais de direitos humanos relativos à mulher (Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979) e racial (Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965), e a Convenção nº 111, de 1958, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada pelo Brasil em 1965. Essa última frise-se, foi a primeira a ser formulada no âmbito da OIT que revela a conceituação de discriminação e os métodos para eliminá-la por meio de medidas de uma política nacional de emprego ou de uma ação afirmativa para alcançar a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão. A principal novidade da concepção da CDPD é a que relaciona a adaptação razoável à discriminação por motivo de deficiência. Ou seja, a recusa em fazer (conceder, realizar) a adaptação razoável se caracteriza em discriminação por motivo de deficiência. E não poderia ser diferente porquanto a adaptação razoável, para quem dela necessitar e em vista de sua particular funcionalidade, é instrumento de acessibilidade para a pessoa com deficiência alcançar a autonomia e independência para a prática de atividades diárias, como estudar, trabalhar e outros. As duas definições relacionadas à mobilidade e à acessibilidade da pessoa com deficiência, e que contém o cerne para a independência e autonomia, são a “adaptação razoável” e o “desenho universal”. A primeira tem caráter intrínseco e pessoal, a segunda tem natureza coletiva. Ambas estão atreladas ao direito fundamental à acessibilidade. “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. A nova definição convencional de adaptação razoável soma-se às leis e às concepções técnicas de acessibilidade. Ela está devida e ordinariamente prevista nos artigos 3º, inciso VI e 4º, parágrafo 1º da LBI. A relação de razoabilidade e proporcionalidade, presente no conceito de adaptação razoável, diz respeito aos ajustes necessários e adequados para cada caso que não acarretem ônus desproporcional. A adaptação razoável deve ocorrer sempre tendo em vista a necessidade funcional individual da pessoa, e atende a necessidade de uma deficiência em particular, um caso específico, após terem sido procedidas todas as demais regras de acessibilidade, garantidas nas leis e normas técnicas, válidas para todos. Significa afirmar que a adaptação razoável não dispensa a acessibilidade e vice-versa (Gugel, in Novos Comentários, 2014, p. 180). A adaptação razoável envolve direito personalíssimo da pessoa com deficiência, não só com os atributos gerais de acessibilidade, como também com aqueles decorrentes de seu caso em particular, segundo a natureza de sua deficiência. Somente com a implantação das regras de acessibilidade comuns (presentes nas leis e nas normas técnicas) mais a adaptação razoável e os ajustes adequados é que a pessoa poderá demonstrar as suas habilidades e competências no âmbito das relações de trabalho (públicas ou privadas). Um exemplo de obrigatoriedade de concessão da adaptação razoável, aplicado o critério do menor (desproporcional ou indevido) ônus para o empregador, clareia melhor o argumento: um trabalhador cego trabalha em uma empresa cujas instalações ambientais estão de acordo com as regras de saúde e segurança do trabalho e as normas técnicas de acessibilidade. O trabalhador cego utiliza em suas atividades leitor de tela de computador. O trabalhador cego está habituado a utilizar o leitor X, que tem o maior custo no mercado. O empregador oferece o leitor Y, de custo médio no mercado e que dá as mesmas condições para o trabalhador cego realizar as tarefas. Ou seja, foi possível realizar a obrigatória adaptação razoável sem ônus desproporcional ou indevido para o empregador (Gugel, 2019, p.252). Assim, dado o status de direito constitucional à acessibilidade, não é permitido a qualquer pessoa (física ou jurídica) recusar-se a fazer as modificações e os ajustes necessários que não acarretem ônus desproporcional ou indevido. Isso porque: i) as “modificações e ajustes” e o “ônus desproporcional ou indevido” que consolidam o conceito de adaptação razoável são simetricamente dependentes e estão relacionados à necessidade específica e extraordinária de cada pessoa, de tal forma que se não realiza-la (a adaptação razoável) a pessoa com deficiência não terá condições de exercer as suas atividades de trabalho de forma livre, plena e independente; ii) o conceito de adaptação razoável não limita ou exclui o direito da pessoa com deficiência aos elementos comuns de acessibilidade ao meio físico, de comunicação, de sistemas, de serviços e outros; iii) relaciona-se diretamente à proibição da “discriminação por motivo da deficiência” que não permite a diferenciação, exclusão ou restrição baseada na deficiência. Repita-se, a falta [ou recusa] em proceder à adaptação razoável implica em ato de discriminação por motivo de deficiência, podendo ocorrer, por exemplo, durante o período de estágio probatório do servidor ou do empregado público. Nesse caso, o administrador público poderá incorrer em crime punível com reclusão de dois a cinco anos (artigo 8, inciso II e parágrafo 2º, da Lei nº 7.853/89, com as alterações da LBI). Por fim, a definição de “desenho universal” congrega a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico, é o ideal a ser desfrutado por toda sociedade, composta de pessoas diferentes umas das outras e que formam a diversidade humana. Lembre-se que o desenho universal deverá ser tomado como regra geral, devendo ser incorporado às políticas públicas desde a sua concepção, segundo o artigo 55, parágrafos 1º e 5º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. O desenho universal quando existente no ambiente não inibe o direito da pessoa com deficiência às ajudas técnicas e à adaptação razoável específicas pois: i) a acessibilidade e todas as medidas necessárias a serem tomadas são para que as pessoas com deficiência possam viver de forma autônoma e independente e participar de todos os aspectos da vida (Artigo 9, CDPD); ii) a mobilidade pessoal que comporta elementos de tecnologia assistiva e ajudas técnicas (Artigo 20, CDPD), são direitos inalienáveis das pessoas com deficiência. O que se espera para construir uma sociedade mais igualitária é que a acessibilidade, aliada ao desenho universal, deve ser ampliada e perseguida de forma a se tornarem situação comum, ordinária, corriqueira para todos, segundo propõe a arquiteta Maria Elisabete Lopes (in Gugel, 2007, p. 314). Rebecca Nunes Monte Bezerra (in Gugel, 2019, p. 165) lança mão dos ensinamentos de Augustina Palácios sobre a CDPD e a Lei Espanhola nº 51/2003 para tornar os elementos acessibilidade, adaptação razoável e desenho universal mais compreensíveis: Para a autora, os ajustes razoáveis não possuem o condão de substituir a acessibilidade universal. A acessibilidade é a situação a que se aspira; o desenho para todos é uma estratégia geral para alcança-la e os ajustes razoáveis constituem-se numa estratégia particular. A necessidade de realizar ajustes razoáveis surgirá quando não se possível desenhar e criar produtos ou serviços de forma a serem utilizados por todos. Assim, exemplifica, ajuste razoável numa situação particular seria modificar a iluminação de um lugar de trabalho de uma pessoa com deficiência visual e que requer um tipo de luz especial; diferentemente, prossegue, de obrigações gerais que se exige para a acessibilidade de uma rampa em um edifício público. OS PRINCÍPIOS E OS EIXOS A CDPD para garantir um ambiente propício para a realização plena dos direitos das pessoas com deficiência fundamenta-se em oito princípios inscritos no Artigo 3: o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; a não discriminação; a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; a igualdade de oportunidades; a acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher e o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. Reconhecida a importância da autonomia e independência individuais das pessoas com deficiência, inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas, os princípios fundantes do Artigo 3 da CDPD estão presentes em todos os eixos relacionados à vida da pessoa com deficiência. Assim, além daqueles concernentes à saúde, educação, trabalho, habilitação e reabilitação, acessibilidade, assistência e outros direitos de ordem social como cultura, lazer e esporte, a CDPD se posiciona expressamente sobre: a) a fragilidade das mulheres e crianças com deficiência a merecer ação imediata e firme dos Estados visando ao seu empoderamento e, proteção integral, respectivamente (Artigo 6); b) a criança com deficiência receberá consideração primordial (Artigo 7); c) a conscientização da sociedade e famílias sobre os direitos das pessoas com deficiência, indicando ao Estado a necessidade de reconhecer a capacidade legal das pessoas com deficiência e, adotar salvaguardas apropriadas para o seu efetivo exercício, sendo que qualquer medida restritiva deve ser proporcional e apropriada às necessidades da pessoa e da situação, bem como seja aplicada pelo período mais curto possível e com revisões periódicas (Artigo 12); d) a acessibilidade, a um custo mínimo, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas de tecnologias da informação e comunicação e outros serviços ao público, sem esquecer do apoio pessoal (guias, leitores, intérpretes) ou assistência de animais, de sistemas (Braile, Libras, Tadoma, Sistema Pictográfico), formatos e sinalizações (Artigo 9); e) ao acesso efetivo à justiça, mediante adaptações processuais e capacitação de serventuários; a prevenção contra a tortura e tratamento desumano ou penas cruéis, exploração, violência e abuso (Artigo 13); f) a liberdade de movimentação, vida independente e liberdade de expressão e opinião (Artigos 18, 19, 20 e 21); g) ao direito de estabelecer família, casamento, concepção e responsabilidade na criação dos filhos (Artigo 23); h) a geração de estatísticas e coleta de dados tornando as pessoas com deficiência visíveis e, assim, possibilitar a elaboração de políticas públicas (Artigo 31). ADOÇÃO DE MEDIDAS LEGISLATIVAS E ADMINISTRATIVAS PARA A REALIZAÇÃO DOS DIREITOS PREVISTOS NA CDPD. CONSULTA ÀS ORGANIZAÇÕES REPRESENTATIVAS DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA – PARTICIPAÇÃO SOCIAL Ao mesmo tempo em que reconhece a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação como forma de gozo e exercício pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais (Preâmbulo, alínea v), a CDPD impõe ao Estado a obrigação de adotar medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na Convenção (Artigo 4). As novas concepções e práticas constantes da CDPD dizem respeito às obrigações dos poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário) em todos os níveis (municipal, distrital, estadual, federal). Referidos poderes constituídos devem assegurar a realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência em todos os programas e políticas (Artigo 4, item 1, alínea c da CDPD). Ou seja, quando da elaboração de qualquer política ou programa obrigam-se a fazer a consulta às organizações representativas de pessoas com deficiência. Trata-se do princípio democrático de participação direta das pessoas com deficiência nos processos de tomada de decisões. Lembre-se que desde 2002 a Declaração de Madri ao propor o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência sob o slogan “Nada sobre pessoas com deficiência sem as pessoas com deficiência”, busca-se a efetiva e direta participação das pessoas com deficiência nas tomadas de decisões que lhes concernem. A participação das pessoas com deficiência nos processos de tomada de decisões sobre os direitos que lhes afetem direta e indiretamente, por meio de leis, regulamentos, políticas públicas, programas, entre outros, consolida o caráter democrático e participativo da tomada de decisões postos na CDPD. Assim, qualquer medida, desde a elaboração até a implementação, deve passar por consulta prévia e de forma direta às organizações representativas de pessoas com deficiência, inclusive as crianças com deficiência. Cabe às organizações da sociedade civil, por sua vez, estabelecer mecanismos que propiciem a participação ativa de seus representados/associados às consultas propostas pelo Estado (Artigo 4, item 3 da CDPD). O Estado, em consequência, tem a obrigação de criar e intensificar os mecanismos de consulta por meio de consultas públicas e, ao mesmo tempo, fortalecer e expandir os já existentes conselhos de direitos, decorrentes do comando constitucional de controle social, com a participação da sociedade, previsto nos artigos 204, inciso II (assistência social), 194, inciso VII (seguridade social), 206, inciso VI (educação), 198, inciso III (saúde), todos da Constituição da República. A IMPLEMENTAÇÃO E O MONITORAMENTO A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é o primeiro tratado internacional que contém requisitos específicos para o monitoramento de sua implementação em âmbito nacional (Artigo 33 da CDPD). Exige que o Estado tenha um mecanismo de coordenação na sua estrutura institucional que a coloque em prática, o que pode ocorrer por responsabilizar um ou mais órgãos com recursos financeiro e de pessoal. A CDPD trata referido mecanismo de coordenação por “ponto focal”. A coordenação constituída terá como atribuições apoiar, orientar e aconselhar sobre questões relacionadas à implementação da CDPD, sobretudo em relação às políticas e programas governamentais. Lei específica deve indicar as atribuições da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República por meio da Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência de coordenar, orientar e acompanhar as medidas de promoção garantia e defesa dos ditames da CDPD, mediante o desenvolvimento e acompanhamento de políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência. O monitoramento por sua vez deve ocorrer por meio de uma estrutura diversa daquela responsável pela implementação da Convenção. Essa estrutura pode recair sobre uma ou mais entidade nacional que comprove ter mecanismos independentes do Governo, ter composição pluralista, recursos necessários e estar acessível às pessoas com deficiência de maneira a poder exercer o monitoramento de forma eficiente. A própria ONU indica que as instituições nacionais de direitos humanos, estabelecidas com base nos Princípios de Paris, são o núcleo natural da estrutura de monitoramento no país (ENABLE, 2010). O Paris Principles são os princípios relacionados com o status de instituições nacionais de direitos humanos, na forma da Resolução nº 1992/54, de 3 de março de 1992, da Comissão de Direitos Humanos da ONU. A essência dos Princípios é a preservação da autonomia e independência das instituições encarregadas de exercer o controle social e o monitoramento. Daí porque preveem que a instituição nacional deverá ter uma infraestrutura que permita a condução das atividades de modo harmonioso, em especial com recursos adequados. O propósito desses recursos é permitir à instituição ter pessoal e ambiente de trabalho próprios, de modo a ter independência do Governo e a não ser sujeita a controle financeiro, o que poderia afetar sua independência (item 2). Quanto à composição e nomeação de seus membros, lembra no item 3, que deve ser realizada por meio de atos oficiais, com especificação da duração do mandato, de modo a assegurar mandato estável, sem o que não pode haver independência. O mandato pode ser renovável, desde que seja respeitado o pluralismo na instituição. A proposta da CDPD é de que as estruturas organizadas para a implementação e o monitoramento sejam um canal aberto de comunicação para a sociedade civil e organizações representativas de pessoas com deficiência. Essas, por sua vez, devem ser envolvidas plenamente no processo de monitoramento (Artigo 33, item 3 da CDPD). O TRABALHO E EMPREGO Os princípios que sustentam a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, notoriamente presentes nos vários eixos dos aspectos da vida (educação, saúde, trabalho, e outros), são a acessibilidade, a não discriminação e a igualdade de oportunidades, admitindo que medidas específicas possam ser adotadas para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência. É o que consta do Artigo 5: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 5. Igualdade e não discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes deverão proibir qualquer discriminação por motivo de deficiência e garantir às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes deverão adotar todos os passos necessários para assegurar que a adaptação razoável seja provida. 4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não deverão ser consideradas discriminatórias. Para alcançar a igualdade material e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos, a CDPD admite a adoção de medidas de ação afirmativa, definida no Artigo 5, item 4, de forma a acelerar a real igualdade das pessoas com deficiência. Esse posicionamento internacional finca-se na evidência de que as pessoas com deficiência em todo o globo continuam a enfrentar barreiras para a sua participação como membros efetivos da sociedade e de que também são mantidos excluídos das tomadas de decisões em relação a si próprias. Relativamente ao trabalho e emprego de pessoas com deficiência, além de alcançar a igualdade por meio da acessibilidade, o mecanismo de ação afirmativa pode ser adotado. A CDPD reforça no Artigo 27, item 1, alíneas g e h, a necessidade de o setor público empregar pessoas com deficiência e a de promover o emprego no setor privado, podendo para tanto incluir políticas e medidas próprias com destaque para a ação afirmativa, incentivos e outras medidas: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e Emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] g) Empregar pessoas com deficiência no setor público; h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas; O Brasil adota o modelo da ação afirmativa de reserva de cargos (Gugel, 2007). Portanto, confere-se que o sistema atual de reserva de cargos no âmbito das relações pública e privada de emprego e trabalho (artigo 37, inciso VIII da Constituição da República; Leis nº 8.112/90, artigo 5º, parágrafo 2º e, 8.213/91, artigo 93, respectivamente), é medida acertada porquanto decorre da constatação de falta de acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições às demais pessoas, aos cargos e empregos públicos e aos postos de trabalho nas empresas privadas. A CDPD vai além do reconhecimento ao direito ao trabalho em igualdade de oportunidades e especifica que esse direito diz respeito à possibilidade de a pessoa com deficiência se manter com um trabalho da sua livre escolha e aceito no mundo do trabalho, em ambiente inclusivo e acessível: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. A proposição inserida na segunda parte do item 1, do Artigo 27 do texto internacional, ou seja, de a pessoa com deficiência se manter com um trabalho da sua livre escolha e aceito no mundo do trabalho, decorre dos princípios inerentes à dignidade da pessoa, a autonomia individual, a liberdade de fazer as próprias escolhas e a independência que se almeja alcançar por meio de um trabalho digno (as pessoas com deficiência afirmam que não querem trabalhar só para ocupar seu tempo, mas para produzir, mostrar sua eficiência e ser economicamente independente). Para a realização efetiva do direito ao trabalho é necessária a adoção de medidas apropriadas e a edição de legislação específica. Essas medidas e regras têm naturezas diversas que vão desde a proibição (não fazer), passando pela proteção de direitos, até a promoção de oportunidades, conforme os destaques que seguem. PROIBIR A DISCRIMINAÇÃO BASEADA NA DEFICIÊNCIA A CDPD proíbe a discriminação baseada na deficiência em todas as questões relacionadas às formas de emprego, inclusive quanto às condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho, no Artigo 27, item 1, alínea a: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho; A proibição da discriminação baseada na deficiência da alínea a, do item 1, do Artigo 27, abrange as diferentes etapas de uma possível relação de trabalho: os procedimentos de recrutamento; a admissão do trabalhador; as condições previstas no contrato de trabalho e correspondente remuneração; a permanência no emprego e promoção ou ascensão profissional; o ambiente de trabalho com condições seguras e salubres de trabalho. As práticas discriminatórias baseadas na deficiência também podem ocorrer no âmbito do regime jurídico de servidores públicos e no regime celetista dos empregados públicos com deficiência, cuja forma de ingresso aos cargos e empregos públicos se dá por meio do concurso público para o qual se impõe a acessibilidade no que diz respeito às provas, curso de formação, nomeação, estágio probatório e ascensão na carreira. Tendo em vista que o princípio norteador da CDPD é a proibição da discriminação baseada na deficiência (Artigo 5, item 2), no caso de existir discriminação baseada na deficiência, configurar-se-á violação direta à dignidade e valores inerentes da pessoa. Esse aspecto está mais claramente evidenciado no eixo dedicado Trabalho e Emprego, sendo que a adoção do princípio permite a possibilidade de identificação de práticas de discriminação por ação ou omissão, direta e indireta, especialmente quando se trata de admissão, contratação, remuneração, permanência no emprego e ascensão profissional do trabalhador. A forma direta de discriminação contém determinações e disposições gerais que estabelecem distinções fundamentadas em critérios proibidos e já definidos em lei, sendo de fácil caracterização quando, por exemplo, proíbe-se a entrada de uma pessoa em um clube por ser negra. A forma indireta de discriminação, por sua vez, está relacionada com situações, regulamentações ou práticas aparentemente neutras, mas que, na realidade, criam desigualdades em relação a pessoas que têm as mesmas características. Ela poderá ser imperceptível mesmo para quem está sendo discriminado, como nos casos de processos de seleção para empregos baseada não só no histórico profissional e de qualificação do candidato, mas, no seu desempenho em entrevista. É nesse momento que se revela o entrevistador preconceituoso ou que detém ideias pré-concebidas, que tem predisposição a respeito de alguém ou de algum grupo. O princípio da não discriminação baseada na deficiência adere ao já existente comando constitucional de proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (artigo 7º, inciso XXXI da Constituição da República). Ao mesmo tempo, convalida o vanguardismo das regras de proteção contra a discriminação de trabalhadores – aqui incluídos os trabalhadores com deficiência - que foram consolidando as leis relativas ao trabalho (a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT) e cujos direitos estão revelados no artigo 461 que trata da igual remuneração para trabalho de igual valor; no artigo 373-A que trata de vedações às práticas de discriminação em relação ao trabalho da mulher, como o acesso a cargos, promoções, remunerações, formação profissional e outros; no artigo 1º, da Lei nº 9.029/95 que veda a discriminação de acesso ao trabalho da mulher, e que foi recentemente alterado pela lei brasileira de inclusão nº 13.146/2015, para incluir expressamente a deficiência como motivo para proibir qualquer pratica discriminatória, além de permitir à pessoa discriminada optar por ser reintegrada no trabalho com o ressarcimento integral de todo o período de afastamento. A Lei nº 7.853/89, nos incisos II e III, do artigo 8º, traz previsão expressa de conduta de crime ao tipificar e punir com reclusão de dois a cinco anos de prisão quem, obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, e negar ou obstar emprego, trabalho ou promoção à pessoa, em razão de sua deficiência, respectivamente. Sendo que a pena por adoção de critérios subjetivos para o indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento do estágio probatório em concurso público não exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados, previsão essa introduzida pelo artigo 98 da LBI. Note-se que a última das proibições baseadas em deficiência é a condição relacionada no item 1, alínea a, do Artigo 27 da CDPD, correspondente ao meio ambiente de trabalho seguro e salubre. A proposição da norma internacional por condições seguras e salubres de trabalho indica uma única conclusão possível: a acessibilidade deverá estar implementada e somente não se configurará discriminação baseada na deficiência se o empregador cumprir com todas as regras de acessibilidade, acrescidas das costumeiras regras de segurança e medicina do trabalho. A nova concepção internacional, elegendo o ambiente como fator primordial para garantir a autonomia e independência do trabalhador com deficiência, está consentânea ao propósito do Artigo 1 que introduz o ambiente e suas barreiras como fator de limitações para a pessoa. O trabalho em condições seguras e salubres, que no Brasil compreende o meio ambiente do trabalho, é direito tutelado na Constituição da República e assegurado aos trabalhadores urbanos e rurais, inclusive aos servidores e empregados públicos conforme o artigo 39, parágrafo 3º, da Constituição da República, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. A norma constitucional também prevê a remuneração adicional para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e, seguro contra acidentes de trabalho (artigo 7º, incisos XXII, XXIII, XXVIII da Constituição da República). Constitui-se igualmente em direito fundamental à saúde, cuja proteção é da atribuição do Sistema Único de Saúde (SUS) na dicção do artigo 200, incisos II e VIII, da Constituição da República. Como se refere ao meio ambiente do trabalho, as condições regem-se pelas previsões dos artigos 154 a 200 da CLT, com mecanismos específicos de prevenção e deveres de empregadores e empregados. Ora, a existência de um ambiente de trabalho seguro e salubre para ser completo necessita ser acessível do ponto de vista arquitetônico e de eliminação de barreiras físicas e de atitudes. Portanto, impõe a implementação de regras específicas de acessibilidade. Para isso há comandos constitucionais que já tratam da acessibilidade no artigo 227, parágrafo 2º, repetido no artigo 244 da Constituição da República, conferindo à lei a disposição de normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir o acesso adequado às pessoas com deficiência. Referidas normas são as leis da acessibilidade (Leis nº 10.048/00 e 10.098), seu regulamento o Decreto nº 5.296/04 e as normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), todas aplicáveis às relações de trabalho e seu meio ambiente da mesma forma como todas as medidas acima referidas de proteção ao meio ambiente de trabalho da CLT (artigos 154 a 200 da CLT) e normas regulamentares decorrentes (Gugel, 2007, p.112). A LBI traz importantes ajustes às leis de acessibilidade quanto a conceitos e definições, fazendo-os valer para todos os ambientes de uso coletivo, compreendidos os ambientes de trabalho de qualquer natureza. Nesse contexto, e para tornar acessível todos os aspectos relacionados ao meio ambiente do trabalho, cabe ao administrador público e ao empregador implementarem medidas de acessibilidade arquitetônica interna e externa do local da empresa e do local de trabalho; de acessibilidade de comunicação a todas as pessoas com deficiência (física, sensorial (auditiva e visual), intelectual e mental) por meio de tecnologias assistivas, ajudas técnicas e apoios adequados a cada necessidade; de acessibilidade nos procedimentos, mecanismos e técnicas utilizadas para a realização das tarefas da função, assim como nos instrumentos e utensílios utilizados no trabalho e, de preparação de todo o corpo de servidores, empregados públicos e trabalhadores para a conscientização sobre a capacidade e contribuições das pessoas com deficiência de forma a eliminar estereótipos e preconceitos (Artigo 8, item 1, alíneas b e c da CDPD). Reporta-se ao quanto comentado no tópico PROPÓSITOS E DEFINIÇÕES no item relativo à “adaptação razoável” para afirmar que a definição (de adaptação razoável) se integra às leis e concepções de acessibilidade porque é com elas compatível, em razão de sua razoabilidade, sobretudo na relação modificação/ajuste e ônus decorrente e, por envolver o direito da pessoa com deficiência aos atributos de acessibilidade, o que está expressamente previsto no artigo 3º, inciso VI da LBI. PROTEGER E ASSEGURAR DIREITOS Para uma sociedade poder proteger e assegurar os direitos de seus cidadãos de forma eficaz há que estar constituída em estado democrático de direito, com fundamento na cidadania, na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho, entre outros, tal como prevê o artigo 1º da Constituição da República. Os órgãos de justiça (tribunais e juízes) e as instituições essenciais à justiça (ministério público, defensoria pública e advocacia) precisam estar solidamente organizados e preparados para assegurar o acesso de pessoas com deficiência à justiça. Nesse particular o Artigo 13 da CDPD, que trata do Acesso à Justiça, mais uma vez ressalta a igualdade de condições de pessoas com deficiência com as demais pessoas de maneira a alcançar o efetivo acesso à justiça e os serviços dela decorrentes. Impõem-se, nesse aspecto, as necessárias adaptações processuais sempre que em processos judiciais as pessoas com deficiência participem direta ou indiretamente, ou ainda como testemunhas, situação em que lhes serão assegurados todos os recursos de tecnologia assistiva (artigo 228, parágrafo 2º do Código Civil com as alterações da LBI.) A concepção de acesso à justiça abrange também os procedimentos de investigação de atribuição do Ministério Público e da Polícia. Igualmente os processos administrativos no âmbito da Administração Pública. As adaptações devem atender de forma adequada cada deficiência, idade, gênero ou condição. O pessoal de atendimento (servidores) dos órgãos e instituições deve passar por capacitação apropriada para assegurar e apoiar o acesso à justiça. Pois bem, a CDPD aponta a necessidade de se proteger e assegurar os direitos das pessoas com deficiência em relação aos contratos de trabalho e ambientes de trabalho, proporcionando: iguais oportunidades e igual remuneração; condições seguras, salubres e acessíveis; medidas legais de proteção contra assédio no trabalho e reparação de eventuais danos; efetivo exercício de todos os direitos trabalhistas e sindicais e, adaptação razoável nos locais de trabalho. É o que consta do Artigo 27, alíneas b, c e i da CDPD e correspondem às formas de proteger e assegurar direitos: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho; c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas; i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho; Reporta-se ao já comentado nos itens anteriores sobre iguais oportunidades e igual remuneração, condições seguras, salubres e acessíveis, o conceito de adaptação razoável nos locais de trabalho e, centra-se nas medidas de proteção contra o assédio. A norma constitucional prevê que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição da República). No âmbito das relações de trabalho, desde há muito, a Consolidação das Leis do Trabalho contém norma específica, que a jurisprudência trabalhista aplica à conduta de assédio moral (artigo 483 da CLT), com a possibilidade de rescisão do contrato de trabalho e respectiva indenização, se caracterizada a exigência de serviços superiores às forças do trabalhador ou proibidos em lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; se o trabalhador for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; se o empregador pratica ato lesivo à honra e boa fama, ofensa física ou reduz o trabalho de forma a afetar sensivelmente a remuneração do trabalhador. Quanto ao assédio sexual ou outros comportamentos baseados em sexo, podendo incluir comportamentos físicos, verbais ou não verbais, não desejados pela vítima que afetam a dignidade da mulher e do homem no trabalho, prevalecendo-se o empregador ou seu preposto da sua condição de superior hierárquico, cargo ou função, está tipificado como crime passível de pena de detenção de um a dois anos (artigo 216-A do Código Penal Brasileiro). A determinação da CDPD de assegurar o exercício dos direitos sindicais é esperada no contexto de uma convenção internacional que preza a liberdade de associação profissional ou sindical, devendo ser incluído o direito de greve e à negociação coletiva, como o faz o sistema brasileiro (artigos 8º, 9º, 7º, inciso XXVI da Constituição da República). Essas liberdades fundamentais propiciam a participação direta de todos os trabalhadores na determinação das condições de trabalho. Embora criticada porque em desarmonia com a Convenção nº 87/OIT, ainda não ratificada pelo Brasil, que trata da liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização, a legislação nacional dispõe sobre os direitos sindicais dos trabalhadores nos artigos 540-547, da CLT. Comprometida com os princípios de trabalho digno, a CDPD faz referência expressa no item 2 do Artigo 27, quanto à obrigação dos Estados Partes de assegurarem medidas contra o trabalho forçado e situações degradantes de trabalho da pessoa com deficiência: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 2. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência não serão mantidas em escravidão ou servidão e que serão protegidas, em igualdade de condições com as demais pessoas, contra o trabalho forçado ou compulsório. Embora se tente negar, o trabalho em situação análoga a de escravo continua presente na sociedade brasileira, com características por vezes similares às do final do século XIX. Não obstante isso, a ordem social no Brasil está definida na liberdade e dignidade da pessoa humana e tem a ordem econômica fundada em utilização de trabalho remunerado. Daí a constante preocupação com a criação de políticas públicas e programas eficazes para erradicação do trabalho escravo que se configura em infração penal (artigos 149, 131, Parágrafo Único, 203 e 207, do Código Penal). PROMOVER OPORTUNIDADES No que diz respeito à promoção de oportunidades às pessoas com deficiência, destacam-se: o acesso aos programas de orientação técnica e profissional, serviços de colocação no trabalho e treinamento profissional e continuado; apoio para a procura, obtenção, manutenção e retorno ao emprego; o trabalho autônomo, empreendedorismo, as cooperativas e negócio por conta própria, e a aquisição de experiência de trabalho. Nenhuma medida de promoção a direito ao trabalho pode ser realmente eficaz sem antes o Estado providenciar mecanismos estruturais de educação e preparação profissional para a pessoa com deficiência que possibilitem sua permanência no mundo do trabalho. E não é só isso, conforme a prática está a apontar, os serviços de colocação no trabalho devem avançar e estabelecer critérios para atender a pessoa com deficiência de forma apoiada, se necessário em vista do tipo e comprometimento da deficiência. É o que se constata na Convenção ao indicar no Artigo 27, alíneas d, e, e j: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado; e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego; j) Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho; Destaque particular para a previsão de formas outras de trabalho, além do contrato formal, que levam à emancipação econômica e pessoal da pessoa com deficiência. Tratam-se das oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo e cooperativas, indicadas na alínea f: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1.f) Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio; No Brasil ainda há pouca iniciativa e incentivo ao empreendedorismo por pessoas com deficiência, justificável pelo sintomático longo período de exclusão e participação nas decisões sobre si próprias. No entanto, vicejam aqui e ali, ações para o desenvolvimento de cooperativas. A legislação brasileira, nesse ponto é favorável (Leis nº 5.764/71 e 9.867/99), porém, pouco explorada. Por fim, a CDPD determina a edição de regras para a promoção do direito daqueles que adquiriram uma deficiência em decorrência do trabalho e, a adoção de medidas claras para a reabilitação profissional permitindo o retorno ao trabalho e a manutenção do emprego: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 27. Trabalho e emprego 1. [...] Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros: [...] k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência. A preocupação tem fundamento no fenômeno sempre crescente (evitável, se o ambiente de trabalho é seguro e saudável!) de doenças profissionais e de acidentes de trabalho. No Brasil é garantida a cobertura de eventos de doença ou acidente decorrentes da atividade laborativa (Gugel, 2007, p. 85), conforme a previsão inserida na Constituição da República, artigo 201, I e, na Lei nº 8.213/1991, artigos 89-92, que dispõem sobre a habilitação e reabilitação profissional, atendendo, embora sem o efeito desejado, os serviços de reeducação e readaptação profissional. SEGUNDA PARTE QUEM É A PESSOA COM DEFICIÊNCIA CAPÍTULO II A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA NO TEMPO E NA SOCIEDADE, CONSTITUIÇÕES, LEIS E DECRETOS E DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS Em vista do forte preconceito sobre as potencialidades das pessoas com deficiência, sempre há dúvidas quanto à forma de se referir a elas, sem causar constrangimentos mútuos. Sabe-se que o bom uso das palavras reflete os avanços de uma sociedade, a mudança de seus hábitos e a ruptura com os preconceitos. Lembre-se que o termo, a palavra, carregam significados variados e quando mal empregados acabam por confundir a mente e a pratica, levando a entendimentos distorcidos e práticas não desejadas. Assim e decorrente de múltiplos fóruns de discussão junto aos movimentos sociais de pessoas com deficiência, propõe-se a utilização de designações como pessoa com deficiência, pessoa que tem deficiência física, auditiva (pessoa surda), visual (pessoa cega), mental (Manual da Mídia Legal, 2003) ou intelectual. Ao se fazer referência à lei e seu âmbito de aplicação, até 2009, podiam ser considerados o termos utilizados na Constituição da República de pessoa portadora de deficiência (artigos 23, inciso II; 24, inciso XIV; 37, inciso VIII; 203, inciso IV); portador de deficiência (artigo 7º, inciso XXXI; 208, inciso III) ou portador de deficiência física, sensorial ou mental (artigo 227, inciso II). Com o advento da CDPD, em 2009, não há mais dúvida que o melhor termo a ser utilizado é pessoa com deficiência, na forma do Artigo 1. Portanto, não mais deve ser repercutida a antiga proposta de utilização da sigla “Pode” (portadoras de direitos especiais) proposta pela Missão Urbana e Rural, em 2001, ou qualquer outra designação como pessoa com (ou portadora de) necessidades especiais. Esse último termo é próprio para a área da educação, introduzida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que designa não só as pessoas com deficiência, mas também as pessoas superdotadas, obesas, idosas, autistas, pessoas com distúrbios de atenção, emocionais e outras. Alerta-se, por fim, para a impropriedade do uso de siglas como PPD (pessoa portadora de deficiência), SD (pessoa com síndrome de down), DM (deficiência mental), PCD (pessoa com deficiência). Siglas devem se restringir às marcas e logomarcas, tão bem utilizadas como recurso de comunicação e propaganda, e não para designar pessoas com reconhecida capacidade legal. Ao longo do tempo termos como aleijado, inválido, incapacitado, defeituoso, desvalido (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934), excepcional (Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 e Emenda Constitucional nº 1 de 1969), pessoa deficiente (Emenda Constitucional nº 12/1978) e pessoa portadora de deficiência (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) foram usados para designar a pessoa com deficiência. Até mesmo as previsões constitucionais continham em sua essência o preconceito de que se tratavam de pessoas sem qualquer valor, socialmente inúteis e dispensáveis do cotidiano social e produtivo. A principal preocupação do Estado, refletida na consciência da sociedade, era o amparo por comiseração e a assistência como proteção das pessoas com deficiência, reunidas em grupos de iguais, apartados do contexto comum e institucionalizados. Essas terminologias foram sendo alteradas por exigência e pressão constante dos grupos e movimentos sociais. As informações mais remotas sobre pessoas com deficiência estão contidas, de forma esparsa, na “literatura grega e romana, na Bíblia, no Talmud e no Corão” (Aranha, 2001, p. 160). Sabe-se que em Esparta as pessoas nascidas com qualquer deficiência eram eliminadas. Os romanos abandonavam suas crianças deformadas e seus filhos excedentes. Antes, na Grécia de Platão (República) e de Aristóteles (Política), tratava-se da composição e do planejamento das cidades, indicando os disformes como objetos de exposição: A República. Livro IV, 460 c. Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém. (Pereira, 1996, p. 228). Política. Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b. Quanto a rejeitar ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver um dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que comecem as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será definida pelo critério de haver ou não sensação e vida). (Kury, 1988, p. 261). Com o surgimento do cristianismo, embora se passe a considerar as pessoas com deficiência como filhos de Deus, o tratamento concedido caminhava da prestação de caridade ao extermínio para expurgar-lhes dos pecados. A Revolução Francesa, no século XVIII, trouxe mudança de ótica da sociedade, passou-se a encarar a deficiência do ponto de vista alquímico, portanto tratável. É dessa época o surgimento de hospitais psiquiátricos, confinamentos em asilos e conventos. Os séculos XVII e XVIII trouxeram avanços no campo do conhecimento filosófico, médico e educacional, ocupando-se principalmente com as necessidades de preparação da mão-de-obra para a produção de materiais para a produção de alimentos e bens. Surgem as primeiras iniciativas de ensino de comunicação para pessoas surdas; a estruturação do alfabeto manual ou alfabeto datilológico, atribuído a alguns monges da Idade Média que fizeram o voto de silêncio, para pessoas surdocegas; as instituições para cuidar e tratar de pessoas com deficiência mental; Louis Braille cria o código Braile para as pessoas cegas. Desenvolvem-se os inventos de ajuda tais como, cadeiras de rodas, bengalas, muletas, próteses, dentre outros instrumentos de apoio. No século XX os períodos após as duas Grandes Guerras e Guerra do Vietnã são tidos como sendo de grande evolução para os procedimentos médicos de reabilitação dos mutilados e sua integração social (Gugel, 2011). AS CONSTITUIÇÕES E AS NORMAS INTERNACIONAIS Relativamente às Constituições, aquelas anteriores a 1934 não traziam qualquer previsão em relação às pessoas com deficiência. No Brasil Imperial, por insistência do Imperador Dom Pedro II (1840-1889), acompanhava-se o movimento europeu e era criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (atualmente Instituto Benjamin Constant), por meio do Decreto Imperial nº 1.428, de 12 de setembro de 1854. Três anos depois, em 26 de setembro de 1857, o Imperador, apoiando as iniciativas do Professor francês Hernest Huet, fundou o Imperial Instituto de Surdos Mudos (atualmente Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES) que passou a atender pessoas surdas de todo o país, a maioria abandonada pelas famílias. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, além de consagrar a ordem social no Brasil, previa, de forma contida, tratamento especial aos “desvalidos” incumbindo à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos de leis respectivas, assegurar o amparo, criar serviços especializados e coordenar os serviços sociais destinados às pessoas “desvalidas”. O fundamento para tal previsão era o amparo e a assistência: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar; b) estimular a educação eugênica; c) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. Seguiram-se repetidas ausência de previsão de direitos para as pessoas com deficiência nas Constituições dos Estados Unidos do Brasil de 1937, de 1946 e na originária de 1967. A inovação surge com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de1969, ao consignar, em meio a maternidade, infância e adolescência, a proteção específica às pessoas com deficiência, designadas como “excepcionais”. A norma constitucional de tratamento à família, pontuou-se de forma contida em meio à educação para futura lei especial: Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 1, de 17.10.1969 Art. 175 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos poderes públicos. [...] § 4º - Lei especial sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais. No início dos anos 70 a sociedade mundial se reordenou junto à ONU e proclamou a Declaração dos Deficientes Mentais. Foi um passo importante para o começo do processo de alteração da ótica de exclusão da pessoa com deficiência mental (atual designação de deficiência intelectual relacionada ao déficit cognitivo), aproximando-a dos demais seres humanos. O documento referia-se, por exemplo, sobre a necessidade de serem criadas salvaguardas jurídicas para a proteção das pessoas com deficiência intelectual contra abusos: Declaração dos Deficientes Mentais. Resolução da ONU n° 2.856, 1971 ... se alguns deficientes mentais não são capazes, devido à gravidade de suas limitações, de exercer efetivamente todos os seus direitos, ou se tornar necessário limitar ou até suspender tais direitos, o processo empregado para esses fins deverá incluir salvaguardas jurídicas que protejam o deficiente contra qualquer abuso. Esse procedimento deverá basear-se numa avaliação da capacidade social do deficiente por peritos qualificados. Mesmo assim, tal limitação ou suspensão ficará sujeita a revisões periódicas e reconhecerá o direito de apelação às autoridades superiores. Em 9 de setembro de 1975 a Assembleia Geral das Nações Unidas, com o objetivo de promover níveis de vida mais elevados, trabalho permanente para todos, condições de progresso, desenvolvimento econômico e social, elaborou a Declaração dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiências (Resolução da ONU nº 30/84, de 1975) introduzindo o termo “pessoa portadora de deficiência” para identificar a pessoa que, devido ao seu déficit físico ou mental, não está em pleno gozo da capacidade de satisfazer, por si mesmo, de forma total ou parcial, suas necessidades vitais e sociais, como faria um ser humano normal. No Brasil, a Emenda Constitucional nº 12 de 1978, chamada de Emenda Thales Ramalho, assegurou aos 28 milhões de “deficientes” da época segundo o IBGE, a melhoria da condição econômica e social, mediante educação especial, assistência, reabilitação. A justificativa, segundo os anais do processo legislativo da Emenda Constitucional nº 12 de 1978, apresentada pelo relator era a de promover as pessoas com deficiência até então reconhecidas “como peso morto para a sociedade e para o Estado”. Referidas justificativas podem ser lidas em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/181299/000393135.pdf?sequence=3 , acesso em 21/12/2018. Consignou-se na referida Emenda expressa proibição de discriminação no acesso ao trabalho e salários, além de possibilitar o acesso a edifícios e logradouros públicos: Emenda Constitucional nº 12, de 17 de outubro de 1978 Artigo Único - É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I- educação especial e gratuita; II- assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III- proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço e a salários; IV- possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos. No ano de 1980 a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou a primeira versão da Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades (CIDID). A OMS demonstrou nesse documento que as três possibilidades de impedimento, deficiência e incapacidade existem simultaneamente em cada pessoa com deficiência, e esclareceu que tais restrições não retiram o valor das pessoas, o poder de tomar decisões, de assumir o controle de sua vida e de ter responsabilidades. Um ano antes a ONU proclamava o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Deficientes (Resolução da ONU, nº 34/154, de 1979), adotando como tema principal a participação plena e a igualdade das pessoas com deficiência. Possibilitou com isso o crescimento e o fortalecimento dos movimentos sociais das pessoas com de deficiência em todo o mundo que passaram a reivindicar a igualdade de oportunidades. No ano seguinte, em 1982, a ONU aprovou o Programa de Ação Mundial para as Pessoas Com Deficiência (Resolução da ONU nº 37/52, World Programme of Action Concerning Disabled Persons) com o objetivo de promover, por meio de medidas eficazes, a prevenção da deficiência e a reabilitação. Quanto a alcançar a igualdade e a participação na vida social e no desenvolvimento, atribuiu ao meio o fator determinante para uma pessoa alcançá-los. Ao mesmo tempo, indicava as diretrizes a serem seguidas para a plena realização dos aspectos fundamentais da vida, inclusive da vida familiar, da educação, do trabalho, da habitação, da segurança econômica e pessoal, da participação em grupos sociais e políticos, das atividades religiosas, dos relacionamentos afetivos e sexuais, do acesso às instalações públicas, da liberdade de movimentação e do estilo geral da vida diária. Para a execução do Programa de Ação Mundial, aprovou o decênio de 1982 a 1992 como a Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência (Resolução da ONU nº 37/53, United Nations Decade of Disabled Persons). Em 1983, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotou a Convenção nº 159, concernente a Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, ratificada pelo Brasil e publicada no Decreto Legislativo nº 129, de 22 de maio de 1991, considerando que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa com deficiência obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, o que garantirá a sua integração ou a reintegração na sociedade por meio do trabalho. O contexto nacional com a Emenda Constitucional nº 12/1978 e as proposições internacionais da ONU e OIT deram o impulso necessário para tornar conhecido o movimento de pessoas com deficiência, especialmente entre os anos de 1986 e 1987, por ocasião do ciclo de encontros “A Constituinte e os Portadores de Deficiência”, realizados pelo Ministério da Cultura em diferentes capitais do Brasil. A partir das discussões havidas nos fóruns pré-constituinte, o movimento de pessoas com deficiência se fez presente na Assembleia Nacional Constituinte. A principal reivindicação era por autonomia e iguais direitos, o que só se efetivou após a apresentação da Emenda Popular nº PE00086-5. O documento foi construído em reuniões de entidades nacionais, conselhos e coordenadorias de pessoa com deficiência e continha 14 artigos sobre igualdade de direitos, discriminação, acessibilidade, trabalho, prevenção de deficiências, habilitação e reabilitação, direito à informação, educação básica e profissionalizante. Cunhou-se a designação constitucional “pessoa portadora de deficiência”. A Constituição da República de 1988, rompeu com antigos modelos e ampliou o leque de previsão de direitos sociais como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e, assistência aos desamparados (artigo 6o), compreendidos como fatores de inclusão social e de pleno exercício da cidadania. No tópico reservado aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (artigo 7º inciso XXXI). A ordem é não discriminar de forma que a substância material do princípio da igualdade seja preservada. Além da previsão de reserva de cargos (artigo 37 inciso VIII), há o tratamento diferenciado para pessoas com deficiência como elemento indispensável para tornar efetivo o acesso aos direitos previstos constitucionalmente de: a) habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência com a necessária promoção de sua integração à vida comunitária e integração ao mercado de trabalho, independentemente de contribuição à seguridade social (artigo 203 inciso IV); b) salário mínimo de benefício mensal àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (artigo 203 inciso V); c) atendimento educacional especializado às crianças e aos adolescentes, preferencialmente na rede regular de ensino (artigo 208 inciso III); d) proteção à criança e ao adolescente com deficiência, com a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas com deficiência física, sensorial intelectual ou mental, bem como de integração social do adolescente com deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (artigo 227, parágrafo 1º, inciso II); e) adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo de maneira a garantir o acesso adequado dos adolescentes e pessoas com deficiência (artigos 227, parágrafo 2º e 244). Na nova ordem constitucional há uma preocupação para com a pessoa com deficiência presente no concurso dos poderes e traduzida na competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para legislar sobre os cuidados da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência (artigo 23 inciso II). E, concorrentemente, a União, os Estados e o Distrito Federal sobre a proteção e integração das pessoas com deficiência (artigo 24 inciso XIV), previsão essa de grande magnitude, pois permite ao legislador estadual, na ausência de normas gerais de competência da União, legislar de forma plena para atender as peculiaridades locais (artigo 24, parágrafos 1º e 3º), podendo expedir as normas gerais faltantes limitadas ao âmbito de seu território. Aos Municípios também cabe legislar sobre a integração da pessoa com deficiência, de forma a suplementar às legislações federal e estadual (artigo 30, inciso II), tendo o cuidado de não ferir os comandos constitucionais já identificados. Observa-se o claro objetivo da regra constitucional: promover a inclusão da pessoa com deficiência por meio da ação comum de vários entes políticos e, com isso, rapidamente fornecer-lhe os meios que contrabalancem as desvantagens encontradas no ambiente em que vive, que pode ter natureza educacional, de saúde, de trabalho, de acessibilidade urbana, de edifícios e transporte púbicos, de lazer, de esporte, de moradia, entre outros de ordem social. Amparando-se nessa visão constitucional de que a pessoa com deficiência é detentora de direitos, seguiu-se a edição de leis importantes e seus respectivos regulamentos que visam a proporcionar efetividade ao direito igualdade de oportunidades. Citam-se algumas das mais importantes: Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989 sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, criação da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE e tutela jurisdicional de interesses coletivos e difusos a cargo do Ministério Público, definição de crimes e outras providências. A lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3.298/1999 que propiciou avanços em todas as áreas de defesa dos direitos das pessoas com deficiência; Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais e a instituição da reserva de cargos em até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso público; Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e a instituição de reserva de cargos em empresas com cem ou mais empregados; Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 sobre a organização da Assistência Social e a instituição do benefício da prestação continuada, no valor de um salário mínimo, às pessoas com deficiência sem meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família; Lei nºº 9.045, de 18 de maio de 1995 sobre a obrigatoriedade de reprodução pelas editoras de todo o País, em regime de proporcionalidade, de obras em Braille, além de permitir a reprodução, sem finalidade lucrativa, de obras já divulgadas para uso exclusivo de cegos; Lei nº 9.394, de 10 de dezembro de 1996 sobre as diretrizes e bases da educação nacional assegurando a educação especial para pessoas com deficiência, incluída a educação especial para o trabalho; Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000 sobre o atendimento prioritário às pessoas com deficiência e Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, sobre a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, regulamentadas no Decreto nº 5.296/2004; Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001 sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e o modelo assistencial em saúde mental; e, atualmente, a LBI, Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 edificada com base em novo comando constitucional propiciado pelo advento da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), cuja abordagem segue em item específico à frente. Percebe-se claramente que a sociedade mundial persistiu em evoluir para alcançar a efetividade de direitos, sendo a década 1990-2000 a mais proveitosa relativamente às normas da ONU que insistiram na acessibilidade e na igualdade de oportunidades em todas as áreas da vida (educação, emprego, renda, seguro social, vida familiar e integridade pessoal, cultura, lazer, esporte, pesquisa tecnológica, políticas de planejamento, legislação e políticas econômicas). É o exemplo das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas Portadoras de Deficiência (Resolução da ONU nº 48/96, de 1993). Referidas normas apoiaram-se em importantes declarações internacionais, que estão anexadas, as quais revelam a ação do movimento internacional de direitos das pessoas com deficiência sempre conclamando governos e a sociedade mundial a construir uma sociedade sem qualquer preconceito, uma sociedade inclusiva para todos e, que servem de parâmetros para a evolução das legislações que indicam os direitos, os conceitos e as atitudes em relação às pessoas com deficiência. São elas a Declaração de Salamanca sobre educação para todos; Carta para o Terceiro Milênio da Reabilitação Internacional; a Declaração de Washington sobre vida independente; a Declaração de Montreal sobre desenho inclusivo; a Declaração de Madri sobre políticas públicas específicas que respeitem a diversidade; a Declaração de Sapporo sobre paz e direitos humanos; a Declaração de Caracas com a criação da rede ibero-americana de organizações não governamentais de pessoas com deficiência. AS DECLARAÇÕES INTERNACIONAIS Declaração de Salamanca, de junho de 1994. Compromete-se com a educação para todos e reconhece a necessidade e a urgência de providenciar a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino. Recomenda aos governos e organizações que preservem o direito fundamental à educação de toda criança, devendo-lhe ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, resguardadas as suas características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem. Afirma que as escolas regulares que possuam orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias, criando comunidades acolhedoras e construindo uma sociedade inclusiva. Carta para o Terceiro Milênio da Reabilitação Internacional, de 9 de setembro de 1999. Além de propor a criação de políticas que respeitem a dignidade das pessoas com deficiência, exige que programas internacionais de assistência ao desenvolvimento econômico e social contenham padrões mínimos de acessibilidade em todos os projetos de infraestrutura, inclusive de tecnologia e comunicações, a fim de assegurarem que as pessoas com deficiência sejam plenamente incluídas na vida de suas comunidades. Declaração de Washington, de 25 de setembro de 1999. Compromete-se a promover uma ampla divulgação da legislação sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e incentivar políticas públicas voltadas ao fomento da Vida Independente, por meio da educação inclusiva, comunicação, moradia acessível e disponível, transporte, cuidados com saúde, meio ambiente sem barreiras e tecnologia assistida em cada país. Declaração de Montreal, de 5 de junho de 2001. Apela aos governos, empregadores e trabalhadores bem como à sociedade civil para que se comprometam e desenvolvam o desenho inclusivo em todos os ambientes, produtos e serviços, pois aumenta a eficiência, reduz a sobreposição, resulta em economia financeira e contribui para o desenvolvimento do capital cultural, econômico e social. Declaração de Madri, de 23 de março de 2002. Declara que as pessoas com deficiência constituem um grupo diverso a exigir políticas que respeitam esta diversidade. Propõe que os direitos focalizem a família, as mulheres com deficiência, o emprego, os empregadores, os sindicatos, as organizações de pessoas com deficiência, a mídia, o sistema educacional e esclarece que a não discriminação e a ação afirmativa resultam em inclusão social. Declaração de Sapporo, de 18 de outubro de 2002. Além de temas como paz, direitos humanos, diversidade, bioética, insta os governos a tratar de educação inclusiva, desenvolvimento, conscientização do público, conhecimento e poder social. Declaração de Caracas, de 18 de outubro de 2002. Constitui a rede ibero-americana de organizações não governamentais de pessoas com deficiência e suas famílias como uma instância de promoção, organização e coordenação de ações em defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias. O DECRETO N° 3.298/1999 X CONVENÇÃO DA GUATEMALA A definição e a caracterização da deficiência introduzida pelo artigo 3º, do Decreto nº 3.298/1999 que regulamentou a Lei nº 7.853/1989, contém a ótica da Classificação Internacional de Impedimentos, Deficiências e Incapacidades (CIDID), editada pela OMS em 1989 com os três elementos pilares da definição de pessoa com deficiência, ou seja, a deficiência, a incapacidade e o impedimento. A deficiência transitória ou permanente deve ser entendida como sendo a perda ou anormalidade de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica; a incapacidade é a restrição que resulta da deficiência, isto é, que impede ou limita a locomoção, a comunicação, o ouvir, o ver; o impedimento é a situação de desvantagem em que fica a pessoa que tem deficiência em decorrência de condições desfavoráveis dos ambientes externos. Significava que os limites impostos pela incapacidade poderiam se cristalizar na pessoa com deficiência se persistisse a situação de desvantagem e se as condições desfavoráveis dos ambientes externos não fossem modificadas, adaptadas ou atenuadas. Essa concepção internacionalmente reconhecida de deficiência foi mal compreendida, interpretada e aplicada pelo Poder Executivo ao regulamentar a definição de pessoa com deficiência, assim também pelos intérpretes e aplicadores das leis nacionais, pois fazem associações equivocadas de deficiência à doença e à incapacidade para o trabalho e para a vida independente sem se preocupar com a melhoria dos ambientes, conforme esclarecimentos feitos para a Revista Nacional de Reabilitação, Ano VII, nº 39, julho/agosto/2004, p. 50: [...] a lei cria um paradoxo ao referendar as pessoas portadoras de deficiência incapazes para a vida independente e para o trabalho, impedindo-as de optar pela via do emprego. É comum ouvirmos a seguinte frase: “imagine se eu vou deixar o benefício da prestação continuada para aceitar um emprego nesse mercado de trabalho incerto”. Dados do Ministério de Desenvolvimento Social de dezembro/2003 informam que há 1.701.240 pessoas recebendo o benefício da prestação continuada, sendo 61% (sessenta e um) desse total constituído de pessoas portadoras de deficiência. É certo que o benefício assistencial (ou benefício da prestação continuada) é um direito constitucionalmente (203, V) garantido a idosos e pessoas portadoras de deficiência, que preencham as seguintes condições: comprovem não possuir meios de prover à própria subsistência; comprovem não possuir meios de ter sua subsistência provida por sua família, conforme dispuser a lei. Referida lei é a 8.742/93 que no artigo 20, § 2º, ao invés de definir o que é a ausência de meios de subsistência para se saber quem são as pessoas com deficiência que fazem jus ao beneficio, define o termo pessoa portadora de deficiência como sendo aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho. Essa definição é diametralmente oposta àquela do movimento mundial pela inclusão da pessoa que tem deficiência, tão bem exposta no Programa de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência aprovado pelas Nações Unidas, em 3 de dezembro de 1982, incorporado pela Constituição de 1988, e que busca na igualdade de oportunidade a valorização máxima do ser humano, ressaltando os potenciais e as capacidades da pessoa com deficiência. Nossa Constituição estabeleceu este beneficio para a pessoa com deficiência e não para a pessoa incapaz. Essas duas terminologias não são sinônimas e não devem ser associadas, sob pena de não estimular a preparação dessas pessoas para a vida independente. O termo meios de subsistência indica bens pecuniários, recursos, haveres. Portanto, a pessoa portadora de deficiência a ser beneficiada é aquela que não tem acesso a qualquer fonte de renda, seja por suas limitações pessoais (analfabeta, sem qualificação profissional, por exemplo) ou pelas limitações do ambiente externo (pessoa com deficiência física que mora em local sem qualquer acesso, sem transporte coletivo adaptado). Portanto, para a concessão do benefício bastaria verificar se a deficiência encaixa-se na definição legal do artigo 4º, do Decreto 3.298/99. Uma vez constatada a deficiência, passar-se-ia à verificação das condições pessoais e das condições do ambiente externo que estariam levando a pessoa a não ter acesso a qualquer outra fonte de renda. Na prática, para conseguirem o benefício, as pessoas afirmam que não são capazes para qualquer atividade da vida diária, recusam emprego ou não o querem com registro em CTPS, pois podem perder o benefício assistencial. Com isso, o INSS deixa de ter um segurado, colabora para a estatística de mais um trabalhador na informalidade, não arrecada os encargos sociais aos cofres públicos [...]. O Decreto nº 3.298/1999 passou a considerar a deficiência como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano (artigo 3º, inciso I). Por deficiência permanente, entende como sendo aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir a recuperação ou a alteração, apesar de novos tratamentos (artigo 3º, inciso II). O termo incapacidade também é considerado pelo regulamento como sendo uma redução efetiva da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência pudesse receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida (artigo 3º, inciso III). A definição do Decreto nº 3.298/1999 ampara-se no princípio da normalização do indivíduo que, a partir da década de 60, deu apoio ao movimento de crítica e que levou a sociedade a retirar as pessoas com deficiência das instituições onde eram mantidas segregadas. O objetivo do paradigma da normalização é encontrar a fórmula adequada de ajudar as pessoas com deficiência a obter uma existência tão próxima ao normal possível, a elas disponibilizando padrões e condições de vida cotidianas próximas às normas e padrões da sociedade (Aranha, 2001, p. 160-173). A concepção de normalidade da pessoa, ainda que considerada um avanço, não reflete o reconhecimento de que a pessoa com deficiência é sujeito de direitos e, portanto, deve gozar das mesmas, e todas, oportunidades disponíveis na sociedade, independentemente do tipo ou grau de sua deficiência. É necessário construir um novo conceito que se afaste em definitivo do conceito de doença e de incapacidade para a vida independente. Seguindo nessa nova diretriz, o Decreto nº 3.956, de 8/10/2001 que promulga a Convenção da Guatemala ou a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, assim define deficiência: uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. É esta a definição de deficiência válida e que, entende-se, revogou aquelas relativas à deficiência, deficiência permanente e incapacidade do artigo 3º, do Decreto nº 3.298/1999. A Convenção da Guatemala reforça a ideia de que a deficiência física, mental ou sensorial decorre das restrições geradas pelas limitações que poderiam, ou não, ser agravadas pelo ambiente externo. É certo que se o ambiente externo (pessoas reunidas em comunidades, a arquitetura urbana e as calçadas, o transporte coletivo, as ferramentas de apoio para o trabalho, entre outros elementos) for favorável, estiver adaptado e pronto para receber, interagindo positivamente com a pessoa com deficiência, as limitações funcionais serão superadas. Sob qualquer ângulo de análise, o que não se permite ao intérprete das normas em vigor é a associação da deficiência com incapacidade, principalmente para o trabalho e para a vida independente. Ora, a definição de pessoa com deficiência, avaliada no contexto da Convenção da Guatemala de 2011, valoriza a condição da pessoa, elevando-a a sujeito de direitos, determinando que se elimine toda e qualquer forma de discriminação e que se promova a vida independente, a autossuficiência e a sua total integração, em efetivas condições de igualdade, portanto, mais em sintonia com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), conforme se analisa adiante. Não obstante isso, as deficiências consideradas para todos os efeitos legais são as reproduzidas no artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, expressamente alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296/04, tendo-se claro que o rol ali contido é exemplificativo. Nesse mesmo sentido, o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), por ocasião da 49ª Reunião Plenária realizada em 7 e 8 de novembro de 2006, decidiu, ao responder consulta sobre pessoa com fissura labiopalatina e o conceito de deficiência. Nessa mesma assentada o Conade entendeu que o Decreto nº 5.296/2004 é exemplificativo ao indicar quais as deficiências devem ser consideradas, permitindo interpretação favorável por aplicação da Convenção da Guatemala (Decreto nº 3.956/2001), podendo ser comprovada por laudo médico se estiver incursa no conceito de membros com deformidade congênita ou adquirida, do artigo 5º, parágrafo 1º, alínea a do Decreto nº 5.296/2004. O modelo médico baseado na CDID impôs a identificação do grupo de pessoas que devido à espécie ou gravidade dos limites da capacidade. Assim, o ponto fundamental para identificar o destinatário da norma e o tratamento legal a ser concedido, é compreender a caracterização da deficiência que o Decreto nº 3.298/1999 enquadra como categoria, visando a identificar os diferentes tipos deficiência, delimitando-a segundo os graus de comprometimentos das funções e suas respectivas áreas. A conceituação da deficiência é, e sempre foi fundamental no âmbito do concurso público na medida em que previne enquadramentos equivocados, declarados pelo próprio candidato e/ou pela equipe multidisciplinar. Essa individualização do candidato com deficiência é indispensável para não gerar desigualdade entre todos os candidatos que participam do certame público, principalmente no que se refere à acessibilidade das provas. Exemplo que deixa mais claro o argumento é o caso de fornecimento de tratamento diferenciado e de tecnologia assistiva para os candidatos com deficiência visual que, segundo o grau de comprometimento, exige adaptações próprias para um que tenha visão monocular, outro que tenha baixa visão e um terceiro que seja cego. Com isso, procura-se afastar as indevidas habilitações às vagas reservadas como um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça: Superior Tribunal de Justiça. Recurso em mandado de segurança 16.431/RJ/2003/0086957-9, Relator Ministro Gilson Dipp, de 02/setembro/2003. [...] a deficiência apresentada pelo recorrente (ausência de falange distal do segundo dedo da mão direita, o indicador) não o habilita a concorrer às vagas reservadas aos deficientes físicos, a Administração Pública tão somente cancelou a sua convocação para a última fase do processo seletivo, qual seja, o estágio experimental e determinou o retorno do mesmo à classificação de origem [...]. De acordo com o artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que regulamentou as leis de acessibilidade (Leis nº 10.048/2000 e 10.098/2000), as categorias de deficiências consistem em deficiência física, sensorial (auditiva e visual), mental e múltipla: a) Deficiência Física - Na forma do artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, trata-se de uma alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membros, paralisia cerebral (AVC), nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, excepcionadas as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. O comprometimento da função física apresenta-se sob as formas de (Manual de Procedimentos, 2002, p. 21-22): Paraplegia – perda total das funções motoras dos membros inferiores. Paraparesia – perda parcial das funções motoras dos membros inferiores. Monoplegia - perda total das funções motoras de um só membro inferior ou superior. Monoparesia - perda parcial das funções motoras de um só membro inferior ou superior. Tetraplegia - perda total das funções motoras dos membros inferiores e superiores. Tetraparesia - perda parcial das funções motoras dos membros inferiores e superiores. Triplegia - perda total das funções motoras em três membros. Triparesia - perda parcial das funções motoras em três membros. Hemiplegia - perda total das funções motoras de um hemisfério do corpo. Hemiparesia - perda parcial das funções motoras de um hemisfério do corpo. Amputação - perda total ou parcial de um determinado membro ou segmento de membro. Paralisia Cerebral - lesão de uma ou mais áreas do sistema nervoso central, tendo como consequência alterações psicomotoras, podendo ou não causar deficiência mental. Ao incluir a ostomia no conceito de deficiência física, o Brasil torna-se o primeiro país no mundo a reconhecer legalmente a condição de deficiência física à pessoa com ostomia. A pessoa com ostomia é aquela submetida à intervenção cirúrgica objetivando a criação de ostoma na parede abdominal para adaptação de bolsa de fezes e urina, proporcionando um novo caminho para suas saídas. Por analogia, foi enquadrado na conceituação de deficiência física, uma vez que há comprometimento de função. As bolsas coletoras utilizadas por pessoas com ostomia são consideradas ajudas técnicas, ou seja, são elementos que permitem compensar uma limitação funcional de maneira a permitir às pessoas a superação de barreiras de mobilidade e possibilitar sua inclusão social (artigo 19, inciso IX do Decreto nº 3.298/1999). A Associação Brasileira de Ostomia reconhece a incontinência como uma incapacidade, o que significa que qualquer pessoa com ostomia é, por definição, incontinente e, portanto, pode ser reconhecido como pessoa com deficiência, sendo útil esclarecer que ter uma ostomia significa estar incontinente higienicamente, necessitando da ajuda técnica da bolsa coletora (www.abraso.org.br). Oportuno também é o reconhecimento do nanismo no conceito de deficiência física. Às pessoas com nanismo deve existir tratamento diferenciado em relação aos ambientes de trabalho, bem como acessibilidade aos ambientes e espaços de uso pessoal e coletivo. As normas técnicas brasileiras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBR 9050 : 2015, ao apontar as dimensões de espaço, de equipamento e mobiliário urbano, a partir de parâmetros antropométricos de uma pessoa em cadeira de rodas, definem os limites de alcance manual e visual, bem como de acessos para que se procedam as condições adequadas de acessibilidade. Ora, abaixo desses limites definidos como necessários às adaptações e mensurados em 1,45, encontram-se as pessoas com nanismo, daí uma das justificativas para tal reconhecimento. A deficiência física, além do conceito regulamentado no Decreto nº 5.296/2004, tem parte de seu conteúdo definido na Lei nº 10.960/2003, que dispõe sobre isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados na aquisição de automóveis para utilização de pessoas com deficiência física, visual, auditiva, mental profunda e autista. A Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE), que precedeu a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD), promoveu reunião técnica de especialistas de diversas áreas e concluiu que a pessoa com fissura labiopalatina também deve ser considerada pessoa com deficiência, pois está incursa no conceito de “membros com deformidade congênita ou adquirida” (artigo 5º, parágrafo 1º, letra a do Decreto nº 5.296/2004). O acerto da conclusão justifica-se eis que se trata de uma das deformidades congênitas mais frequentes nos seres humanos. Os aspectos ortodônticos, ortopédicos e fonoaudiológicos relacionados a pessoas com fissuras labiopalatinas são conceituadas como alterações faciais de origem embriológica, resultantes da falta de fusão dos processos nasais mediais entre si, e destes com os processos maxilares. As fissuras são classificadas segundo Gomes e Melega (1997, p. 61-72) em: Fissura Labial Unilateral: várias são as formas possíveis de acometimento da fissura labial unilateral, considerando-se desde as alterações menores sobre o lábio, tais como um simples entalhe sobre o vermelhão, até o acometimento de todo o lábio, podendo ter ainda, associação da deformidade do lábio com o assoalho da narina, com ou sem alteração do arco alveolar. Fissura Labial Bilateral: apresentam como característica alterações anatômicas importantes, principalmente quando associadas às fissuras palatinas, onde a de gravidade maior fica por conta da ausência de certos elementos bilaterais como a ausência do cinturão muscular do lábio cuja pré-maxila projeta-se muitas vezes sem relação com os segmentos maxilares e alveolares devido ao crescimento a partir do septo nasal. Além das assimetrias o pró-lábio é de volume variável, a columela curta, as asas nasais são alargadas e planas e os arcos alveolares, sem manter relação com a pré-maxila, podem apresentar colapso. Fissuras Palatinas: As fissuras palatinas podem apresentar-se associadas ou não às fissuras labiais e são deformidades que interferem diretamente nas funções orgânicas e funcionais da pessoa. Fissuras Faciais Raras: nesse grupo estão englobadas as fissuras oblíquas, transversais, do lábio inferior, do nariz e etc. São aquelas que têm o envolvimento de outras estruturas da face, que se manifestam com a falta de fusão dos processos envolvidos na vida embrionária. b) Deficiência Sensorial – Auditiva - Na forma do artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, trata-se perda bilateral, parcial ou total de 41 dB (quarenta e um decibéis) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz. A conceituação do Decreto nº 5.296/2004 colocou uma pá de cal nas críticas que vinham sendo dirigidas à antiga gradação da conceituação de surdez (leve – de 25 a 40 decibéis; moderada – de 41 a 55 db; acentuada – de 56 a 70 db; severa – de 71 a 90 db; profunda – acima de 91 db e, anacusia, surdez total) porque deixava de fornecer três elementos importantes para mensurar a deficiência auditiva, ou seja: as frequências a serem consideradas; o tipo da perda auditiva e a média de perdas a ser considerada. Aquela abarcava não só as pessoas com surdez, mas também as pessoas com perdas auditivas mínimas e que, portanto, se distanciavam do espírito da norma de proteção, sobretudo no âmbito de aplicação da reserva de vagas em concurso público. Em elaborado artigo Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes analisa o antigo critério estabelecido no Decreto nº 3.298/1999, concluindo se tratar de norma de regulação imperfeita, pois alarga o espectro de indivíduos que são beneficiados, mas que, na verdade, têm apenas desvios mínimos de audição. É insuficiente que a avaliação da perda auditiva ocorra somente com o valor de intensidade sonora em decibéis. Por isso, “ainda que o conceito de incapacidade para fins de concessão de benefício previdenciário seja diferente do conceito de incapacidade para fins de proteção da pessoa com deficiência, o conceito de redução da capacidade auditiva é independente do de incapacidade” (Lopes in Revista do Ministério Público do Trabalho, 2001, p.60-70), devendo ser considerados os parâmetros do regulamento previdenciário contido no Decreto nº 3.048/1999. Este determina se proceda à média aritmética do audiograma, adotadas as tabelas de Davis & Silvermann e, observadas as frequências de 500, 1.000, 2.000 e 3.000 Hertz. Sabedor dessa imperfeição do regulamento, o CONADE sugeriu à época a alteração do Decreto nº 3.298/99, nesse particular, de forma a melhor mensurar a deficiência auditiva: O Conselho Nacional de Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência – CONADE atendendo as diversas manifestações recebidas acerca do equivocado dimensionamento das deficiências auditiva e visual, editou a seguinte Resolução: Considerando a conclusão dos trabalhos da Comissão Provisória instituída para a análise e atualização dos conceitos de caracterização das deficiências, na forma da Resolução nº 011/02, Considerando a aprovação da conclusão, de forma unânime, do CONADE na XXVII Reunião Ordinária, realizada em 8 de outubro de 2003, Considerando a necessidade de alteração do art. 4º, do Decreto nº 3.298/99, em vista do inadequado dimensionamento das deficiências auditiva e visual, RESOLVE Art. 1º Aprovar o conteúdo das conclusões aferidas pelo grupo de trabalho. Art. 2º Aprovar a necessidade de alteração do art. 4º, do Decreto nº 3.298/99, quanto às deficiências visual e auditiva. Art. 3º Considera-se “II- deficiência auditiva – perda parcial ou total bilateral, de 25 (vinte e cinco) decibéis (db) ou mais, resultante da média aritmética do audiograma, aferida nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz; III- deficiência visual – compreende a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 a 0,05 no melhor olho e com a melhor correção óptica, a situação na qual a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou a ocorrência simultânea de qualquer uma das condições anteriores”. Art. 4º Encaminhar a presente resolução ao Exmo. Ministro Especial de Estado de Direitos Humanos para as providências. Adilson Ventura, Presidente. Nessa mesma linha, registre-se a norma do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) que caracteriza como deficiência auditiva a perda bilateral igual ou superior a 40 decibéis. Proposta de alteração foi discutida para a avaliação dos exames de aptidão física e mental e os exames de avaliação psicológica, de forma a adotar entendimento no sentido de que os candidatos com média aritmética em decibéis (db) nas frequências de 500, 1000 e 2000 Hz da via aérea (Davis e Silverman – 1970) na orelha melhor que apresentarem perda de acuidade auditiva inferior a 40 db serão considerados aptos para a condução de veículo em qualquer categoria. Esta caracterização alinha-se aos parâmetros estabelecidos nos Decreto nº 3.048/1990 e 5.296/04. Considera-se também importante esclarecer a prática comum em nosso país de se referir à pessoa surda como “surdo-mudo”. Nem toda pessoa surda é muda, pois pode se comunicar por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), língua oficial prevista na Lei nº 10.436/2002. Essa forma de comunicação e expressão, reconhecida por lei, de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui-se em um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil (Parágrafo Único, artigo 1º da Lei nº 10.436/2002). Assim, as pessoas surdas que não se expressam pela fala, não têm necessariamente deficiência de voz ou órgãos da fala e, portanto, não podem ser designadas de pessoas mudas. c) Deficiência Sensorial – Visual - Na forma do artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, a deficiência visual é a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 a 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou a ocorrência simultânea de qualquer uma das condições anteriores. A prática vinha demonstrando, após a edição do Decreto nº 3.298/1999, a necessidade de alteração da caracterização da deficiência visual, principalmente por estar subdimensionada em relação aos casos de deficiência visual grave e geradora de deficiência permanente, deixando as pessoas com baixa visão ou, como equivocadamente às vezes são chamadas de portadoras de visão subnormal, fora do enquadramento de deficiência visual. Percebe-se, a evolução ocorrida a partir da anterior concepção de que deficiência visual era a “acuidade visual igual ou menor que 10% no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (Tabela de Snellen) ou ocorrência de ambas as situações”. Essa mesma definição ainda é encontrada na Lei nº 10.690/2003, já citada, que concede o benefício da isenção do IPI para a aquisição de automóveis por pessoas com deficiência (física, auditiva, visual, mental severa e autista). O tema voltado para a ocupação da reserva de cargos na Administração Pública Direta e Indireta por pessoa com visão monocular mereceu reflexão. Lembrando que a pessoa com visão monocular não poderá ter qualquer restrição de acesso a postos de trabalho para os quais esteja qualificada e que o fato de ter visão monocular não a impede de exercer uma profissão, estudo técnico elaborado pela CORDE, concluiu que: Nota Técnica nº12/2007/CORDE/SEDH/PR. De acordo com as normas apresentadas, a pessoa com visão monocular (olho único) não será considerada pessoa com deficiência visual se os valores de acuidade visual no olho único, com a melhor correção óptica, estiverem acima de 20/70 (0,3). Caso os valores de acuidade visual do olho único, com a melhor correção óptica, estiverem abaixo de 20/70 (0,3) a pessoa será classificada como pessoa com deficiência visual (visão subnormal ou cegueira, de acordo com os valores de acuidade visual observados). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao tratar da deficiência visual, tendo por objeto a reserva de vagas em concursos públicos, amplia a definição de deficiência no que diz respeito à visão monocular, categoria não indicada expressamente no rol de caracterização das deficiências, e edita a súmula 377 em 2009, no sentido de que “o portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes”. O Tribunal Superior do Trabalho, ao contrário, entende que a visão monocular não deve ser considerada para a reserva de cargos se não for comprovada a perda da capacidade visual no melhor olho. Acertadamente impõe a necessidade de existir comprovação da perda por aferição médica, conforme o critério da norma regulamentar (artigo 39, inciso IV do Decreto nº 3.298/1999). Além disso, reporta-se ao objetivo fundamental da reserva que é a garantia do direito à igualdade de oportunidades ao indivíduo identificado como detentor real da ação afirmativa. Não existindo motivação suficiente para a reserva, principalmente decorrente das limitações ocasionadas pelo meio social e econômico, a pessoa com visão monocular não poderá ser considerada pessoa com deficiência. Tribunal Superior do Trabalho. MS-112.859/2003-000-00-00.5, redator designado Ministro Rider de Brito, publicado no Diário da Justiça de 03/março/2006. MANDADO DE SEGURANÇA CONCURSO PÚBLICO NÃO CARACTERIZAÇÃO NA DEFICIÊNCIA VISUAL ARTIGO 4º, INCISO III, DECRETO Nº 3298/99 AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 2 - Se o Decreto (artigo 4º, inciso III) estabelecia, para fins de deficiência visual, além do comprometimento dos dois olhos, que o melhor deles tivesse acuidade visual igual ou inferior a 20/200, o fez, certamente, amparado por estudos de especialistas na área médico-científica, não competindo ao julgador, não detentor de conhecimento específico sobre o tema, concluir pela ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma. 3 - Embora a Lei nº 7.853/89 discorra sobre os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, tem-se que o Decreto nº 3.298/99 cuidou de estabelecer um critério específico para determinar a deficiência visual. Assim, a pessoa que possui acuidade visual superior à especificada no citado Decreto, apesar de ter reduzida a sua capacidade visual, consegue executar tarefas com êxito, de forma habitual, não podendo concorrer, em igualdade de condições, com outras, cujo déficit visual as restringe para a maioria das atividades. 4 - O sentido da norma é que, comparados os dois olhos, o de melhor visão deve ter acuidade visual igual ou inferior a 20/200. Se o legislador não se referiu ao outro olho, é porque, mesmo a cegueira total daquele, não caracterizaria a deficiência visual. Dessa forma, mesmo o detentor de visão monocular, salvo melhor juízo, não é portador de deficiência visual, podendo, inclusive, obter habilitação para dirigir, conforme dispõe a Resolução nº 80/98 do Conselho Nacional de Trânsito. 5 - Ainda que o Decreto nº 5.296, de 2004, tenha alterado a amplitude do campo visual de 20º para 60º, não há como alcançar o Impetrante, uma vez que não consta do laudo de fl. 36 seu campo visual, sendo inviável, em ação mandamental, a dilação probatória. 6. Segurança denegada. Ainda no campo da deficiência visual, deve-se considerar a pessoa com albinismo como pessoa com deficiência. Embora o albinismo não esteja expressamente indicado na norma regulamentar, o fato de produzir alterações na visão da pessoa, coloca-a como destinatária da reserva. O albinismo é um distúrbio metabólico genético, associado à falta total ou parcial de melanina, conferindo à pessoa com albinismo a pele e os olhos com pouca ou nenhuma pigmentação. É comum, as pessoas com albinismo nascerem com deficiência visual grave ou mesmo cegas, ou evoluir para a cegueira no decorrer da vida, em vista da significativa agressão dos raios solares pela a falta de proteção da melanina. d) Deficiência Mental - Na forma do artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, trata-se de funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e com limitações de duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação; cuidado pessoal; habilidades sociais; utilização dos recursos da comunidade; saúde e segurança; habilidades acadêmicas; lazer e, trabalho. A indicação dos diferentes graus da deficiência mental na forma leve, moderada, severa ou profunda obedece à Classificação Internacional de Doenças (CID-10), além do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-V para as pessoas com o transtorno do espectro autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do desenvolvimento não especificado e Síndrome de Asperger que se fundiram em um único diagnóstico chamado Transtornos do Espectro Autista (TEA). A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais, conforme a previsão da Lei n 12.764, de 27 de dezembro de 2012, cuja caracterização está no artigo 2º, incisos I e II: é persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento; padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos. e) Deficiência Múltipla - Na forma do artigo 4º, do Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo artigo 70, do Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004, trata-se a associação de duas ou mais deficiências. No âmbito da deficiência múltipla estão também inseridas as pessoas surdocegas seguindo a concepção do Decreto nº 3.298/1999 que adota a associações de deficiências. Ressalte-se, no entanto, que as pessoas surdocegas que não podem ser tratadas como tendo deficiência múltipla porquanto a surdocegueira é uma deficiência única caracterizada pelo prejuízo de dois sentidos, a visão e audição simultaneamente e em grau de perdas diferentes. Não se trata de uma pessoa surda que não pode ver, e nem de uma pessoa cega que não pode ouvir, visto que podem existir resíduos auditivo e visual; surdez total e resíduo visual; resíduo auditivo e cegueira total; surdez e cegueira totais. Para o concurso público, no que diz respeito ao tratamento diferenciado e à acessibilidade das provas, importa conhecer a forma de comunicação da pessoa surdocega que pode ocorrer, segundo artigo virtual no sítio da Rede Saci ( http://saci.org.br/?modulo=akemi¶metro=1659), por meio da Libras, do Braile e, especialmente, do alfabeto manual ou alfabeto datilológico que se baseia em fazer, com a mão direita, signos sobre a palma do interlocutor. São variados os códigos adotados nesse procedimento, sendo a forma mais usual aquela em que cada letra é representada pelas diferentes posições dos dedos e da mão, ou o próprio alfabeto. Outro método é o tadoma, forma de comunicação tátil em que a pessoa surdocega coloca suavemente a mão no rosto do interlocutor de forma que o polegar toque seu lábio inferior e os outros dedos pressionam levemente as suas cordas vocais. Com isso a pessoa surdocega interpreta a emissão dos sons por meio do movimento dos lábios e da vibração das cordas vocais de seu interlocutor. Pois bem, do ponto de vista da efetividade da norma e do modelo médico até então adotado, sempre foi relevante a correta conceituação da deficiência para evitar impróprios enquadramentos de candidatos com deficiência que frequentemente eram inabilitados para os concursos públicos tanto pela própria Administração Pública, quanto por ato judicial, ou, ao contrário, habilitavam-se pessoas que pelo regulamento não poderiam ser consideradas pessoas com deficiência. Daí a importância da apresentação, no ato da inscrição do candidato com deficiência, do laudo médico atestando a espécie e o grau ou nível da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença (CID), bem como a provável causa da deficiência, obrigação esta expressamente prevista no artigo 30, inciso IV do Decreto nº 3.298/1999. Esclareça-se que as considerações sobre a definição da deficiência são mantidas nesse tópico com o objetivo de demonstrar a evolução da percepção da sociedade brasileira em relação ao conceito de pessoa com deficiência e o modelo utilizado para comprovar a deficiência, a partir da vigência do Decreto nº 3.298, em 1999. CAPÍTULO III O CONCEITO ATUAL DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO De acordo com as afirmações externadas no capítulo inicial (A NATUREZA CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (CDPD)), o Artigo 1 da CDPD edifica um novo paradigma em relação às pessoas com deficiência cuidando, ao mesmo tempo, do propósito do tratado que contém a definição. O propósito tem como objetivo promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e, promover o respeito pela sua dignidade inerente. No que diz respeito à definição, tendo anteriormente, no Preâmbulo, reconhecido que a deficiência é um conceito em evolução (alínea e), que há diversidade entre as deficiências (alínea j), e que todas as questões relativas à deficiência devem ser trazidas à tona, ao centro das preocupações da sociedade, integrando-as às políticas e estratégias para o desenvolvimento sustentável (alínea g), o Artigo 1 define que pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. O conceito contém elementos importantes que caracterizam e particularizam a pessoa com deficiência em situação de desvantagem social e como destinatária da norma, quais sejam: i. ter impedimentos de longo prazo. ii. ser a deficiência de natureza física, mental, intelectual e sensorial (auditivo, visual), indicando a existência de diversidade na área da deficiência. iii. enfoque das questões ambientais (urbanisticas, arquitetônicas, transportes, comunicações, informações), incluídas as de atitudes individuais, coletivas e institucionais, todas tidas como barreiras impeditivas para o livre exercício de direitos. Isso porque, é o ambiente desfavorável com a existência de barreiras que obstrui a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade. A natureza da deficiência das pessoas, tal como antes caracterizada ou designada conforme o modelo médico, deixa de ter primazia. Em seu lugar se coloca e se destaca o ambiente, com seus efeitos sociais, econômicos e culturais, que pode restringir ou impedir o pleno exercício e gozo de direitos. Rosangela Berman Bieler (in Caderno da I Conferência, 2006, p. 145) ao tratar sobre desenvolvimento inclusivo (a concepção e implementação de ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano) avalia o conceito de deficiência como sendo: o resultado da interação de deficiências físicas, sensoriais ou mentais com o ambiente físico e cultural e com as instituições sociais. Quando uma pessoa tem uma condição que limita alguns aspectos do seu funcionamento, esta se torna uma situação de “deficiência” somente se ela tiver que enfrentar barreiras de acesso ao ambiente físico ou social que tem à sua volta. Em termos econômicos, a deficiência é uma variável endógena à organização social. Isso quer dizer que a definição de quem tem ou não uma deficiência não depende tanto das características pessoais dos indivíduos, mas também, e principalmente, do modo como a sociedade onde vivem, organiza seu entorno para atender à população em geral. A referida autora, ao analisar a funcionalidade da pessoa em relação ao ambiente, lança mão de uma fórmula matemática elaborada por Marcelo Medeiros, no artigo Pobreza, Desenvolvimento e Deficiência, apresentado na Oficina de Alianças para ao Desenvolvimento Inclusivo, na Nicarágua, em 2005, em que demonstra a relação e o impacto do ambiente e da limitação funcional, quantificando negativa ou positivamente a deficiência da pessoa. A fórmula de Medeiros (2005) constitui-se em: DEFICIÊNCIA = LIMITAÇÃO FUNCIONAL X AMBIENTE. Assim, se for atribuído valor zero ao ambiente porque é acessível e não oferece nenhuma barreira, o resultado da equação será sempre zero, independentemente do valor atribuído à funcionalidade da pessoa. Porém, se o ambiente tiver valores progressivamente maiores (porque não tem acessibilidade) em relação à funcionalidade da pessoa elevará o resultado, que é a deficiência. Percebe-se, portanto, a centralidade da acessibilidade para a existência plena da pessoa com deficiência, respeitada a sua dignidade inerente, autonomia individual, independência. O Artigo 9 da CDPD ao tratar da acessibilidade indica as formas de atendê-la quanto ao meio físico, transporte, informação e comunicação, serviços, assistência e apoios, pugnando aos Estados que se identifiquem os obstáculos e barreiras e os elimine. O comando constitucional do direito fundamental à acessibilidade é de tal intensidade que o legislador brasileiro escolheu considerar em lei ordinária (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015) as hipóteses de barreiras que podem ser encontradas nos locais aonde vivem as pessoas com deficiência. As barreiras e sua classificação estão no artigo 3º, inciso IV da LBI. Barreiras são qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros. As barreiras são classificadas em: • barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; • barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; • barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes; • barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; • barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas; • barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; Conforme se percebe, com o advento da CDPD e da LBI um novo modelo é apresentado para dizer quem é a pessoa com deficiência e como ela está em relação ao meio onde vive - se é acessível ou não -. Para que isso seja concretizado, a CDPD e a LBI, indicam que quando for necessário - para o acesso às ações afirmativas, programas e políticas públicas -, deve-se avaliar a deficiência frente aos diferentes domínios da vida de forma biopsicossocial. A avaliação biopsicossocial deve ser realizada por diferentes profissionais das áreas da deficiência impondo as características de multiprofissionalidade e interdisciplinaridade, de maneira a aferir os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação, na forma do artigo 2º, parágrafo 1º, itens I-IV da LBI: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. § 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. O novo modelo está baseado nas concepções da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), cujos parâmetros básicos são importantes para compreender o cenário completo das deficiências. Os novos parâmetros baseados nas barreiras para a definição de deficiência, na verdade, já estão em nosso sistema e no mundo jurídico desde a Convenção Interamericana para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, a Convenção da Guatemala, datada de 2001 e devidamente ratificada pelo Decreto nº 3.956, de 8/10/2001, portanto dotada de eficácia convencional. Ela diz claramente no artigo primeiro que as limitações (restrições) da deficiência são causadas e agravadas pelo ambiente econômico e social: Convenção da Guatemala Artigo I - Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência. O termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. A Convenção da Guatemala de 2001 e a atual concepção biopsicossocial da LBI estão assentadas na CIF que não se refere somente às pessoas com incapacidades, mas sim “a todas as pessoas. A saúde e os estados relacionados à saúde associados a todas as condições de saúde” (CIF, 2003, p. 18). A CIF há muito é utilizada, e quase sempre adaptada, em diversos países e contempla uma linguagem única para descrever as consequências e os aspectos sociais de deficiência. O objetivo da CIF como instrumento de avaliação é descrever situações relacionadas à funcionalidade da pessoa e suas restrições, causadas pela estrutura do corpo (caso de deficiência) em relação ao ambiente físico, social e de trabalho. A CIF pode ser aplicada “como uma ferramenta de política social – no planejamento dos sistemas de previdência social, sistemas de compensação e projeto de implementação de políticas públicas” (CIF, 2003, p. 17). MODELO BIOPSICOSSOCIAL E A CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SAÚDE - CIF A CIF se apoia no modelo de funcionalidade, tendo por elementos as funções e estruturas do corpo; atividades e participação; fatores ambientais e pessoais que se relacionam de forma complexa, interferindo dinamicamente entre si (Gugel, 2007, p. 71-74). Determinado elemento tem o potencial de alterar os demais elementos. Obedece ao seguinte quadro: A CIF, pontua Izabel Maior (in Gugel, 2019, p.86), discorre sobre as condições de saúde de todas as pessoas e, segundo os critérios adotados, a que se destina em uma política pública: é uma classificação para analisar condições de saúde e aplica-se a pessoas, sem e com deficiência, e não deveria ser usada sem antes haver um estudo para verificar a necessidade da elaboração de instrumento de avaliação da deficiência que dialogue com as razões da avaliação. O processo avaliativo reflete uma proposta de seleção de sujeitos para determinadas políticas públicas de ação afirmativa e, nesse sentido, as características e o conteúdo da avaliação devem ser especificados com critérios padronizados e o mais objetivo que puder ser elaborado. Cada país precisa elaborar um índice ou indicador de funcionalidade que permita selecionar os usuários das políticas específicas frente a seus contextos de vida. É imprescindível a compreensão dos elementos que compõem a CIF, pois permite que se proceda a comparação com o modelo da Classificação Internacional de Doença (CIDID), de 1980, cuja avaliação está baseada em doenças e distúrbios, deficiências, incapacidades e desvantagens. Esse modelo vem sendo contestado, pois é linear, com a definição de uma única categoria de deficiências (impairement), frente ao elemento de desvantagem (as limitações da própria deficiência). O elemento da desvantagem é negativo, recai somente sobre a pessoa e não interage com o ambiente à sua volta. Esse modelo estritamente baseado no diagnóstico médico vigorou até o advento da CDPD e da LBI. Os elementos da CIF, ao contrário, percebem a pessoa em sua integralidade e se constituem em Funções e Estruturas do Corpo; Atividade e Participação e Atividades Ambientais e Pessoais. As deficiências no contexto da CIF são eventos da função ou estrutura do corpo como uma perda ou anormalidade importante, quais sejam: i) as Funções do Corpo são as fisiológicas do sistema do corpo, incluídas as psicológicas, mentais; sensoriais e dor; da voz e da fala; do sistema cardiovascular, hematológico, imunológico e respiratório; dos sistemas digestório, metabólico e endócrino; geniturinárias e reprodutivas; neuromusculoesqueléticas e relacionadas ao movimento; da pele e estruturas relacionadas. ii) as Estruturas do Corpo são as partes anatômicas do corpo, tais como órgãos, membros e seus componentes como, as estruturas do sistema nervoso; olho, ouvido e estruturas Relacionadas; estruturas relacionadas à voz e à fala; estruturas dos sistemas cardiovascular, imunológico e respiratório; estruturas relacionadas aos sistemas digestório, metabólico e endócrino; estruturas relacionadas aos sistemas geniturinário e reprodutivo; estruturas relacionadas ao movimento; pele e estruturas relacionadas. O elemento Atividade é a execução de uma tarefa ou ação por um indivíduo e a Participação é o envolvimento em uma situação de vida e estão indicadas na CIF como: aprendizagem e aplicação do conhecimento; tarefas e demandas gerais; comunicação; mobilidade; cuidado pessoal; vida doméstica; relações e interações interpessoais; áreas principais da vida; vida comunitária, social e cívica. As Limitações na atividade são as dificuldades que um indivíduo pode ter em executar referidas atividades e as Restrições na participação são os problemas que um indivíduo pode experimentar no seu envolvimento em situações de vida. Os Fatores Ambientais transformam o ambiente físico, social e de atitudes no qual as pessoas vivem e conduzem suas vidas. Os fatores ambientais interagem com as funções do corpo, sendo típicos os exemplos de interação a qualidade do ar e a respiração do indivíduo; a luz e os sons dos ambientes com a visão e a audição. Portanto, são determinantes para a definição do grau de incapacidade em cada indivíduo. Nesses fatores ambientas incluem-se os Fatores Pessoais e Sociais. Os Fatores Sociais são as características particulares de um indivíduo e suas situações de vida. Compreendem dados que não são partes da condição de saúde como, o gênero, a idade, a raça, o preparo físico, o estilo de vida, os hábitos, a origem social, e outras condições de saúde. Os Fatores Sociais, ou as estruturas sociais, contém as regras de conduta ou sistemas da sociedade que incidem diretamente sobre os indivíduos. São exemplos, as organizações e serviços relacionados ao ambiente de trabalho, as atividades comunitárias, os órgãos governamentais, os serviços de comunicação e de transporte; as leis, os regulamentações, as atitudes e as ideologias. São identificados por: produtos e tecnologia; ambiente natural e mudanças ambientais feitas pelo ser humano; apoio e relacionamentos; atitudes; serviços, sistemas e políticas. Cada um dos quatro componentes (classificações) da CIF é codificado com uma letra: “b” para funções corporais (body); “s” para estruturas anatômicas (structure); “d” para atividade e participação (domain): “a” para atividade; “p” para participação; “e” para fatores ambientais (environement). Na proposta da CIF o termo incapacidade (disability) é mais abrangente e inclui as deficiências (impairments), limitações às atividades e restrições à participação. A incapacidade está evidenciada nos aspectos negativos da interação entre um indivíduo (com um determinado estado ou condição de saúde) e os fatores contextuais do indivíduo (fatores ambientais e pessoais). Um ambiente sem barreiras não restringirá o desempenho do indivíduo, ao contrário de ambientes não acessíveis que produzirão efeitos nefastos sobre a pessoa. Assim, o trabalhador com deficiência que está em um ambiente de trabalho sem as devidas adaptações ambientais ou sem as ajudas técnicas (uma máquina ou um instrumento adaptados ao seus impedimentos) apropriadas não produzirá a contento e, portanto, parecerá limitado, improdutivo. O sistema erigido na CIF ao exigir a compreensão de múltiplos fatores, permite uma visão interdisciplinar de uma equipe multiprofissional sobre o indivíduo, indicando a possibilidade de se fazer uma abordagem biopsicossocial de forma a obter a integração das várias perspectivas de funcionalidade. Ela se aproxima mais a uma síntese que ofereça uma visão coerente das diferentes dimensões de saúde sob uma perspectiva biológica, individual e social. No âmbito da assistência social e da previdência social há instrumentos de avaliação das deficiências, o primeiro para a concessão do benefício da prestação continuada (artigo 20, da Lei nº 8.742/93, LOAS) e o segundo para a concessão da aposentadoria especial (Lei Complementar nº 142/2013 e Decreto nº 8.145/2015). O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério da Previdência Social (MPS) instituíram, por meio da Portaria Interministerial nº 001, de 15 de junho de 2005, grupo de trabalho com o objetivo de criar parâmetros, procedimentos e instrumentos de avaliação das pessoas com deficiência para o acesso ao Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC) que resultou na Avaliação Médico-Pericial e Social da Incapacidade para a Vida Independente e para o Trabalho (AMES/BPC). O BPC ainda reconhece a pessoa com deficiência como sendo aquela cuja deficiência a incapacita para a vida independente e para o trabalho. Não obstante isso, o instrumento de avaliação adotado utiliza-se de algumas das ferramentas da CIF relacionados à função ou da estrutura do corpo, a limitação para a execução de atividades e restrições da participação social. Quanto à concessão de aposentadoria conforme a Lei Complementar nº 42/2013, já se tem estabelecida a avaliação da deficiência concebida com base em graus de deficiência (leve, moderada e grave) e que compõe o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Classificação e Concessão de Aposentadoria da Pessoa com Deficiência (IF-BrA), publicado na Portaria Interministerial nº 1, de 27 de janeiro de 2014. O Brasil tem até dois anos - a partir de 6 janeiro 2016 da entrada em vigor a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (artigo 124), ou seja até 6 janeiro de 2018 - para constituir e implementar um sistema único de avaliação da deficiência com base biopsicossocial, realizada por equipe multidisciplinar e interdisciplinar e que considere os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo, os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação (artigo 2º, parágrafo 1º, itens I-IV da LBI). Essa aguardada única via de avaliação biopsicossocial está sendo elaborada por um Comitê, de acordo com o Decreto nº 8.954/2017, que tem o compromisso de edificar o novo paradigma em relação às pessoas com deficiência de forma a promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e, promover o respeito pela sua dignidade inerente. DEFICIÊNCIA MENTAL A deficiência mental está relacionada à saúde mental e consiste em uma das naturezas de deficiência previstas pelas CDPD e LBI. Para a sua avaliação deve seguir o padrão internacional da Organização Mundial da Saúde, cuja concepção está ligada às funções mentais do corpo e que podem gerar sofrimento psíquico, transtornos mentais, transtorno mental relacionado ao trabalho e usuários abusivos de álcool e drogas. No Brasil a saúde mental sempre esteve dissociada da área das deficiências típicas (física, sensorial e intelectual) por escolha do próprio movimento de pessoas com deficiência, justificada pela prática do diagnóstico médico de deficiência e do qual sempre tentou se afastar. O reconhecimento da saúde mental como deficiência mental, há muito praticada em outros países, era antiga reivindicação do movimento de saúde mental, conforme se verifica no relatório final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial, realizada em 2010 (http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/Relatorios/relatorio_final_IVcnsmi_cns.pdf ). O item 211 do relatório reflete a vontade do grupo: IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial Reconhecimento do conceito de Deficiência 211. Cobrar das instâncias competentes (Ministério Público, Defensoria Pública, Previdência Social, OAB, Secretarias e Conselhos Profissionais, entre outros) o reconhecimento da mudança conceitual de Deficiência, a partir da Convenção da ONU de 2008, ratificada pelo Brasil. Referido relatório detalha no item 117 a necessidade de ampliar a participação e o envolvimento da sociedade na formulação e na efetivação das políticas de saúde mental, para dessa forma viabilizar a inclusão das pessoas com sofrimento psíquico no convívio social, mercado de trabalho e educação. Já o item 137 pugna pela urgente a desconstrução do preconceito com relação aos transtornos mentais, garantindo não apenas o tratamento em saúde, mas também em atividades culturais de lazer, projetos de geração de renda e trabalho. Para as áreas das relações de trabalho e do concurso público os encaminhamentos propõem que a lei e as práticas no domínio do trabalho devem criar ambiente propício e aceitar a aptidão para o exercício de cargos e funções (item 191), inclusive garantindo a interlocução da Saúde do Trabalhador e Saúde Mental no atendimento e vigilância dos transtornos mentais relacionados ao trabalho (item 196): IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial Saúde do Trabalhador 191. Criar leis que possam assegurar ao cidadão em sofrimento psíquico condições de trabalho nas funções que estejam aptos, bem como apoiar os trabalhos desenvolvidos. 197. Participar na construção e fiscalização conjunta entre as coordenações de saúde mental nacional, estadual e municipal do protocolo de saúde mental do trabalhador, com intuito de melhorar a atenção à saúde mental do adulto trabalhador, bem como realização de ações articuladas com os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador. Como se percebe há muito para ser construído em relação à saúde mental e especialmente em relação à consideração constitucional de que se trata de uma natureza de deficiência que impõe à sociedade brasileira entender suas concepções e incluir as pessoas plenamente em todos os domínios da vida, com ênfase no trabalho e no concurso público em iguais condições. Assim posto, remete-se o leitor aos argumentos contrários às práticas de aferição da “aptidão plena” do candidato com deficiência que agora, definitivamente, obrigam os órgãos da administração pública a eliminar essa exigência, tal como se defende em ACESSO A CARGOS E FUNÇÕES x ATRIBUIÇÕES COMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA x APTIDÃO PLENA DO CANDIDATO. TERCEIRA PARTE ISONOMIA CAPÍTULO IV IGUALDADE FORMAL E MATERIAL E A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO POSITIVA A República Federativa do Brasil, constituída em estado democrático de direito, fundamenta-se, entre outros, na dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III da Constituição da República). Originariamente tida como valor moral, a dignidade da pessoa incorporou-se ao comando constitucional como valor jurídico, tendo o Estado a obrigação de preservá-la. A necessária preservação desse fundamento leva muitas vezes o Estado a lançar mão do tratamento diferenciado, decorrente do direito à igualdade (caput do artigo 5º da Constituição da República) como forma eficaz de estratificar os objetivos da República, dentre eles, a promoção do direito de todos sem preconceito ou discriminação. Compreender a aparente dicotomia entre o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei e o tratamento diferenciado que a própria Constituição da República confere às pessoas com deficiência é fundamental para aceitar a eficácia e aplicabilidade das normas que lhes são dirigidas. O tratamento diferenciado está evidenciado, dentre outros direitos de ordem social: i) na reserva de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência prevista no artigo 37, inciso VIII da Constituição da República que, por sua vez, não se dissocia de outros dois importantes comandos voltados para a Administração pública: o do acesso a cargos e empregos públicos e a investidura por concurso público (artigo 37, incisos I e II da Constituição da República); ii) nas previsões de tratamento especializado, integração e treinamento para o trabalho do jovem adolescente com deficiência, na eliminação de barreiras arquitetônicas, na garantia de acesso adequado aos edifícios de uso público e coletivo (artigo 227, parágrafos 1º inciso II e 2º da Constituição da República). O artigo 5º da Constituição da República, ao dispor sobre os direitos e deveres individuais e coletivos, afirma, logo no caput, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. A igualdade perante a lei é um valor constitucional e indica que não haverá qualquer tipo discriminação e garante nenhuma má utilização do comando da norma. Nenhum indivíduo, seja qual for sua condição, obterá situação jurídica privilegiada. Mas, esse valor por si só não basta quando se trata de pessoas excluídas do acesso a direitos, bens e serviços. Segundo a lição de José Afonso da Silva (2001, p. 218) a igualdade formal “perante” a lei opõe-se ao princípio da igualdade “na” lei, pois, [...] corresponde à obrigação de aplicar as normas jurídicas gerais aos casos concretos, na conformidade com o que elas estabelecem, mesmo se delas resultar uma discriminação, o que caracteriza a isonomia puramente formal, enquanto a igual na lei exige que, nas normas jurídicas, não haja distinções que não sejam autorizadas pela própria constituição. Enfim, segundo essa doutrina, a igualdade perante a lei seria uma exigência feita a todos aqueles que aplicam as normas jurídicas gerais aos casos concretos, ao passo que a igualdade na é uma exigência dirigida tanto àqueles que criam as normas jurídicas gerais como àqueles que as aplicam aos casos concretos. O direito à igualdade consigna uma aspiração mais ampla, um valor assegurado pelo Estado, para uma sociedade caracterizada no Preâmbulo da Constituição como fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias. Esse direito de ser igual necessita alcançar as desigualdades de fato e, para que isso ocorra efetivamente, exige que se concretizem os devidos acertos. É somente com a Constituição de 1988 que a igualdade surge como direito fundamental dentre os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade (caput, artigo 5º da Constituição da República). O princípio da isonomia é evidentemente um novo paradigma e muito diverso das previsões constitucionais anteriores que foram marcadas somente pelo genérico princípio formal do ser igual perante a lei: Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824 Art. 179 XIII - A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891 Art. 72 § 2º - Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégio de nascimento, desconhece foros de nobreza, extingue as ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: I - Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937 Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Todos são iguais perante a lei. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946 Art. 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Todos são iguais perante a lei. Constituição do Brasil, de 24 de janeiro de 1967 Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. Constituição da República Federativa do Brasil, de 17 de outubro de 1969 Art. 153 § 1º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. É importante compreender que o princípio da igualdade, baseado na herança aristotélica de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, mantém o intérprete num círculo tautológico, uma vez que, segundo Celso Ribeiro Bastos (2004, p. 10), [...] o cerne do problema remanesce irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem os desiguais. A igualdade e a desigualdade não residem intrinsecamente nas coisas, situações e pessoas, porquanto, em última análise, todos os entes se diferem entre si, por mínimo que seja. O que acontece é que certas diferenças são tidas por relevantes, segundo o critério que se tome como descrímenº Seguindo esse raciocínio, o renomado autor propõe que se examine o problema da isonomia a partir da consideração do binômio elemento discriminador – finalidade da norma, encontrando nos valores e concepções vigentes na sociedade a justificativa para constitucionalizar determinadas discriminações legais. Para Celso Antônio Bandeira de Melo (1984) o conteúdo jurídico do princípio da igualdade envolve discriminações legais de pessoas, coisas, fatos e situações porque se admite existirem traços diferenciais entre eles. Assim, a correlação lógica entre o descrimine e a equiparação pretendida justifica a discriminação positiva em favor de grupos, eis que ambas (equiparação, discriminação positiva) estão contidas na ordem constitucional do estado brasileiro. Gomes Canotilho (1998, p. 430) também afirma que as situações concretas de desigualdade exigem tratamento diferenciado e permitem discriminações positivas, desde que tenham conexão com uma política de ‘justiça social’ e com a concretização das disposições constitucionais tendentes à efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais. Conclui-se, pois, que o direito à igualdade correlaciona a igualdade e a discriminação: veda a discriminação quando o resultado do ato gera tratamento desigual; indica a discriminação para compensar desigualdades de oportunidade e tratamento. A discriminação positiva em favor das pessoas com deficiência está em perfeita consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição da República que impõe a ação positiva do Estado de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, incisos III e IV), oferecendo meios institucionais diferenciados para o acesso de grupos excluídos do sistema e, portanto, a viabilizar-lhes o gozo e o exercício de direitos fundamentais, alcançando assim a igualdade real. Nesse contexto, a Constituição da República de 1988 amálgama para as pessoas com deficiência o direito à isonomia, estabelecendo que o acesso aos cargos, empregos e funções públicas da Administração Pública Direta e Indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e do Distrito Federal e Municípios é de todos os brasileiros e estrangeiros e, sua investidura depende de aprovação prévia em concurso público, delegando à lei a fixação de reserva de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência (artigo 37, inciso VIII da Constituição da República). É um fantástico avanço, pois nas sucessivas Constituições brasileiras sempre se consagrou a garantia à igualdade sem, no entanto, o enfoque atual de tratamento diferenciado para atingir com eficácia a igualdade na lei. Para ficar clara a evolução alcançada na Carta de 1988, observe-se que a Constituição de 1934, além de consagrar a ordem social no Brasil, dava, de forma contida, tratamento especial aos “desvalidos” (incluídas as pessoas com deficiência), incumbindo à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas, assegurar o amparo, criar serviços especializados e animar os serviços sociais, cuja orientação deveria coordenar. O fundamento para tal tratamento, no entanto, era o amparo e a assistência: Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934 Art. 138 - Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar; b) estimular a educação eugênica; c) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. O mesmo ocorreu com a Carta de 1937, sendo que a Constituição de 1967 inovou ao trazer proteção específica às pessoas com deficiência intelectual (excepcionais), proporcionando-lhes maior dignidade no que diz respeito à maternidade, à infância, à adolescência e à educação. Por meio da Emenda Constitucional nº 12, em 1978, assegurou-se melhoria da condição econômica e social, mediante educação especial, assistência, reabilitação; proibiu a discriminação no acesso ao trabalho e salários, além de possibilitar o acesso a edifícios e logradouros públicos: Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937 Art. 175 - A família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos poderes públicos. § 4º - Lei especial sobre a assistência à maternidade, à infância e à adolescência e sobre a educação de excepcionais. Emenda Constitucional nº 12, de 17 de outubro de 1978 Artigo Único - É assegurado aos deficientes a melhoria de sua condição social e econômica especialmente mediante: I- educação especial e gratuita; II- assistência, reabilitação e reinserção na vida econômica e social do país; III- proibição de discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço e a salários; IV- possibilidade de acesso a edifícios e logradouros públicos. A Constituição da República de 1988, ao romper com antigos modelos, detém-se na previsão de direitos sociais como educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e, assistência aos desamparados (artigo 6o), compreendidos como fatores de inclusão social e de pleno exercício da cidadania. No tópico reservado aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (artigo 7º, inciso XXXI). A ordem é não discriminar de forma que a substância material do princípio da igualdade seja preservada. Além da previsão de reserva de cargos, há o tratamento diferenciado para pessoas com deficiência como elemento indispensável para tornar efetivo o acesso aos direitos previstos constitucionalmente de: a) habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência com a necessária promoção de sua integração à vida comunitária e integração ao mercado de trabalho, independentemente de contribuição à seguridade social (artigo 203, inciso IV da Constituição da República); b) salário mínimo de benefício mensal àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (artigo 203, V da Constituição da República); c) atendimento educacional especializado às crianças e aos adolescentes, preferencialmente na rede regular de ensino (artigo 208, inciso III da Constituição da República); d) proteção à criança e ao adolescente com deficiência, com a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas com deficiência física, sensorial intelectual ou mental, bem como de integração social do adolescente com deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (artigo 227, parágrafo 1º, inciso II da Constituição da República); e) adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo de maneira a garantir o acesso adequado dos adolescentes e pessoas com deficiência (artigos 227, parágrafo 2º e 244 da Constituição da República). Na ordem constitucional há uma preocupação para com a pessoa com deficiência no concurso dos poderes, traduzida na competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para legislar sobre os cuidados da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas com deficiência (artigo 23, inciso II da Constituição da República). E, concorrentemente, a União, os Estados e o Distrito Federal sobre a proteção e integração das pessoas com deficiência (artigo 24, inciso XIV da Constituição da República), previsão de grande magnitude, pois permite ao legislador estadual, na ausência de normas gerais de competência da União, legislar de forma plena para atender as suas peculiaridades (artigo 24, parágrafos 1º e 3º da Constituição da República), expedindo inclusive as normas gerais faltantes limitadas ao âmbito de seu território. Aos Municípios também cabe legislar sobre a integração da pessoa com deficiência, de forma a suplementar a legislação federal e estadual (artigo 30, inciso II da Constituição da República), tendo o cuidado de não ferir os comandos constitucionais já identificados. Observa-se o claro objetivo da regra constitucional de promover a inclusão da pessoa com deficiência por meio da ação comum de vários entes políticos e, com isso, rapidamente fornecer-lhe os meios que contrabalancem as desvantagens encontradas no ambiente em que vive, que pode ter natureza educacional, de saúde, de trabalho, de acessibilidade urbana, de edifícios e transporte púbicos, de lazer, de esporte, de moradia, entre outros de ordem social. O recente movimento internacional (e nacional, porque dele o Brasil participou intensamente com sugestões de conteúdo) que concebeu a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD) trouxe constatações novas e importantes em relação às pessoas com deficiência, colocando-as no centro da norma, garantindo-lhes capacidade legal para fazer suas próprias escolhas, interagir nos ambientes com autonomia e independência. Introduzida em nosso sistema por meio do Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, como norma de natureza constitucional, a CDPD impõe a aderência definitiva dos princípios gerais que a edificam, tais como a igualdade real de oportunidades, sem discriminação, conforme previsto no Artigo 3. A CDPD reconhece a igualdade perante e na lei, proíbe a discriminação baseada na deficiência, determina a adaptação razoável para cada caso e admite a medida de ação afirmativa, tudo numa única previsão no Artigo 5: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006. Artigo 5 Igualdade e não discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. 4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias. A concepção do Artigo 5 da CDPD produz efeito desejado e imediato daquilo que a doutrina idealizou ao longo de décadas para a edificação do princípio da isonomia. Ao mesmo tempo em que reconhece a igualdade real, com igual proteção e benefício da lei, reproduz a necessidade de ter mecanismos eficazes de proibição da discriminação que tenham como motivação a deficiência, inclusive a recusa de adaptação razoável para necessidade intrínseca da deficiência de cada pessoa e, também, admite a hipótese da eleição de medidas de ação afirmativa para acelerar e alcançar a igualdade real. A busca pela igualdade material e real colocada na norma internacional propulsiona o legislador ordinário a conceber na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015 o artigo 4º, parágrafos 1º e 2º) o fundamento do direito de a pessoa com deficiência ser igual em oportunidades às demais pessoas, sem sofrer nenhuma espécie de discriminação e sem se sujeitar, se não for de sua escolha, à imposição da ação afirmativa: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa. A igualdade real delineada na CDPD para as pessoas com deficiência está estreitamente ligada a outro direito fundamental que é a acessibilidade. Lembre-se que o direito à acessibilidade já se encontra no comando da Constituição da República de 1988, nos artigos 227, parágrafo 2º e 244, porém agora assume outra dimensão por estar atrelada à própria definição da deficiência e por ser o fator direto de interação (com resultado positivo ou negativo) para a participação da pessoa com deficiência na vida em sociedade. Portanto, a natureza constitucional da CDPD cunha a acessibilidade no mesmo patamar de direito constitucional. A existência da acessibilidade (ou sua falta) resulta na possibilidade de a pessoa com deficiência participar plena e efetivamente (ou não) na sociedade, viver de forma independente (ou não), autônoma (ou não) e segura (ou não) em todos os aspectos da vida, em especial, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, conforme a descrição do Artigo 9, item 1: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006. Artigo 9 Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho; b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência. Outro pilar de natureza constitucional da CDPD, que determina extinguível práticas, costumes e leis anteriores relacionadas à capacidade civil da pessoa, é o reconhecimento de que a pessoa com deficiência goza de capacidade legal em igualdade de condições com todas as demais pessoas em todos os aspectos da vida. A previsão do Artigo 12 rompe com o antigo modelo de que a pessoa com deficiência é incapaz para os atos da vida civil. É evidente que quando necessária, deve existir medida de proteção (ou salvaguardas conforme a CDPD) para o exercício da capacidade legal, o que ocorreu com a previsão da LBI (artigo 84) ao determinar que a plena capacidade civil da pessoa com deficiência somente será afetada em caso excepcional e específico de necessidade de tutela e proteção do patrimônio e negócios da pessoa em situação de curatela. Qualquer restrição ao gozo dessa capacidade (na antiga forma de interdição de direitos) é nula. Inverteu-se a ótica, rompeu-se com a teoria civilista das incapacidades prevista nos artigos 3º e 4º do Código Civil que construíra as diferentes capacidades. Embora em 2002 tenha ocorrido uma pequena mudança com a previsão da capacidade relativa como regra, ela não foi suficiente porque ainda manteve o espírito norteador da referida teoria, acompanhada da pratica judicial que optava por permanecer na mesma situação, ou seja fomentar o rótulo de pessoa incapaz e decretar a interdição de toda sorte de direitos. Os novos institutos previstos pela LBI – a tomada de decisão apoiada e a curatela - não são compatíveis com esse passado. Nessa nova visão o que importa é a pessoa, ela é o sujeito do direito e terá sempre a garantia do exercício desse direito, por ela própria ou por meio de apoio. O apoio instrumentaliza o exercício da capacidade legal para que possa efetivamente viver com autonomia – trata-se da aplicação do princípio da dignidade/igualdade real ou dignidade/inclusão. Daí porque a CDPD determina que para o exercício da capacidade civil sejam criadas salvaguardas, medidas de proteção ou institutos que garantam o exercício dos direitos, tendo como critérios absolutos o respeito à vontade e às preferências das pessoas. As salvaguardas devem ser isentas de conflito de interesses e de influência indevida; proporcional e apropriada à circunstância da pessoa e fixada por um período de tempo, o mais curto possível: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006. Artigo 12 Reconhecimento igual perante a lei 1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. 2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. 3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. [...] O comando constitucional que indica a ação afirmativa com discriminação positiva como meio para alcançar a efetiva igualdade é locus da reserva de cargos e empregos públicos na Administração Pública Direta e Indireta. O artigo 37, inciso VIII da Constituição da República, coadunado com o Artigo 5 da CDPD, é indiscutivelmente o mecanismo adequado para as pessoas com deficiência recuperarem o tempo de exclusão social, posto que participam do concurso público, sob o pálio do atendimento prioritário e o tratamento diferenciado, em igualdade de condições com os demais candidatos quanto ao conteúdo das provas, à avaliação e aos critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação das provas e à nota mínima exigida para todos os demais candidatos. CAPÍTULO V NORMAS INTERNACIONAIS E O DIREITO À IGUALDADE DE OPORTUNIDADES COM DISCRIMINAÇÃO POSITIVA. AÇÃO AFIRMATIVA Os direitos e garantias expressos na Constituição da República não excluem os tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (artigo 5º, parágrafo 2º). Os tratados e convenções internacionais, definitivamente analisados e resolvidos pelo Congresso Nacional na forma de decreto legislativo, com ratificação presidencial por meio de decreto, passam a integrar nosso sistema jurídico com eficácia plena. A convalidação do documento internacional efetiva-se após o depósito no organismo respectivo como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização dos Estados Americanos (OEA). Flávia Piovesan (2003, p. 44-45), a partir de uma interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, sempre sustentou a primazia dos tratados internacionais subscritos pelo Brasil, com eficácia de norma constitucional, de hierarquia especial e diferenciada vez que tratam da proteção de direitos humanos e, portanto, do valor da dignidade humana, elevado a princípio fundamental pela Constituição da República, nos termos do artigo 1º, inciso III. O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, a partir do julgamento histórico quanto à aplicação da Convenção de Genebra sobre lei tributária nacional, tendo por relator o Ministro Cunha Peixoto (RE nº 80.004-SE, de 1/junho/77), afastava a primazia jurídica dos tratados e convenções internacionais sobre as leis internas. A questão deduzida pelo Ministro Celso de Mello, em julgamento de processo de extradição (Extradição nº 662-2 República do Peru, publicado no Diário da Justiça de 30/maio/1997), define que tratados e convenções internacionais relacionam-se em paridade normativa com as leis ordinárias, situando-se no mesmo plano quanto à eficácia, após sua formal incorporação ao sistema. Haverá precedência das normas internacionais sobre as leis em face da aplicação do critério cronológico, conforme o axioma lex posterior derogat priori, ou, quando cabível, do critério da especialidade. A alteração produzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 ao acrescentar o parágrafo 3º, ao artigo 5º da Constituição da República, destaca o novo valor dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalendo-os às emendas constitucionais, desde que aprovados, seguindo o rito de proposta a emenda constitucional (artigo 60, parágrafo 2º), em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros. Sob esse novo cenário é que o STF vem traçando decisões favoráveis à concepção de prevalência das normas internacionais de direitos humanos que, uma vez aprovadas conforme o rito do artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição da República, assumem qualificação constitucional na ordem positiva interna: Supremo Tribunal Federal. Tutela Antecipada no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 32.732/DF, relator Ministro Celso de Mello, de 13/maio/2104, publicado no Diário Justiça de 3/junho/2014. [...] essa Convenção Internacional, por veicular normas de Direitos Humanos, foi aprovada pelo Congresso Nacional pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, cuja promulgação observou o procedimento ritual a que alude o art. 5º, § 3º, da Constituição da República, a significar, portanto, que esse importantíssimo ato de direito internacional público reveste-se, na esfera doméstica, de hierarquia e de eficácia constitucionais. As normas internacionais concorrem para a dinâmica evolução do princípio da igualdade e da ideia da busca da igualdade real. Essas normas têm a importante função de propor aos Estados Membros medidas para promover a informação e a educação que gerem uma compreensão mais ampla do princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento, assim como de influenciá-los perante a opinião internacional para que implementem políticas públicas e conduzam a sociedade à superação de seus problemas. É consenso que a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, constitui-se no marco de uma nova concepção mundial sobre o direito de se ter oportunidades, propondo como ideal comum, a ser atingido por todos os povos e todas as nações, que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, se esforce para promover o respeito aos direitos e às liberdades. Dentre eles o direito de trabalhar e viver sem ser alvo de humilhações, violência, agressões, desrespeito, perseguições e discriminação. A incessante busca pela justiça social coloca a sociedade frente aos fenômenos do preconceito, discriminação, intolerância e xenofobia. A discriminação é a prática do latente preconceito, constituindo-se em uma atitude individual ou um fenômeno intergrupal, dirigido a pessoas ou grupo de pessoas, implicando sempre uma predisposição negativa, motivada por interesses em manter privilégios, superando o valor fundamental da dignidade da pessoa humana. A constatação da existência de preconceitos e práticas sistemáticas de discriminação contra as pessoas com deficiência movimentou a comunidade internacional organizada resultando em importantes declarações do movimento organizado e de tratados e resoluções da ONU, e de organismos a ela ligados como a OMS e OIT. Esses documentos constituíram-se em balizas para a compreensão sobre a pessoa com deficiência, assim como demonstram a evolução dos conceitos e forma de posicioná-las na sociedade. CONCEITO DE DISCRIMINAÇÃO NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi constituída na Parte XIII do Tratado de Versailles, em 1919 e, posteriormente complementada pela Declaração de Filadélfia de 1944. Ao longo de sua história vem editando convenções e recomendações que influenciaram o mundo do trabalho, especialmente a legislação trabalhista no Brasil. Estima-se que nenhum outro documento internacional foi tão contundente para a sociedade mundial e, especificamente, para as relações de trabalho, como a edição da Convenção nº 111, de 1959 da OIT, concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 104, de 24/novembro/64 e ratificada em 1965 e depois promulgada pelo Decreto nº 62.150, de 19/janeiro/68. Pela primeira vez, uma convenção internacional traz para o domínio público mundial o conceito claro do termo discriminação que por conter preferência ou exclusão destrói ou altera o tratamento de igual oportunidade e de tratamento nas relações de trabalho e profissão. Essa preferência ou exclusão tem como alvo pessoas de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social diversas: Convenção n° 111, de 1959 da OIT, concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão. Artigo 1 - 1. a) toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão, que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultas às organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam e outros organismos adequados. A Convenção nº 111/OIT esclarece logo em seguida que: 2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação. Ao mesmo tempo a Convenção nº 111/OIT, compromete os Estados Membros para a formulação e aplicação de uma política nacional de ação afirmativa que promova, por meio de métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria: Convenção n° 111, de 1959 da OIT, concernente à discriminação em matéria de emprego e profissão. Artigo 2 - Qualquer membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. A política de ação afirmativa da Convenção nº 111/OIT tem como principal instrumento a colaboração das organizações de empregadores e trabalhadores e de outros organismos apropriados; a edição de leis e criação de programas de educação próprios e aplicação nos serviços de orientação profissional, formação profissional e colocação; a revogação de todas as disposições legislativas e práticas administrativas que sejam incompatíveis com a referida política (Artigo 3). A partir dessa norma internacional, passou-se a melhor compreender a forma como se processa a discriminação e as diferentes formas de praticá-la, bem como a ação do Estado e da sociedade para eliminá-la. A discriminação, portanto, pode ser uma ação, ou omissão, que tem por objetivo restringir direitos de pessoas ou grupos, desfavorecendo-os. Trata-se da discriminação negativa. Conforme já afirmado em artigo publicado na Revista do Ministério Público do Trabalho (2000, Ano X, nº 19, p.25), o ato de distinguir, excluir ou preferir que altere e destrói o direito à igualdade, impedindo a igualdade de oportunidade e tratamento no emprego, tão bem delineado na norma internacional, incide no âmbito das relações de trabalho sob duas formas de discriminação negativa: a discriminação direta, quando contém determinações e disposições gerais que estabelecem distinções fundamentadas em critérios proibidos e já definidos em lei, sendo de fácil caracterização quando, por exemplo, proíbe-se a entrada de uma pessoa em um clube por ser negra; a discriminação indireta está relacionada com situações, regulamentações ou práticas aparentemente neutras, mas que, na realidade, criam desigualdades em relação a pessoas que têm as mesmas características. Ela poderá ser imperceptível mesmo para quem está sendo discriminado, como nos casos de processos de seleção para empregos baseados não só no histórico profissional e de qualificação do candidato, mas, no seu desempenho em entrevista. É nesse momento que se revela o entrevistador preconceituoso ou que detém ideias pré-concebidas, que tem predisposição a respeito de alguém ou de algum grupo. Essa prática sistemática de discriminar que Maria Aparecida Bento (2002) conceitua como discriminação institucional indireta, não está atrelada a regras formais, mas ajustada ao conjunto de estereótipos e preconceitos existentes na sociedade ou em grupos que a representa e, exemplifica: o gerente financeiro da empresa dispõe de três analistas do setor de contabilidade para promover ao cargo de contador. Um deles é mulher e negra com mais tempo de serviço na empresa, com cursos de especialização e maior experiência. No entanto, no momento da escolha o gerente se questiona: cargo de contador é de chefia, irão os auxiliares aceitar uma mulher negra como chefe? Ela tem marido e filhos, poderá viajar? Os clientes aceitarão a mudança? No final do processo de promoção um analista homem e branco é promovido. A CDPD por sua vez traz a definição de discriminação por motivo de deficiência e significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação inclusive a recusa de adaptação razoável (Artigo 2). A principal novidade na CDPD é o fato de que a recusa em fazer a adaptação razoável também se caracteriza como discriminação por motivo de deficiência. E não poderia ser diferente porquanto a adaptação razoável para a pessoa que dela necessitar, em vista de sua particular deficiência, é instrumento para alcançar a autonomia e independência em todos os atos da vida, como estudar, trabalhar e outros. Lembre-se que a adaptação razoável é uma condição especial de acessibilidade dirigida à pessoa em razão de uma particular necessidade de sua deficiência. Negá-la importará em discriminação em razão da deficiência. O traçado na definição de discriminação por motivo de deficiência evidencia que a pratica configura violação direta à dignidade e valores inerentes da pessoa. Ao mesmo tempo, permite a identificação de formas de discriminação por ação ou omissão e, a busca de sua reparação judicial se for o caso. Logo, reconhecida a existência de pessoas ou grupos discriminados, impõe-se a ação do Estado para promover direitos por meio de ação afirmativa. A ação afirmativa, com fundamento no princípio do direito à igualdade, exige do Estado e da sociedade a construção de um ordenamento jurídico que mostre os fins sociais, a proteção dos valores da justiça social e do bem comum, de forma a implementar os comandos programáticos constitucionais do artigo 3º, inciso III da Constituição da República, visando a erradicar e reduzir as desigualdades sociais; promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV da Constituição da República); reduzir as desigualdades regionais e sociais (artigo 170, inciso VII da Constituição da República). Lembre-se que é atribuição comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, segundo o artigo 23, inciso X da Constituição da República, combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização e, especificamente, em relação às pessoas com deficiência, cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia de seus direitos. Ação afirmativa é, portanto, a adoção de um conjunto de medidas legais e de políticas públicas que objetivam eliminar as diversas formas e tipos de discriminação que limitam oportunidades de determinados grupos sociais. MODELOS DE AÇÃO AFIRMATIVA SEGUNDO AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS A partir da Convenção nº 111/OIT, passando pelas Convenções sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial, de 1965, e contra a mulher, de 1979, podem ser identificados três modelos de atuação do Estado para eliminar as diferentes formas de discriminação injusta, que se toma como modelos de ação afirmativa: 1º modelo. A adoção de política de ação afirmativa que concentra a sua ação em leis e regulamentos que proíbem condutas discriminatórias, criando mecanismos e instâncias judiciais para que as vítimas busquem a reparação; 2º modelo. O fenômeno da discriminação é abordado em termos mais amplos com o reconhecimento de que se produz num complexo sistema de relações e tem múltiplas manifestações. Considera-se a segregação do mercado de trabalho, podendo optar pela adoção de reserva de postos de trabalho (cotas), com a inclusão de medidas para recuperar os efeitos de discriminações havidas no passado contra um determinado grupo; 3º modelo. A política de ampliação de oportunidade reconhece que as desigualdades têm origem fora do mercado de trabalho e, portanto, sua incidência se processa de forma mais ampla, exigindo a adoção de serviços de apoio para enfrentar e recuperar as desigualdades dos grupos sociais discriminados em todas as áreas. Em nosso sistema prepondera a adoção do segundo modelo de ação afirmativa, prevista constitucionalmente, confirmada pela adoção de política nacional de proteção às mulheres (artigo 7º, inciso XX da Constituição da República) e pessoas com deficiência (artigo 37, inciso VIII da Constituição da República), e com políticas públicas instituídas e medidas legais de proteção e correção de distorções que afetam o acesso ao trabalho. A discriminação positiva para pessoas com deficiência tem eficácia nas leis que ordenam a reserva de cargos e empregos públicos na Administração Pública Direta e Indireta (Lei nº 8.112/90, artigo 5º), e de postos de trabalho no setor privado (lei nº 8.213/91, artigo 93). Ainda no campo dos tratados internacionais, sob a mesma diretriz da Convenção nº 111/OIT, foram edificadas na ONU duas importantes convenções, devidamente ratificadas pelo Brasil, que tratam da possibilidade de adoção medidas de ação afirmativa com a correspondente discriminação positiva. Ao mesmo tempo, as convenções em destaque introduzem a natureza temporal das medidas especiais ou de ação afirmativa, ou seja, devem deixar de existir quando alcançam os objetivos nelas traçados. Tratam-se das Convenções sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 23, de 21/junho/1967 e promulgada pelo Decreto nº 65.810, de 8/dezembro/1969, e Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher aprovada pelo Decreto Legislativo nº 26, de 22/junho/1994, ratificada em 1984 e promulgada pelo Decreto nº 4.377, de 13/setembro/2002: Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965 Artigo I 1. Nesta Convenção, a expressão discriminação racial significará qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública. 4. Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos. Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, de 1979 Artigo 1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Artigo 4º, item 1. A adoção pelos Estados-Partes de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não se considerará discriminação na forma definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira implicará, como consequência, a manutenção de normas desiguais ou separadas; essas medidas cessarão quando os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem sido alcançados. Identifica-se nas convenções sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher a invocação aos Estados-Parte para que atentem sobre a necessidade de as medidas de ação afirmativa, chamadas de especiais, terem eficácia temporal enquanto perdurarem as desigualdades. Significa que uma medida de discriminação positiva deve ter eficácia temporal definida, uma vez alcançados os objetivos. As convenções revelam o caráter temporário das ações afirmativas, e anteciparam-se ao atual conceito de inclusão social, tão bem delineado na CDPD, por exemplo, na área da educação de crianças e jovens para desde cedo conviver e progredir juntos com a diversidade humana. No início dos anos 90, o Brasil ratificou a Convenção nº 159/OIT, depois aprovada pelo Decreto Legislativo nº 51, de 25/agosto/89 e promulgada pelo Decreto nº 129, de 22/maio/91. A convenção sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes tem como objetivo a reabilitação profissional da pessoa com deficiência, de forma que ela venha a obter e conservar um emprego digno (Artigo 1, item 2). Ao mesmo tempo, a norma propõe a revisão periódica da política nacional sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas com deficiência (Artigos 2 e 3). Mais adiante, a convenção indica ao Estado-Parte que a ratificou que poderá estabelecer políticas de igualdade de oportunidades para os trabalhadores com deficiência que passam pela reabilitação profissional e, mediante legislação nacional e outros procedimentos, a aplicá-las com caráter de ação afirmativa: Convenção n° 159/OIT sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes, de 1983 Artigo 4 - Essa política deverá ter como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e os trabalhadores em geral. Dever-se-á respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos. No âmbito regional da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1999, compôs-se a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. A também chamada Convenção da Guatemala foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 198, de 13/junho/2001, ratificada no mesmo ano e promulgada pelo Decreto nº 3.956, de 9/outubro/2001, externa a preocupação com a discriminação em relação às pessoas em razão das suas deficiências e propõe medidas para preveni-las e eliminá-las (Artigo I). Considera o termo discriminação contra as pessoas com deficiência como sendo toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência que tenha o propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas com deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais: Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala) de 1999 Artigo I, item 2, alínea a - Toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. Em seguida, a Convenção da Guatemala trata de esclarecer sobre a possibilidade de o Estado adotar medida de discriminação positiva que considera necessária para alcançar a igualdade de oportunidades. Destaca ainda a ressalva de a pessoa com deficiência não estar obrigada ao tratamento diferenciado, podendo ou não optar por medidas de discriminação positiva, resguardando inteiramente a sua vontade pessoal. Igualmente aponta que para os casos em que haja necessidade de interdição de direitos da pessoa, esta não deverá ser encarada como discriminatória: Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala) de 1999 Artigo I, item 2, alínea b - Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração e interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação. A possibilidade de a ação afirmativa a ser adotada pelo Estado-Parte está reforçada no Artigo III e em consonância com o direito à igualdade e direito à acessibilidade. Referidas medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, são necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas com deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, podendo ser em forma de fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração, além de eliminação de barreiras: Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala) de 1999 Artigo III, item 1, alínea a - Medidas governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração; b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência; c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; A norma interamericana revela preocupações de fundo que refletem diretamente na vida da pessoa com deficiência, quando prioriza, além de medidas de prevenção de deficiências, a educação e formação ocupacional de forma a garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida (item 2, do Artigo III). Já para a CDPD a possibilidade de ação afirmativa tem lugar no próprio Artigo 5 que trata da igualdade e não discriminação. No item 4 propõe as medidas específicas para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência, repetindo-as quando edifica as regras para o trabalho e emprego nos setores público e privado, no Artigo 27, item 1, alíneas g, h: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 5 - Igualdade e não discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes deverão proibir qualquer discriminação por motivo de deficiência e garantir às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes deverão adotar todos os passos necessários para assegurar que a adaptação razoável seja provida. 4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não deverão ser consideradas discriminatórias. Artigo 27 - Trabalho e Emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] g) Empregar pessoas com deficiência no setor público; h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas; A eleição pelo Estado-Parte por adoção de medidas de ação afirmativa não poderia ser diferente porque as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade: Conclui-se que as ações propostas aos Estados Parte, por meio de atitudes afirmativas previstas nas normas internacionais expostas estão em harmonia com os princípios do direito à igualdade, acesso aos cargos e empregos públicos por meio do concurso público e mediante a reserva destinada à pessoa com deficiência. CAPITULO VI AÇÃO AFIRMATIVA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL EM CARGOS EM COMISSÃO DO GRUPO DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO SUPERIORES Com relação às medidas dirigidas às autoridades governamentais, tendo por objetivo eliminar as desigualdades, e que estão previstas em todos os documentos internacionais até aqui analisados, verifica-se no âmbito da Administração Pública Federal o compromisso do Estado brasileiro com as propostas internacionais. Refere-se à edição de norma dirigida ao administrador público federal que cria o programa nacional de ações afirmativas, por meio do Decreto nº 4.228, de 13 de maio de 2002, visando a atingir metas percentuais para pessoas com deficiência, afro-brasileiros e mulheres. O programa determina medidas administrativas e de gestão estratégica, sobre a definição de metas de participação de pessoas com deficiência em cargos em comissão do grupo de direção e assessoramento superiores, os quais, segundo a ressalva constitucional do item II, do artigo 37 estão dispensados de concurso público posto tratarem-se de funções de livre nomeação. Isso significa afirmar a pessoa com deficiência devidamente qualificada poderá também acessar as funções de livre nomeação de assessoramento superior, os quais, via de regra, são de maior visibilidade, responsabilidade e, consequentemente, com maior remuneração. As funções comissionadas que dispensam o concurso público e são ocupadas em caráter transitório por pessoa de confiança do administrador público (autoridade competente), ou as contratações temporárias para atender ao excepcional interesse público, segundo o comando do Decreto nº 4.228/2002, não podem passar ao largo de ação afirmativa com a obrigatória contratação de pessoas com deficiência, afro-brasileiros e mulheres. A norma se destina também ao administrador público que ao praticar atos de gestão passa a exigir daqueles que negociam com a administração pública federal o compromisso com a inclusão da pessoa com deficiência. É o que se percebe na determinação de que o beneficiário das transferências negociadas de recursos celebrados pela Administração Pública Federal também adira ao programa; ao estabelecer a rotina de melhor pontuar no processo de licitação os fornecedores e empresas prestadoras de serviços que comprovem a adoção de política interna idêntica em suas empresas, além de verificar o cumprimento da lei referente à reserva de postos de trabalho para pessoa com deficiência em empresas com cem ou mais empregados, na forma artigo 93 da Lei nº 8.213/1990. A partir das normas internacionais, da constitucionalização da ação afirmativa e do conteúdo do atual programa de ação afirmativa federal, entende-se que até mesmo as exceções previstas na Constituição da República para a composição de tribunais, no artigo 73, parágrafo 2º (Tribunal de Contas da União), artigo 94 (Tribunais Regionais Federais, dos Estados e do Distrito Federal), artigo 101 (Supremo Tribunal Federal), artigo 104, Parágrafo Único, inciso II (na Superior Tribunal de Justiça), artigo 107 (Tribunais Regionais Federais); artigo 111 (Tribunais do Trabalho), artigo 119 (Tribunais Eleitorais), e artigo 123 (Tribunais Militares) e aquelas que dispensam concurso público para os cargos de confiança ou comissionados (artigo 37, inciso V) e os de natureza temporária (artigo 37, inciso IX), necessariamente, devem ter a participação de pessoas com deficiência. QUARTA PARTE ACESSO A CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA CAPÍTULO VII RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PÚBLICOS. RESERVA DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS Os princípios constitucionais de acesso a cargos, empregos e funções públicas por brasileiros e estrangeiros que preencham os requisitos da lei, conforme o artigo 37, inciso I da Constituição da República, e de concurso público de provas ou de provas e títulos do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, decorrem do comando do direito à igualdade do artigo 5º, caput, da Constituição da República. A forma de acesso aos cargos e empregos públicos ocorre por meio de um processo de seleção pública em que se busca o melhor candidato, gerando, portanto, disputa e competição. Por isso, as regras devem estar claramente formuladas, de forma a dar conhecimento aos interessados quais são os órgãos obrigados ao concurso público; quais os cargos ou empregos públicos oferecidos e suas respectivas atribuições e tarefas; que obrigações têm os candidatos para acessar o concurso público e, qual é a reserva de cargos e empregos públicos destinada à pessoa com deficiência. O Supremo Tribunal Federal, desde 1993, na interpretação dos comandos constitucionais, redirecionou a conduta do administrador público da Administração Pública Direta e Indireta para a obrigatoriedade de realização de concurso público para a investidura em cargos e contratação em empregos públicos: Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 21.322-1 DF, Relator Ministro Paulo Brossard, Diário da Justiça de 22/outubro/1993. CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. ADMINISTRAÇAO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL. ACESSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO. A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, §1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição. Os parâmetros de investidura em cargos e empregos públicos por meio de concurso público e a determinação da reserva desses cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência, impõem a compreensão mínima das características, estrutura e organização das atividades da Administração Pública que, segundo Hely Lopes Meirelles (2001, p.59): em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. A Administração Pública deve estar organizada de forma a realizar todos os serviços que lhes estão afetos, com primado no interesse público, visando à satisfação dos direitos da coletividade. Estão obrigadas, segundo a Constituição da República, ao concurso público para provimento de seus cargos e empregos públicos aquelas entidades enumeradas no artigo 4º, do Decreto-lei nº 200, com a redação da Lei nº 7.596/1987. Essa mesma composição acabou sendo incorporada pela administração dos Estados e Municípios, ou seja, a Administração Pública Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios; a Administração Pública Indireta, que compreende as categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria como as autarquias, as empresas públicas; as sociedades de economia mista e as fundações públicas. A administração Pública Direta classificada como entidade estatal é composta por pessoas jurídicas que integram a estrutura constitucional do Estado: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com funções públicas especificadas em lei. A Administração Pública Indireta por sua vez é composta por pessoas jurídicas de direito público (autarquia, fundação, empresa pública e sociedade de economia mista), criadas por lei, com autonomia política, administrativa e financeira, para a realização de atividades, obras ou serviços que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 365), segundo as características principais, assim resume: 1. a autarquia é pessoa jurídica de direito público, o que significa ter praticamente as mesmas prerrogativas e sujeições da Administração Direta; o seu regime pouco difere do estabelecido para esta, aparecendo, perante terceiros, como a própria Administração Pública; difere da União, Estados e Municípios – pessoas públicas políticas – por não ter capacidade política, ou seja, o poder de criar o próprio direito; é pessoa pública administrativa, porque tem apenas o poder de autoadministração, nos limites estabelecidos em lei. 2. a fundação instituída pelo Poder Público caracteriza-se por ser um patrimônio, total ou parcialmente público, a que a lei atribui personalidade jurídica de direito publico ou privado, para consecução de fins públicos; quando tem personalidade pública, o seu regime jurídico é idêntico ao das autarquias, sendo, por isso mesmo, chamada de autarquia fundacional, em oposição à autarquia corporativa; outros preferem falar em fundações públicas ou de direito público; as fundações de direito privado regem-se pelo Direito Civil em tudo o que não for derrogado pelo direito público; 3. sociedade de economia mista é a pessoa jurídica de direito privado, em que há conjugação de capital público e privado, participação do poder público na gestão e organização sob forma de sociedade anônima, com as derrogações estabelecidas pelo direito público e pela própria lei das S.A. (Lei nº 6.404, de 15-12-76); executa atividades econômicas, algumas delas próprias da iniciativa privada (com sujeição ao art. 173 da Constituição) e outras assumidas pelo Estado como serviços públicos (com sujeição ao art. 175 da Constituição); 4. a empresa pública é pessoa jurídica de direito privado com capital inteiramente público (com possibilidade de participação das entidades da Administração Indireta) e organização sob qualquer das formas admitidas em direito. As autarquias desempenham atividades variadas, como as econômicas (Instituto do Açúcar e do Álcool), industriais (Imprensa Oficial), educacionais (Universidades), previdenciárias (INSS), reguladoras (agências: ANATEL, ANVISA, ANA, entre outras). Quanto ao rol de autarquias, o Supremo Tribunal Federal decidiu, pondo fim a antiga polêmica, que os conselhos de fiscalização profissional (exceção à Ordem dos Advogados do Brasil), caracterizam-se como autarquias, e como tal estão obrigados ao concurso público: Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário RE 539224/CE, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, 22/05/2012, DJe 15/06/2012. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CF. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA. FISCALIZAÇÃO. ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO. 1. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando da contratação de servidores. 2. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurídica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, ocasião na qual restou consignado que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. 3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026). 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: EMENTA: REMESSA OFICIAL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONSELHO PROFISSIONAL. NÃO ADSTRIÇÃO À EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO, PREVISTA NO ART. 37, II, DA CF. PROVIMENTO. I – Os conselhos profissionais, não obstante possuírem natureza jurídica autárquica conferida por lei, estão, no campo doutrinário, classificados como autarquias corporativas, não integrando a Administração Pública, mas apenas com esta colaborando para o exercício da atividade de polícia das profissões. Conclusão em que se aporta por carecerem aqueles do exercício de atividade tipicamente estatal, o que lhe acarreta supervisão ministral mitigada (art. 1º, Decreto-lei 968/69), e de serem mantidas sem percepção de dotações inscritas no orçamento da União. II – Aos entes autárquicos corporativos não são aplicáveis o art. 37, II, da Lei Maior, encargo exclusivo das autarquias integrantes da estrutura administrativa do estado, únicas qualificáveis como longa manus deste. III – Remessa oficial provida. Pedido julgado improcedente. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento. Integram a multifacetada organização do Estado os órgãos públicos, unidades com atribuições específicas e definidas em lei. Cada órgão detém cargos ou empregos públicos, funções e agentes (políticos ou administrativos). Segundo a proposta clássica (Meirelles, 2001, p. 64-65), os órgãos públicos são independentes ou primários quando definidos na Constituição da República e representantes dos Poderes do Estado como o Executivo (Presidente da República, Governadores de Estado, Prefeituras Municipais), Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias Legislativas) e Judiciário (Tribunais Superiores, Federais, Regionais, Estaduais e de Alçada, Varas da Justiça Comum e do Trabalho), além do Ministério Público Federal, Militar, Trabalho, Distrito Federal e Territórios, Estadual e Tribunais de Contas da União, Estados e Municípios, com atribuições constitucionais que são desempenhadas por seus membros (agentes políticos) e servidores (agentes administrativos organizados em carreira); autônomos, administrativa e financeiramente, em vista das características de direção, planejamento, supervisão, coordenação e controle das atividades de sua competência. Via de regra, expressam a vontade política do Governo (Ministérios, Secretarias de Estado e de Município, Advocacia-Geral da União); superiores integram os órgãos independentes e autônomos, com atribuições de caráter técnico e específicas de planejamento (gabinetes, secretarias, coordenadorias, departamentos e divisões); subalternos, resumem suas atribuições à execução de atos administrativos em cumprimento às decisões superiores, atendimento ao público. O cargo público, por sua vez, é o lugar, a lotação, na estrutura de um órgão contendo denominação própria e descrição das atribuições, bem como a previsão de vencimento correspondente. O cargo será provido e exercido por um titular ou agente público que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 431), adaptando os conceitos à Emenda Constitucional nº 18/1998, divide-o em categorias: a) os agentes políticos, tais como presidente, governador, prefeito, ministros, parlamentares, juízes, membros do Ministério Público; b) servidores públicos, compreendidos os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários (artigo 37, inciso IX, da Constituição da República) e os de cargo em comissão de livre nomeação e exoneração (artigo 37, inciso II, parte final, Constituição da República) contratados para o exercício de função, dispensado o concurso público, pois não se tratam de cargos efetivos; c) militares, abrangendo as Polícias Militares e Corpo de Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e Territórios, membros da Marinha, Exército e Aeronáutica; d) particulares em colaboração com o Poder Público, tais como os serviços notariais e de registro, leiloeiros, tradutores e intérpretes públicos. O emprego público, tal como o cargo público, é criado por lei, com denominação e atribuições próprias. Com o advento da Emenda Constitucional nº 19, passou a integrar o regime jurídico único destinado aos servidores públicos. O traço de diferença entre cargo e emprego público é de que o titular desse último vincula-se ao órgão da administração pública por meio de um contrato de trabalho, com a aplicação das disposições da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na forma do artigo 173, parágrafo 3º, inciso II, Constituição da República. A RESERVA REAL DE CARGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, AUTARQUIAS E FUNDAÇÕES X RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PUBLICOS A Constituição da República assegura a reserva de cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência, condicionando à lei a definição de critérios para a admissão (artigo 37, inciso VIII, da Constituição da República). Trata-se de comando constitucional a exigir regramento próprio para a sua plena execução, posto que de natureza contida. Para normas dessa natureza o legislador constituinte regulou suficientemente os interesses relativos à determinada matéria, mas deixou margem à atuação restritiva por parte da competência discricionária do poder público, nos termos que a lei estabelecer, ou nos termos de conceitos gerais nelas enunciados. A Lei nº 7.853, editada em 1989, resultado da ação do movimento de pessoas com deficiência da década de 80, trata da política nacional para a integração da pessoa com deficiência com a edificação de direitos condicionados à sua capacidade de integração. A tão almejada Lei nº 7.853, no entanto, não trouxe a necessária eficácia imediata a permitir a sua plena execução, relativamente à reserva de percentual de vagas em cargos e empregos públicos. Manteve-se no patamar de norma declaratória do pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas com deficiência, determinando a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho na administração pública e no setor privado e, por regulamento a organização de oficinas e congêneres integradas ao mercado de trabalho (artigo 2º, inciso III, letra d). Para o setor privado, dois anos após, em 1991, foi editada a Lei nº 8.213 que trata da reserva de postos de trabalho para os beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiências habilitadas em proporções de 2% a 5% em empresas com mais de 100 empregados e 1.001 em diante, cumprindo o mandamento do anteriormente citado artigo 2º, da Lei nº 7.853/1989. Portanto, no âmbito das relações privadas de trabalho há a reserva real de cargos. A Lei nº 8.112/90, conhecida como lei dos servidores públicos, disciplina parte do comando constitucional determinando que às pessoas com deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador, sendo-lhes reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso (artigo 5º, parágrafo 2º). Portanto, no âmbito das relações públicas não há reserva real de cargos. O legislador não fixou o percentual de reserva sobre o número total dos cargos e empregos públicos existentes em cada órgão. Esta reserva que também deve ser estabelecida para a Administração Pública por lei, propõe-se chamar de reserva real. Não está fixado na Lei nº 8.112/1990 o número de cargos destinados a pessoas com deficiência, de forma que em cada concurso público pudesse vir a ser preenchido e, com isso, cumprir a discriminação positiva do artigo 37, inciso VIII da Constituição da República, devidamente projetado no tempo. Referida discriminação positiva, como toda ação afirmativa, deve ser temporária. O exaurimento no tempo deve acontecer uma vez cumprido o objetivo de as pessoas alcançarem a condição de igualdade real. Essa é a natureza da ação afirmativa decorrente de normas internacionais de eliminação de discriminação contra a mulher e racial, admitindo-se, no entanto, o prolongamento da ação afirmativa no tempo se ficar comprovada a persistência da vulnerabilidade do grupo, tudo conforme observações gerais do Comitê de Assuntos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. O Supremo Tribunal Federal ao julgar recurso extraordinário 227.299-1 MG, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão, em 14/junho/2000, no qual se discutiam regras da Lei Complementar nº 9/1992, do Município de Divinópolis-MG, que dispunha sobre os 5% (cinco por cento) das vagas em concursos públicos para pessoas com deficiência, pronunciou-se, ainda que de forma dirigida à reserva de vagas no concurso público, quanto à necessidade de estabelecer no âmbito da administração pública a reserva de cargos e empregos públicos, tendo como pressuposto o total de cargos e empregos públicos: Registre-se, por fim, que o artigo 37, inc. VIII, da Carta Magna assegura aos portadores de deficiências percentual de cargos e empregos públicos na Administração, sendo, dessa forma, o número total de cargos e empregos o dado a ser considerado quando da abertura de concursos públicos, para a reserva de vagas a deficientes físicos. Ao reservar vagas no concurso até 20%, além de deixar margem excessiva para uma atuação discricionária do administrador, induz os legisladores estadual e municipal, que detém competência concorrente e suplementar, respectivamente, para a matéria (artigos 24, inciso XIV e 30, inciso II, da Constituição da República), a copiarem seu comando, não fixando também o número de cargos e empregos públicos destinados à pessoa com deficiência na Administração Pública Estadual e Municipal. A reserva real é obtida aplicando-se um percentual determinado, sobre o número efetivo de cargos existentes em cada órgão, como o fez, por exemplo, o Estado do Amazonas ao fixar a reserva de cargos no âmbito da Administração Pública Direta e Indireta em 5%, por meio da Lei nº 3.243/2008, de 02/04/2008. Assim também, o Distrito Federal ao determinar que os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional e, dos Poderes Legislativo e Executivo, devem reservar 20% (vinte por cento) dos seus cargos e empregos públicos para serem preenchidos por pessoas com deficiência, conforme o artigo 1º, da Lei nº 160/1991 (Os órgãos da administração direta, indireta e fundacional dos Poderes Legislativo e Executivo do Distrito Federal reservarão 20% (vinte por cento) dos seus cargos e empregos públicos para que sejam preenchidos por pessoas portadoras de deficiência). No entanto, referida norma foi alterada pela Lei Complementar nº 840/2011 que passou a ter a mesma previsão comum de vagas em concurso público. Não se argumente que a Lei nº 8.112/1991 ao prever a reserva de vagas em cada concurso público é mais benéfica aos candidatos com deficiência porque não restringe a reserva de um número determinado de cargos, sendo, portanto, mais abrangente e, com isso, admite um maior número de pessoas com deficiência. O argumento, no entanto, é um sofisma porque: i) os concursos públicos são onerosos para a Administração Pública e não ocorrem com a frequência necessária de forma a possibilitarem o provimento de cargos com um número representativo de pessoas com deficiência; ii) além de não dar a conhecer de antemão o número de cargos destinados às pessoas com deficiência, a falta da norma prevendo a reserva de vagas gera insegurança na sociedade e quebra o principio da simetria decorrente do comando constitucional da reserva de cargos e empregos públicos que foi recepcionado pelo setor privado na lei nº 8.213/1991, com natureza de norma de ordem pública, sobre um número definido de postos de trabalho; iii) dá margem à discricionariedade excessiva ao permitir ao administrador público escolher qual o percentual a ser fixado em cada concurso público, quase sempre sem elegê-lo por meio de critérios determinados que reflitam o dimensionamento real entre cargos disponíveis e cargos já preenchidos com pessoas com deficiência, por exemplo; iv) persiste a quebra do princípio da isonomia visto que os candidatos com deficiência classificados continuam a não ser nomeados porque o administrador público não aplica, ou aplica de forma insuficiente, as regras do regulamento federal. O percentual de reserva sobre os cargos no âmbito da Administração Pública deve ser fixado por lei, como o fez a Alemanha (Schwerbehindertergesetz) que obriga os empregadores públicos e privados a ocupar 6% (seis por cento) de seus postos com pessoas com deficiência grave sobre o número efetivo de funcionários. A deficiência considerada são as pessoas com redução de capacidade entre 30% e 50%. Em determinados setores públicos, como a polícia, alfândega e Ministério de Assuntos Exteriores, diante da eventual impossibilidade de se cumprir a reserva, mas visando a superar este obstáculo e cumprir o comando da lei, os departamentos se agrupam para formar grandes unidades. Já para o setor privado, incentiva-se a contratação por meio de jornada em tempo parcial (Thornton, 1998). Também a Irlanda e a Espanha e seus respectivos setores públicos reservam 3% dos postos de serviços para pessoas com deficiência (Conseil de l’Europe, 2003). Em Portugal a Lei nº 38/2004, determina a participação de pessoas com deficiência nos setores público e privado com reserva igual ou superior a 5%. FIXAÇÃO DAS VAGAS DO CONCURSO PÚBLICO A fixação de reserva até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas em concurso, conforme dispõe a Lei nº 8.112/1990, é um parâmetro que deve existir a cada certame público na Administração Pública Direta e Indireta. O candidato com deficiência concorrerá a todas as vagas do concurso público, dizia o revogado artigo 37, parágrafo 1º do Decreto nº 3.298/1999, que impunha ao administrador público seguir importante parâmetro legal para o momento de nomear os candidatos com deficiência classificados: reservar-lhes no mínimo 5% dos cargos a serem providos (todos os cargos), inclusive quando se tratar de um só cargo. Para tanto, utilizará de critérios estabelecidos no decreto regulamentador. O atual Decreto nº 9.508/2018, além de conferir o direito à inscrição, prevê a garantia de reserva mínima de 5% para o provimento de cargos efetivos e a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Essa previsão do regulamento permite afirmar que não mais podem ser estabelecidos percentuais de reserva abaixo de 5% ou seja, as reservas de vagas em todos os concursos públicos deverão ser de 5% até 20%, limite da Lei nº 8.112/1990. O critério de cálculo de vagas reservadas às pessoas com deficiência deve sempre se orientar pela máxima efetividade da norma constitucional, o que somente será atingido se, qualquer que seja o resultado da divisão entre o total de vagas oferecidas e o percentual reservado, que resulte em número fracionado, for elevado até o primeiro número inteiro subsequente (artigo 37, parágrafo 2º, Decreto nº 3.298/1999 – artigo 1º, parágrafo 3º do Decreto nº 9.508/2018). Assim, garantem-se as vagas das pessoas com deficiência. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal assim se manifesta: Supremo Tribunal Federal. RE 227.299-1 MG, Relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 14/junho/2000. De ter-se, em face da obrigatoriedade da reserva de vagas para portadores de deficiências, que a fração, a exemplo do disposto no Decreto nº 3.298/99, seja elevada ao primeiro número inteiro subsequente, no caso 01 (um), como medida necessária a emprestar-se eficácia ao texto constitucional, que, caso contrário, sofreria ofensa. O edital do concurso público deverá conter cláusula específica a respeito do número de cargos e da distribuição das vagas reservadas. O percentual que varia de 5% a 20% deve incidir sobre o total das vagas oferecidas. Significa afirmar, desde logo, que o administrador público não poderá “escolher” quais são os cargos que disponibilizará para pessoas com deficiência sob a alegação, comum e absolutamente equivocada, de compatibilidade da função à deficiência ou de cargos que exijam aptidão plena (ver a propósito o tema ACESSO A CARGOS E FUNÇÕES x ATRIBUIÇÕES COMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA x APTIDÃO PLENA DO CANDIDATO. Dizia-se em edições anteriores que se o quadro de carreira for estruturado em cargos e especialidades, a distribuição das vagas reservadas será feita proporcionalmente ao número de cargos em cada especialidade, de forma que para todos os cargos ou empregos públicos haja previsão explícita de reserva de vagas para pessoa com deficiência. Nesse aspecto o regulamento avançou com a abordagem expressa sobre a forma de aplicação do percentual mínimo de 5% sobre o total das vagas do edital para concurso público regionalizado ou estruturado por especialidades. Essa prática confere igual oportunidade dos candidatos com deficiência em relação aos demais candidatos sem deficiência, além de inibir o poder do administrador público de escolher e definir os cargos destinados para a reserva de pessoas com deficiência. Lembre-se sempre que é do candidato com deficiência o direito de escolher participar da competição para qualquer cargo, cujas atribuições considere ter condições de exercer, de acordo com um dos princípios da CDPD (Artigo 3, alínea a) de respeito à dignidade da pessoa e sua autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as suas próprias escolhas. A ressalva do inciso I, parágrafo 4º do artigo 1º do Decreto nº 9.508/2018, de que somente poderá ser aplicado o percentual mínimo de 5% da reserva de forma regionalizada ou por especialidade, se ficar demonstrado que esse proceder não acarreta redução do número de vagas reservadas, merece atenção e fiscalização do conteúdo do edital (ver a propósito o capítulo EDITAL DO CONCURSO PÚBLICO). Referido edital deverá trazer de forma expressa o número de vagas disponibilizadas para o certame, o quadro existente de especialidades e as vagas reservadas para candidatos com deficiência. A aplicação do percentual mínimo de 5% da reserva também deverá ocorrer nos casos de vagas remanescentes e para a formação de cadastro reserva e, a possibilidade de reversão de vagas reservadas em caso de inexistência de candidatos com deficiência inscritos e/ou aprovados. Agora com previsão específica no artigo 1º parágrafo 4º inciso II e parágrafo 5º do Decreto nº 9.508/2018, respectivamente. No caso de a Administração Pública disponibilizar uma só vaga no concurso público, deve antes aferir se já detém em seus quadros um número significativo de servidores com deficiência no cargo a ser provido, de forma que a reserva comandada constitucionalmente esteja sendo cumprida, ou venha a ser paulatinamente cumprida. Não tendo servidores ou empregados públicos com deficiência em parâmetros representativos razoáveis (lembre-se que ainda não dispomos de lei com reserva real de cargos e empregos públicos em cada órgão da administração pública direta), poderá destinar esta única vaga para a reserva à pessoa com deficiência. Nessa hipótese, o edital do concurso público deverá ser claro no sentido de que a única vaga disponibilizada se destina ao provimento de cargo da reserva de vaga da pessoa com deficiência. Caso contrário, é possível ao candidato sem deficiência prejudicado e que obteve êxito com o primeiro lugar na classificação geral garantir seu direito judicialmente, conforme o exemplo: Tribunal de Justiça de Pernambuco. 5ª Câmara Cível, Processo n° 49.931-8, Relator Desembargador Márcio Xavier, Diário da Justiça de 17/abril/2001. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇAO. DESOBEDIÊNCIA À ORDEM DE CLASSIFICAÇAO. CONCESSO DO WRIT. A nomeação do candidato classificado em segundo lugar, em concurso promovido para provimento de cargo público, afronta direito liquido e certo daquele classificado em primeiro lugar e que foi preterido na preferência para essa nomeação. Irrelevante, no caso, ser aquele portador de deficiência física, porquanto se trata de concurso público realizado para o preenchimento de uma única vaga e para o qual não houve reserva destinada a portador de deficiência. Concorrência dos candidatos em igualdade de condições. Obrigatoriedade de observância da ordem de classificação final. Recurso ex officio a que se nega provimento. Decisão unânime. A fixação da reserva de vagas em concursos públicos pelo administrador público atende ao comando constitucional inscrito no artigo 37, incisos I, II e VIII, da Constituição da República; à Lei nº 7.853/1989, artigo 2º, parágrafo único, que determina aos órgãos e entidades da Administração Pública Direta e Indireta o tratamento prioritário e adequado às pessoas com deficiência, e à LBI que no artigo 4º, parágrafos 1º e 2º fundamenta o direito de a pessoa com deficiência ser igual em oportunidades às demais pessoas, sem sofrer nenhuma espécie de discriminação: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação. § 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa. Lembre-se que o Administrador Público está jungido ao comando fundamental da não discriminação da pessoa com deficiência. Na pratica, ao tomar ou deixar de tomar medidas para efetivar o direito delineado na legislação, no caso o ato de reservar vagas em concurso público, pode configurar a discriminação institucional. O pressuposto da não discriminação da pessoa com deficiência é tão grave que a Lei nº 7.853/1989, no inciso II do artigo 8º, traz previsão expressa de conduta de crime ao tipificar e punir com reclusão de dois a cinco anos de prisão quem, obstar inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo ou emprego público, sendo que a pena por adoção de critérios subjetivos para o indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento do estágio probatório em concurso público não exclui a responsabilidade patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados, previsão essa introduzida pelo artigo 98 da LBI. Questão emblemática que emerge da reserva de vagas é a sua fixação equivocada por localidade (ou cidade), correspondente às unidades de funcionamento dos órgãos de lotação. O administrador público não poderá escolher a localidade para destinar as vagas (ou a vaga) reservadas para pessoas com deficiência, sob pena de ferir o princípio da não discriminação e igual oportunidade para todas as pessoas com deficiência. Lembre-se que a reserva deve ocorrer sobre o total de vagas ofertadas e, ainda que o quadro de carreira esteja estruturado em especialidades deverá destinar a reserva para cada cargo a ser provido, arredondando-se para o primeiro número inteiro subsequente se o resultado for fracionado. O concurso público tem a abrangência peculiar de cada órgão da Administração Pública Direta e Indireta, podendo ser nacional ou federal, estadual ou municipal. Estipular o local da destinação da reserva, sob qualquer argumento equivocado é discriminar a pessoa com deficiência. Isso porque, em todas as localidades (cidades) pode existir candidato com deficiência potencialmente habilitado e interessado em prestar o concurso público e, obtendo êxito, escolher ir para onde estiver o cargo a ser provido, devendo lá encontrar um ambiente acessível, previamente implementado pela Administração Pública. Os exemplos mais comuns de pratica desses equívocos são: não reservar vagas para pessoa com deficiência em determinadas cidades por supor que nelas há carência de profissionais com deficiência potencialmente habilitados para prestar concurso público; fixar a vaga em determinada localidade porque a unidade do órgão nessa respectiva cidade é adaptada ou não fixar vaga em determinada localidade porque a unidade do órgão é de difícil acesso, dentre outros. A fixação aleatória do percentual da reserva de vagas em cada concurso público pelo administrador público, deixando-lhe margem de liberdade para a decisão sobre o percentual a ser aplicado, cujas soluções estão entre 5% e 20%, continua a gerar insegurança jurídica e grave instabilidade entre candidatos. Referido percentual é quase sempre fixado no mínimo de 5% (percentual esse que é confundido pelo administrador público e que se trata do mínimo de 5% em face da classificação obtida para efeito de nomeação), mas não se conhece qual é o critério utilizado para tal escolha, ou qual é número efetivo de pessoas com deficiência nos quadros da Administração Pública para permitir fazer uma comparação com a reserva destinada ao setor privado, por exemplo. Ainda que se alegue estarem a favor do administrador público para a definição do percentual de vagas em cada concurso público os critérios de oportunidade, conveniência e equidade, justificados pelo princípio da discricionariedade, tal princípio, diante do comando constitucional da reserva de cargos públicos, deve ser relativizado. Isso porque, precede-o o fundamento constitucional de não discriminar pessoas com deficiência, devendo lhes ser criadas iguais oportunidades e, também, porque a norma de ordem pública determina o percentual de reserva até 20%, devendo ser cumprida em toda a sua extensão de forma a inserir nos quadros públicos pessoas com deficiência. Referido percentual de reserva de vagas no concurso público, ressalte-se, deve ser em valor máximo, e não mínimo como vem sendo praticado, diante do histórico de exclusão da pessoa com deficiência e do número significativo de cidadãos com deficiência contados oficialmente pelo IBGE (23,9% dos brasileiros) fora dos quadros da administração pública. No mais, sempre se desconhece o parâmetro que foi seguido para a tomada de decisão sobre determinado percentual: se efetivamente foi levado em conta o número de pessoas com deficiência já existente no quadro de pessoal do respectivo órgão; se foram considerados os dados estatísticos sobre o número de pessoas com deficiência habilitadas ou qualificadas, consideradas as informações das áreas de educação, formação profissional e mercado de trabalho para aquela região, por exemplo. Some-se a isto a incerteza normativa pela falta da reserva real, consistente no percentual de cargos e empregos de cada órgão, destinada à pessoa com deficiência. Daí porque a importância que toda a Administração Pública estabeleça uma meta percentual para a reserva de vagas nos concursos públicos de forma a mais rapidamente incluir em seus quadros pessoas com deficiência, objetivando efetivar o comando da discriminação positiva constitucional. A Administração Pública ao realizar concurso público deve ainda observar a reserva mínima de 5% das vagas oferecidas, em face à classificação obtida pelo candidato com deficiência. O balizamento a ser utilizado para a nomeação será obviamente a ordem de classificação, observando-se que a convocação obedecerá aos critérios da alternância e da proporcionalidade entre a lista geral e a lista especial em relação ao número de vagas oferecidas e o número de cargos a serem providos (ver a propósito o tema no capítulo NOMEAÇÃO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL COM CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA OU LISTA ÚNICA?). A fórmula ideal para toda a Administração Pública é ter lei específica de maneira a estabelecer a reserva de cargos públicos destinados à pessoa com deficiência, tendo por base o percentual fixo a incidir sobre o número total de cargos existentes no quadro de carreira de cada órgão, a reserva real. PARÂMETROS INDISPENSÁVEIS PARA A CORRETA FIXAÇÃO DA RESERVA DE VAGAS EM CONCURSOS PÚBLICOS Considerando as exigências constitucionais e legais existentes, destacam-se três parâmetros indispensáveis para a correta fixação da reserva de vagas em concursos públicos a serem aplicados pela Administração Pública Direta, Autarquias e Fundações, observados os princípios que regem os atos da Administração Pública: a) Assegurar o direito de inscrição das pessoas com deficiência para todas as vagas do concurso público e garantir a nomeação dos candidatos classificados nos cargos a serem providos, organizados ou não em quadro de carreira. b) Estabelecer o percentual da reserva de vagas em cada concurso público, considerada a totalidade dos cargos públicos - observado o mínimo de 5% até 20% - optando por percentuais mais elevados (que 5%) e definidos a partir de critérios objetivos como o número de cargos providos com servidores com deficiência em relação ao total de servidores; c) Estabelecer uma meta percentual de reserva de vagas em cada concurso público visando ao provimento dos cargos por pessoas com deficiência em número representativo aos dados estatísticos oficiais de forma a igualar as oportunidades entre todos. d) Encaminhar proposta de lei com reserva de cargos públicos destinados à pessoa com deficiência, tendo por base percentual fixo a incidir sobre o número total de cargos existentes no quadro de carreira de cada órgão, a reserva real. CAPÍTULO VIII RESERVA DE EMPREGOS PÚBLICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA E EMPRESAS PÚBLICAS A Administração Pública Indireta é constituída por sociedades de economia mista e empresas públicas, ou genericamente designadas de empresas estatais. As empresas ao explorarem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços devem se orientar nas regras previstas no artigo 173, parágrafo 1º, incisos I a V, da Constituição da República. Assim, a lei deve estabelecer seus estatutos jurídicos dispondo claramente sobre: a função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; a sujeição às regras gerais aplicáveis à Administração Pública quanto à licitação e contração de obras, serviços, compras e alienações; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal e a participação dos acionistas minoritários e, o tempo dos mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. As imposições constitucionais para a constituição e o funcionamento das empresas da Administração Pública Indireta, acrescidas da exigência de aprovação prévia de seus empregados em concurso público (artigo 37, inciso II da Constituição da República), a obediência ao teto remuneratório dos servidores públicos (artigo 37, inciso XI da Constituição da República), a proibição de acumulação remunerada de cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso XVII da Constituição da República) e a criação de empregos públicos e o aumento de sua remuneração (artigo 61, parágrafo 1º, alínea a da Constituição da República) caracterizam o regime jurídico misto. Para o propósito da fixação da reserva de vagas em concurso público, vale o que já asseverou o Ministro Paulo Brossard ao relatar o mandado de segurança nº 21.322-1 DF, publicado no Diário da Justiça de 22/ outubro/1993: “o regime tributário de tais entidades e o regime jurídico de seu pessoal, não excepciona a regra geral do art. 37, inc. II”, da Constituição da República. Sobre as sociedades de economia mista e empresas públicas incidem os comandos constitucionais de preenchimento de empregos públicos por meio de concurso público, sendo que a nomeação do empregado público se formaliza por meio do contrato de trabalho e, efetiva-se com a aplicação da legislação trabalhista, ou seja, com a anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social. Assim, os empregados públicos vinculam-se à Administração Pública Indireta por meio do regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo-lhes aplicados os princípios que regem os contratos de trabalho. A questão fundamental é definir, a partir desse duplo enfoque e regência de regras da Administração Pública e das relações privadas de trabalho, que a reserva de empregos públicos que se destina às pessoas com deficiência é a mesma aplicada às empresas privadas, ou seja, a do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991. A Lei nº 8.213/1991que trata do Plano de Benefícios da Previdência Social conceitua, no artigo 14, como empresa a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional. O empregado e segurado obrigatório da Previdência Social é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado (artigo 11 da Lei nº 8.213/1991). Assim, aplica-se a reserva real do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991às empresas públicas e sociedades de economia mista, reserva esta que é obtida segundo a aplicação do percentual variável de 2% a 5%, observada a progressão do número de empregados, a partir de 100 a 1.001 em diante: Lei n° 8.213/1991 Art. 93 A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: I- até 200 empregados 2% II- de 201 a 500 empregados 3% III- de 501 a 1.000 empregados 4% IV- de 1.001 diante 5% Utilizando-se como exemplo para a incidência do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, um parâmetro histórico de submissão à reserva de empregos públicos pelo Banco do Brasil (à época sem o devido cumprimento), verifica-se que a sociedade de economia mista, em 2002, possuía 78.375 empregados em seus quadros em todo o Brasil. Portanto, aplicado o percentual de 5%, na forma do inciso IV, do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, sobre o total de seus empregados públicos concursados, 3.919 deles deveriam ser empregados com deficiência em postos de trabalho distribuídos em todo o território nacional (a fonte do total de empregados do Banco do Brasil em 2002 é o Relatório de Inspeção do Núcleo de Combate à Discriminação no Trabalho da Delegacia Regional na Paraíba, datado de 17/12/2002, subscrito pela Auditora-Fiscal do Trabalho Taciana Melo Pereira, atendendo a uma requisição do Ministério Público do Trabalho no Estado da Paraíba). A aferição da reserva real para as empresas estatais (empresas públicas e sociedade de economia mista) ocorre sobre o total do quadro de pessoal da empresa, observadas todas as carreiras existentes, devendo ser aferida em âmbito nacional, estadual ou municipal, se for o caso. Como as empresas estatais sujeitam-se às regras do concurso público consubstanciadas na Lei nº 8.112/1990 e no Decreto nº 3.298/1999, valem todos os parâmetros de elaboração de edital, inscrição do candidato com deficiência, tratamento diferenciado, adaptação das provas e do curso de formação, formação e publicação das listas geral e especial, conforme tratado na parte referente ao CONCURSO PÚBLICO. Duas questões do rito do concurso público, no entanto, diferem em aplicação e incidência das normas para as sociedades de economia mista e empresas públicas, em vista do peculiar regime jurídico misto, sobre o qual pesa a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos trabalhistas (artigo 173, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição da República): a fixação do percentual de reserva das vagas em cada concurso público e a aplicação da lista geral e especial para a nomeação. A interpretação lógica dos comandos constitucionais e legais indica não ser necessária a definição de reserva de vagas em cada concurso público de até 20%, na forma do artigo 5º, da Lei nº 8.112/1990, porquanto as empresas estatais têm um número definido de contratações a fazer para atender a reserva real de cargos da Lei nº 8.213/1991, norma de ordem pública de cumprimento obrigatório. Assim, os candidatos com deficiência classificados devem ser incontinenti contratados para comporem a reserva do artigo 93 da Lei nº 8.213/91, a reserva real. Para tanto, é fundamental que o edital de concurso público de empresas públicas e sociedades de economia preveja o número definido de empregos públicos (postos de trabalho) destinados para a reserva de pessoas com deficiência, de maneira a se aproximar, a cada concurso público, do cumprimento do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991. Nesse aspecto, não ocorre a colisão com as normas e princípios que regem a Administração Pública, visto prevalecer o comando constitucional da ação afirmativa que busca na reserva, prevista em lei ordinária, a igualdade material e a própria obrigação do cumprimento da reserva, cuja natureza da norma é de ordem pública. O Decreto nº 9.508/2018 é positivo ao esclarecer já no artigo 1º parágrafo 2º que ficam reservadas às pessoas com deficiência os percentuais de cargos de que trata o artigo 93 da Lei nº 8.213/1991. O novo regulamento contempla o comando da decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que julgou, em 2016, a representação oferecida pelo Ministério Público de Contas no processo 003.839/2015-0 para que (para a Caixa Econômica) não mais adote reserva de vagas em concursos públicos e adote convocação prioritária de candidatos com deficiência classificados, de maneira a cumprir a lei de ordem pública. A regra, portanto, é atender à nomeação dos candidatos com deficiência classificados, conforme está desenrolado no Capítulo referente NOMEAÇÃO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL COM CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA OU LISTA ÚNICA?. Excepcionalmente, em caso de as empresas estatais já cumprirem a reserva prevista na lei, são aplicados os mesmos pressupostos de fixação de reserva de vagas no concurso público e a correspondente forma de contratação observadas as listas geral e especial (ver a propósito o tema NOMEAÇÃO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL COM CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA OU LISTA ÚNICA?). A reserva de postos de trabalho também incide sobre os processos seletivos para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745/1993, observadas as balizas da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3237/DF, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado DJ de 19/08/2014. Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade 3237/DF, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado DJ de 19/08/2014 EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 37, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.745/1993. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. PROFESSORES SUBSTITUTOS. HOSPITAL DAS FORÇAS ARMADAS. PROGRAMAS SIVAM E SIPAM. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE 1. Nos casos em que a Constituição Federal atribui ao legislador o poder de dispor sobre situações de relevância autorizadoras da contratação temporária de servidores públicos, exige-se o ônus da demonstração e da adequada limitação das hipóteses de exceção ao preceito constitucional da obrigatoriedade do concurso público. 2. O legislador, ao fixar os casos autorizadores da contratação de professores substitutos, atendeu à exigência constitucional de reserva qualificada de lei formal para as contratações temporárias. Improcedência da alegada inconstitucionalidade do inciso IV e do § 1º do art. art. 2º da Lei 8.745/1993, com a redação dada pela Lei 9.849/1999. 3. Contudo, ao admitir genericamente a contratação temporária em órgãos específicos, o legislador permitiu a continuidade da situação excepcional, sem justificativa normativa adequada. Conveniência da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, reconhecida a peculiaridade das atividades em questão. 4. Ação julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme à Constituição às alíneas “d” e “g” do inciso VI do art. 2º da Lei 8.745/1993, com a redação dada pela Lei 9.849/1999, a fim de que as contratações temporárias por elas permitidas para as atividades finalísticas do Hospital das Forças Armadas e desenvolvidas no âmbito dos projetos do Sistema de Vigilância da Amazônia SIVAM e do Sistema de proteção da Amazônia – SIPAM só possam ocorrer em conformidade com o art. 37, inciso IX, da Constituição da República, isto é, no sentido de que as contratações temporárias a serem realizadas pela União nos referidos casos apenas sejam permitidas excepcionalmente e para atender a comprovada necessidade temporária de excepcional interesse público nas funções legalmente previstas. A Corte limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para que só incidam um ano após a publicação da decisão final desta ação no Diário Oficial da União quanto à alínea “d” e, quanto à alínea “g”, após quatro anos. PARÂMETROS INDISPENSÁVEIS PARA A CORRETA FIXAÇÃO DA RESERVA EM CONCURSOS PÚBLICOS O edital do concurso público a ser realizado por empresas públicas e sociedades de economia mista deverá conter os seguintes parâmetros em relação à fixação da reserva dos empregos públicos: a) assegurar o direito de inscrição das pessoas com deficiência a todos os empregos públicos, organizados ou não em quadro de carreira, disponibilizados em cada concurso público; b) aplicar a reserva real de empregos públicos na forma do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, de 2% a 5% para empresas com mais de 100 (cem) empregados; c) estabelecer que os candidatos com deficiência classificados serão incontinenti contratados para os empregos públicos reservados, de forma a cumprir a reserva prevista no artigo 93 da Lei nº 8.213/1991; d) manter o cadastro reserva com candidatos com deficiência de maneira a atender a contratação de trabalhador em condição semelhante decorrente de demissões ou aposentadorias de empregados com deficiência. MANUTENÇÃO DA RESERVA. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADOR COM DEFICIÊNCIA OU BENEFICIÁRIO REABILITADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de noventa dias, e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social, conforme a nova redação da LBI para o parágrafo 1º, do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991. O empregador, no caso a empresa pública ou sociedade de economia mista, que no curso do contrato vier a rescindir o contrato do empregado público com deficiência deve obedecer ao parâmetro definido no artigo 93, parágrafo 1º, da Lei nº 8.213/1991, contratando outro empregado público com deficiência. Por esta razão condicionante é que há necessidade de as empresas públicas e sociedades de economia mista, que compõem a Administração Pública Indireta, manterem cadastro reserva com candidatos com deficiência concursados. Lembre-se que é possível realizar concursos públicos somente para a constituição de cadastro reserva, aos quais se aplicam igualmente as regras do regulamento sobre concurso público. O critério da Lei nº 8.213/1991, além instituir a ação afirmativa com a reserva de empregos públicos para a pessoa com deficiência ou trabalhador beneficiário reabilitado, é fixar mecanismo de preservação da reserva por meio de uma forma peculiar de “garantia de emprego” para pessoas com deficiência e/ou beneficiário reabilitado da Previdência Social. Essa garantia de emprego, no entanto, não é dirigida a um indivíduo com deficiência, mas a uma situação em particular – a condição da deficiência -, na qual o interesse a ser resguardado diz respeito à coletividade de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social. Seguindo o comando constitucional do artigo 173, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição da República, no sentido de que as empresas públicas e sociedades de economia mista estão obrigadas ao cumprimento da legislação previdenciária e trabalhista, a regra para a dispensa ou contratação de empregado público com deficiência, elencada no parágrafo 1º, do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991, tem desdobramento importante quanto ao direito de o administrador público rescindir o contrato de trabalho de empregados com deficiência. No âmbito das relações de trabalho a faculdade de dispensar o trabalhador com e sem deficiência, rescindindo unilateralmente seu contrato de trabalho, é chamado direito potestativo. Portanto, é possível a dispensa sem justa causa do empregado de empresas públicas e sociedades de economia mista, sem a exigência de formalização do ato da dispensa, pois o empregado público não está abrigado à estabilidade prevista no artigo 41 da Constituição da República. Assim já se pronunciou o Tribunal Superior do Trabalho (TST), na súmula nº 390: II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988 (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20/junho/2001). Ressalva deve ser feita se a dispensa do empregado público com deficiência implicar em redução do percentual de reserva, significando que o administrador público não poderá rescindir o contrato firmado enquanto não tiver condições de contratar outro candidato com deficiência. Se ainda assim o administrador público optar por rescindir o contrato, sem proceder à nova contratação de empregado em condição semelhante, a dispensa será considerada nula, nos termos do artigo 9º, da CLT, a exigir a reintegração do empregado público demitido ao emprego com a percepção de salários e vantagens. Esse é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho: Tribunal Superior do Trabalho. RR- 646.255/2000–2ª Região, 3ª Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, Diário da Justiça de 04/abril/2003. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. SUCESSÃO. Deferido o pedido de exclusão da lide do Banco do Estado do Rio de Janeiro, fica prejudicada a análise da preliminar. PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO E CONSECTÁRIOS. DEFICIENTE FÍSICO. GARANTIA SOCIAL. PARÁGRAFO 1º DO ARTIGO 93 DA LEI Nº 8213/91. A Lei nº 8213/91 regulamenta os Planos de benefícios da Previdência Social, enquanto o artigo 93 está inserido na Subseção II, relativa à habilitação e reabilitação profissional. O “caput” do artigo 93 prevê a fixação da proporção do número de vagas, nas empresas, para empregados reabilitados e portadores de deficiência, estando, portanto, o parágrafo 1º vinculado ao “caput”. A norma está inserida em um contexto jurídico, como um conjunto de atos que visa a manter o percentual de vagas para portador de deficiência e reabilitados, ao condicionar a dispensa de um empregado nessas condições à contratação de outro em condições semelhantes. Constata-se que o dispositivo procura manter o número de vagas ao condicionar a contratação de substituto em condição semelhante, criando, assim, uma garantia não individual, mas social. O empregador tem limitado seu direito potestativo de dispensar o deficiente físico ou reabilitado profissionalmente, pois condicionado o exercício desse direito à contratação de outro empregado em condições semelhantes. Conforme registrado pelo Regional, o Reclamado, apesar de ter alegado, não comprovou o adimplemento da condição limitadora do exercício do direito potestativo de dispensar o empregado deficiente físico. Recurso não conhecido, por não configurada violação dos artigos 5º, incisos II e XXXVI e 7º da Constituição da República, bem como do § 1º do artigo 93 da Lei nº 8213/91. [...] Diante da hipótese de utilizar o direito de rescindir o contrato de trabalho do empregado público com deficiência, o administrador público deve, a cada concurso que realizar, prevenir-se adotando o cadastro reserva de candidatos com deficiência. Ao mesmo tempo, deverá definir com rigor, na forma do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991, a reserva de cargos, porquanto em caso de rescisão do contrato de trabalho do empregado com deficiência, deverá contratar, necessariamente, outra pessoa com deficiência ou beneficiário reabilitado. Por fim, ressalte-se que a exigência da “condição semelhante” da anterior redação dizia respeito ao conceito amplo de deficiência, e não como propõem alguns de que se o empregado dispensado tiver deficiência física, só poderá, por exemplo, ser substituído por outra pessoa com deficiência física. QUINTA PARTE CONCURSO PÚBLICO CAPÍTULO IX EDITAL DO CONCURSO PÚBLICO A concepção de concurso público, segundo Hely Lopes Meirelles (2001, p. 403-404) é ser o: meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II da CF. Os princípios constitucionais norteadores do concurso público – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência -, não se submetem “a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias, fundadas em razões de pragmatismo governamental” (Ministro Celso de Mello ao comentar a defesa da Constituição (2004, p. 7) no preâmbulo da obra de Alexandre de Moraes). A tônica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao analisar os mais variados temas, é seguir as condições estabelecidas no edital de concurso público, desde que não firam as normas de regência respectivas: Supremo Tribunal Federal. RE nº 192.568/PI, Segunda Turma, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário da Justiça de 13/setembro/1996. CONCURSO PÚBLICO - EDITAL - PARÂMETROS - OBSERVAÇÃO. As cláusulas constantes do edital de concurso obrigam candidatos e Administração Pública. Na feliz dicção de Hely Lopes Meirelles, o edital é lei interna da concorrência. CONCURSO PÚBLICO - VAGAS - NOMEAÇÃO. O princípio da razoabilidade é conducente a presumir-se, como objeto do concurso, o preenchimento das vagas existentes. Exsurge configurador de desvio de poder, ato da Administração Pública que implique nomeação parcial de candidatos, indeferimento da prorrogação do prazo do concurso sem justificativa socialmente aceitável e publicação de novo edital com idêntica finalidade. ‘Como o inciso IV (do artigo 37 da Constituição Federal) tem o objetivo manifesto de resguardar precedências na sequência dos concursos, segue-se que a Administração não poderá, sem burlar o dispositivo e sem incorrer em desvio de poder, deixar escoar deliberadamente o período de validade de concurso anterior para nomear os aprovados em certames subsequentes. Fora isto possível e o inciso IV tornar-se-ia letra morta, constituindo-se na mais rúptil das garantias’ (Celso Antonio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, página 56). Supremo Tribunal Federal. RMS nº 22.389/SP, Segunda Turma, Relator Ministro Maurício Corrêa, publicado no Diário da Justiça de 29/novembro/96. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. ATRASO DE CANDIDATO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O atraso de candidato, quando já iniciada a aplicação da prova, implica na impossibilidade de sua participação no certame. Edital do Concurso: norma interna de observância obrigatória. 2. Não restou configurada lesão ao princípio constitucional da isonomia, porquanto a decisão baseou-se no fato de que nenhum direito assiste a candidato retardatário. 3. Ausência da precisa indicação de dispositivo constitucional ou legal que teria sido violado para assegurar eventual direito. Recurso a que se nega provimento. Supremo Tribunal Federal. MS nº 21.148/DF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Octavio Gallotti, publicado no Diário da Justiça de 6/abril/2001. Aprovação em concurso público para o cargo de Analista de Finanças e Controle Externo do Quadro Permanente da Secretaria Geral do Tribunal de Contas da União. Legalidade da exigência, para a investidura, da prova do reconhecimento do curso superior correspondente ao diploma cuja posse é requisito estabelecido pelas normas do processo seletivo. Mandado de segurança, por maioria, indeferido. O estabelecimento de normas gerais e os critérios para a autorização e realização de concursos públicos, no âmbito da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, é da competência do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, conforme o Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009. Esse regulamento foi revogado pelo Decreto nº 9.739, de 28 de março de 2019 que passa a estabelecer medidas de eficiência organizacional para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, normas sobre concursos públicos e dispor sobre o Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal (SIORG). Segundo o Decreto nº 9.739/2019 as propostas de atos que tratem das matérias concernentes ao concurso público são delegadas ao Ministério da Economia, cuja proposta deve conter desde o perfil esperado dos candidatos para o desempenho das atividades do cargo e a descrição dos processos de trabalho até a demonstração de que os serviços que justificam a realização do concurso público não podem ser prestados por meio da execução indireta de que trata o Decreto nº 9.507, de 21 de setembro de 2018. O edital de concurso, segundo o novel artigo 42 e a jurisprudência formada ao longo do tempo, deve conter previsão específica para todos os candidatos com e sem deficiência, de modo a identificar e delimitar o seu objeto principalmente sobre: a) a identificação da instituição realizadora do certame e do órgão ou da entidade que o promove e a menção ao ato ministerial que autorizou a realização do concurso público; b) o número total de cargos ou empregos públicos existentes no respectivo órgão; c) o número de cargos ou empregos públicos já preenchidos por servidores e/ou empregados públicos com deficiência, respectivamente; d) o número de cargos ou empregos públicos disponibilizado para o concurso público; e) o número de cargos reservados no concurso público para as pessoas com deficiência e os critérios para sua admissão, em consonância com o disposto no art. 44 do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999, e no Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018; f) a denominação do cargo ou emprego público, a classe de ingresso e a remuneração inicial; g) a indicação do nível de escolaridade exigido para a posse no cargo público; h) a enunciação precisa das disciplinas das provas e dos eventuais agrupamentos de provas; i) a indicação das prováveis datas de realização das provas; j) a descrição das atribuições e tarefas dos cargos e empregos públicos disponibilizados; k) a fixação de prazo para o atendimento diferenciado, consistente em acessibilidade das provas, mediante adaptação adequada com tecnologia assistiva para as necessidades do candidato com deficiência, inclusive do curso de formação e do estágio probatório; l) o período, o local, o valor da inscrição e os requisitos de isenção da taxa de cobrança; m) a documentação a ser apresentada no ato de inscrição, inclusive a avaliação biopsicossocial do candidato com deficiência (antigo laudo médico); n) a obrigatoriedade de o candidato informar sobre a utilização de próteses, aparelhos ou equipamentos que usualmente utiliza a serem colocados para a avaliação do sistema de segurança do concurso; o) a constituição de equipe multiprofissional para prestar apoio em todas as fases do concurso público, inclusive durante o estágio probatório. p) a quantidade de etapas do concurso público, com indicação das respectivas fases, seu caráter eliminatório ou eliminatório e classificatório e indicativo sobre a existência e as condições do curso de formação, se for o caso; q) a publicação dos resultados observadas as listas geral com todos os candidatos e a especial com os candidatos com deficiência; r) o prazo de validade do concurso, podendo ser de até um ano, prorrogável por igual período, contado da data de publicação da homologação do concurso; s) a reversão da vaga reservada em caso de não existir candidato com deficiência classificado; t) o concurso público ser destinado para a formação de cadastro reserva, se for o caso. Cada item obrigatório relacionado ao direito da pessoa com deficiência que constar do edital de concurso público é indicativo do cumprimento das normas de regência e, revela também o compromisso do administrador público com a transparência da tomada da decisão, por exemplo, de fazer valer o princípio constitucional da reserva de cargos e empregos públicos e a justificada opção pelo percentual de reserva de vagas para o determinado certame público. E assim também é em relações a todos os demais itens obrigatórios que levam à efetividade do princípio da isonomia e não discriminação em relação aos candidatos com deficiência. O ponto culminante de um concurso público é a nomeação do candidato para os cargos públicos e/ou a contratação para os empregos públicos. Antes, porém, exige-se o cumprimento de um conjunto de formalidades que atendam aos preceitos legais que garantem a igualdade de tratamento e oportunidades para o candidato com deficiência. O edital de concurso público constitui-se no documento fundamental do certame, é a sua lei interna e vincula reciprocamente a Administração Pública e o candidato. Nele encontram-se envolvidos atos preparatórios e contínuos a indicar um procedimento, cuja legalidade é indispensável, pena de não validade dos atos praticados. A ampla publicidade ao edital, especialmente no Diário Oficial, é regra absoluta, pena de nulidade. Ao tratar da nulidade de editais de licitação, perfeitamente aplicável aos editais de concurso público, Celso Antônio Bandeira de Mello (2001, p. 525), afirma que: a qualquer tempo, qualquer cidadão (o que inclui o licitante) pode exercer direito de petição aos Poderes Públicos, ‘em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder’ (art. 5º, XXXIV, ‘a’, da Constituição Federal), e a Administração, diante de alguma invalidade do edital, não terá outra alternativa senão anular o certame. Há determinados atos que se praticados em relação aos candidatos com deficiência no decorrer do concurso público não permitem o reconhecimento de efeito jurídico válido e impedem a sua convalidação, pois se tratam de vícios que alteram o resultado final do concurso e das nomeações decorrentes. Dentre outros, citam-se os atos que, por desrespeitarem as normas de regência, ferem princípios e normas constitucionais garantidoras dos direitos das pessoas com deficiência: a) não respeitar o princípio da legalidade (artigos 5º, inciso II e 37, caput, da Constituição da República); b) violar o princípio do direito à igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição da República) e do qual decorre o princípio da igualdade de oportunidade, previsto atualmente de forma expressa no Artigo 3, letra e da CDPD, e no artigo 4º, da Lei nº 13.146/2015); c) discriminar a pessoa com deficiência em relação a critérios de admissão (artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição da República) e em razão e sua deficiência (Artigo 2, da CDPD e artigo 4º, parágrafo 1º, da Lei nº 13.146/2015); d) não prever o percentual da reserva de cargos (artigo 37, inciso VIII, da Constituição da República) e de vagas em cada concurso público (artigo 5º da Lei nº 8.112/91; e) não disponibilizar os elementos de acessibilidade, inclusive a adaptação razoável (Artigos 2 e 9 da CDPD e artigo 4º da Lei nº 13.146/2015). Excepcione-se o administrador público que, no curso de um certame público reconhece a utilização de critérios que não atendem à legislação, e revê seus atos adotando parâmetros para alterá-los na conhecida fórmula da Súmula 473/STF: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos [...]. É o exemplo do Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado entre o Ministério Público Federal e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, em 28 de julho de 2004 e homologado perante o Juiz da 6ª Vara Federal-SP, contendo onze cláusulas que ajustam a conduta do compromissário à legislação que disciplina a matéria a respeito da reserva de vagas em concurso público para pessoa com deficiência. As principais cláusulas do compromisso são: obrigação de classificar o dobro de candidatos com deficiência que obtiveram a nota mínima (item 5); garantir a reserva em próximos concursos, não utilizando o critério cargo/cidade; publicar o resultado final em duas listas e convocar os candidatos de forma alternada e proporcional (item 7); garantir em concurso vindouro o percentual de 10% das vagas para pessoas com deficiência e nos subsequentes a 5% (item 8): 3. Tendo em vista a interpretação adotada nos editais referente à atribuição de vagas a pessoas com deficiência e visando alterá-la, o compromissário obriga-se a retificar o edital de homologação INCRA/SA/nº 004, acima mencionado, ampliando o número de vagas oferecidas para as pessoas com deficiência. Para tanto obriga-se a garantir, com a publicação de edital retificando o anterior, a existência de vagas reservadas para candidatos com deficiência que obtiverem a nota mínima necessária à aprovação no certame, nas mesmas localidades ofertadas aos demais candidatos. A investidura em cargo ou emprego público depende da aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego (artigo 37, inciso II, Constituição da República) podendo ser realizado em etapas, composto de diferentes fases. A primeira etapa pode ser composta de uma ou mais fases: prova de conhecimentos gerais e específicos de caráter eliminatório e classificatório, podendo-se incluir a avaliação de títulos, de cunho classificatório. Na primeira etapa pode ainda ser realizada prova de esforço físico ou de outras habilidades para a seleção de candidatos a cargos ou empregos públicos, desde que as atribuições de tais cargos e empregos públicos assim exijam, naqueles exemplos típicos de policiais, bombeiros, bailarinos, dentre outros. Não serão admitidos exames psicotécnicos prévios ao concurso de provas que objetivam encontrar o perfil adequado do candidato ao cargo ou emprego público, pois como propõe Celso Antonio Bandeira de Mello (1991, p.67), tais exames devem ser rejeitados porque violam “a necessária objetividade inerente à razão de ser dos princípios da acessibilidade e do concurso público”. A avaliação da capacidade (física, emocional, sensorial, produtiva e outras) do candidato só terá validade, após a realização das provas ou exames, e deverá ocorrer, exclusivamente, no curso do estágio probatório. A segunda etapa pode ser constituída do curso de formação e tem eficácia eliminatória. O candidato que participar dessa etapa deve, necessariamente, ser convocado por edital. Deixando de comparecer será naturalmente eliminado. A classificação do candidato pode ser feita separadamente em cada etapa ou pela soma dos pontos obtidos nas duas etapas do concurso. A publicação do resultado final do concurso público deve ser divulgada em Diário Oficial, sendo que a relação dos aprovados obedece à ordem de classificação. O número de candidatos classificados pode ser em até duas vezes o número de vagas previsto no edital para os cargos ou empregos públicos. Em relação aos candidatos com deficiência classificados, o órgão ou entidade responsável pelo concurso deve observar que o resultado final do concurso continue a ser publicado em duas listas (na antiga formula do artigo 42 do Decreto nº 3.298/1999 revogado) e não em uma única conforme propõe o Decreto nº 9.508/2018. Entende-se indispensável a publicação em separado da lista de candidatos com deficiência porque demonstra a lisura das distintas competições: uma entre os candidatos com deficiência para as vagas que lhes são reservadas e a outra entre todos os candidatos aprovados. Uma lista geral contendo a relação de todos os candidatos classificados e outra lista especial contendo apenas a classificação dos candidatos com deficiência, e cuja utilização exige a correta aplicação dos critérios da alternância e proporcionalidade, como se verá adiante. Durante o período de validade do concurso público (até dois anos, prorrogável uma vez por igual período, artigo 37, inciso III, da Constituição da República) o órgão com atribuições de planejamento, orçamento e gestão (Ministério ou Secretaria correspondente) poderá autorizar as nomeações ou contratações dos candidatos classificados, observados os critérios de oportunidade e conveniência de forma a melhor atender ao interesse público. Cabe ao administrador ao nomear ou contratar os candidatos obedecer rigorosamente à ordem de classificação do concurso público, podendo proceder tantas convocações para as nomeações quantas necessárias até o limite das vagas autorizadas no edital, ou que surgirem no prazo de validade do certame em decorrência de aposentadoria ou exoneração de servidor, aposentadoria ou demissão de empregado público. Questão relevante diz respeito ao prazo de validade do concurso público e convocação de concursados, conforme a dicção do artigo 37, inciso IV, da Constituição da República: os candidatos aprovados em certame público anterior deverão ser convocados para nomeação com prioridade sobre eventuais novos concursados. Portanto, o administrador público incorrerá em desvio de finalidade e violação a esse comando se, havendo candidatos com deficiência aprovados em concurso público, optar por ocupar os cargos ou empregos públicos com novos candidatos ou, precariamente, por meio de contratações de cargos comissionados, terceirização ou contratação temporária. Qualquer ato que altere o direito de nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas previstas no edital deve ser justificado, pena de violar o próprio princípio constitucional do concurso público. Essa é a interpretação do Supremo Tribunal Federal: Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 594.955-1 BA, relator Ministro Sepúlveda Pertence, publicado no Diário da Justiça em 3/agosto/2007. CONCURSO PÚBLICO: TERCEIRIZAÇÃO DE VAGA. PRETERIÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS. DIREITO DE NOMEAÇÃO. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que há típica evidência de desvio de poder quando, uma vez comprovada a existência da vaga, esta é preenchida, ainda que precariamente, caracterizando a preterição do candidato aprovado em concurso. Precedentes. Recurso extraordinário: não se presta para o reexame das provas e fatos em que se fundamentou o acórdão recorrido: incidência da Súmula 279. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 555.141 RJ, relatora Ministra Ellen Gracie, publicado no Diário da Justiça em 24/fevereiro/2011. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO, CF/88, ART. 37, IX. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA O MAGISTÉRIO MUNICIPAL. PRETERIÇÃO DE APROVADOS EM CONCURSO PÚBLICO. A regra constitucional é o provimento de cargo mediante concurso. Comprovada a necessidade de contratação de pessoal, os candidatos aprovados em concurso público serão nomeados em detrimento de contratações temporárias, Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. Recurso Extraordinário 598.099, Mato Grosso do Sul, relator Ministro Gilmar Mendes, publicada no Diário da Justiça em 03/outubro/2011. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. [...] III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO. Quando se afirma que a administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível, De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada, e dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. IV. FORÇA NORMATIVA DO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLCO. Esse entendimento, na medida em que atesta a existência de um direito subjetivo à nomeação, reconhece e preserva da melhor forma a força normativa do princípio do concurso público, como uma incomensurável conquista da cidadania no Brasil, permanece condicionada à observância, pelo Poder Público, de normas de organização e procedimento e, principalmente, de garantias fundamentais que possibilitem o seu pleno exercício pelos cidadãos. O reconhecimento de um direito subjetivo à nomeação deve passar a impor limites à atuação da Administração Pública e dela exigir o estrito cumprimento das normas que regem os certames, com especial observância dos deveres de boa-fé e incondicional respeito à confiança dos cidadãos. O principio constitucional do concurso público é fortalecido quando o Poder Público assegura e observa as garantias fundamentais que viabilizam a efetividade desse princípio, ao dado das garantias de publicidade, isonomia, transparência, impessoalidade, entre outras, o direito à nomeação representa também uma garantia fundamental da plena efetividade do princípio do concurso público. V. Negado provimento ao recurso extraordinário. Ainda que a Administração Pública seja livre para estabelecer as bases do concurso público e os critérios de julgamento ou, possa, justificadamente, alterar as condições e requisitos de nomeação de servidores ou admissão de empregados públicos dentre os candidatos concorrentes para melhor atender ao interesse público, deve fazê-lo, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, valorando os meios utilizados e os fins a serem alcançados, com a devida atenção para não alterar o direito à igualdade de oportunidades do candidato com deficiência. O comando constitucional da isonomia assume contornos importantes quando se trata de candidato com deficiência, que para dar efetividade à reserva de cargos, impõe ao administrador público seguir todos os parâmetros legais visando a permitir uma competição mais justa e em igualdade de condições entre todos os candidatos. Trata-se da utilização de critérios apropriados e instrumentos de compensação que se baseiam, principalmente, em elementos de acessibilidade e em regras específicas destinadas aos candidatos com deficiência. CAPÍTULO X TRATAMENTO DIFERENCIADO É EXPRESSÃO DE ACESSIBILIDADE A Lei nº 7.853/1989 foi regulamentada, em 1.999, por meio do Decreto nº 3.298 com procedimentos específicos para assegurar ao candidato com deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos e, com previsões objetivas para resguardar a acessibilidade ao conteúdo das provas, à nomeação, e à avaliação em estágio probatório visando à efetivação no cargo ou emprego público. Em 24 de setembro de 2018 o mundo do concurso público recebeu a nova edição do Decreto nº 9.508 que expressamente revogou os artigos 37 ao 43 do Decreto nº 3.298/1999. O novo regulamento segue sendo estudado vis a vis da norma revogada pois esta, junto com o Decreto nº 5.296/2004, traz em si a essência do tratamento diferenciado tal como vem sendo construído no Brasil decorrente do comando constitucional. O Decreto nº 3.298/1999 explicitava, assim como o atual Decreto nº 9.508/2018, os mecanismos de discriminação positiva de forma a preservar dois importantes princípios, o do concurso público e o do direito à igualdade das pessoas com deficiência com os demais candidatos. Embora concorra a todas as vagas, ao candidato com deficiência, a partir da edição do Decreto nº 3.298/1999, sempre foi reservado o percentual de 5% em face da classificação obtida, tal como previa no artigo 37, parágrafo 1º. A reserva mínima de 5% em face da classificação obtida foi uma importante ferramenta normativa de discriminação positiva, pois tinha como objetivo garantir a nomeação do candidato com deficiência quando o percentual da reserva de vagas no concurso público fosse inferior a 5%. Tanto esse era o objetivo da norma regulamentar que, logo em seguida, no parágrafo 2º, constava a previsão de elevar até o primeiro número inteiro subsequente se na aplicação do percentual o número resultar fracionado, reconhecido repetidas vezes em decisões pelo Supremo Tribunal Federal. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 227.299-1/MG, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado em 06/10/2000. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. ARTIGO 37, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado. Recurso extraordinário conhecido e provido. O comando constante do artigo 37, parágrafo 1º, Decreto nº 3.298/1999 esteve baseado no critério da proporcionalidade e era, necessariamente, aplicado em conjunto com outra importante regra do artigo 42, que tratava da publicação dos resultados dos candidatos aprovados em duas listas (geral e especial). A previsão dessa garantia mínima de 5% dos candidatos classificados decorreu da constatação de que os candidatos que se classificavam em certames públicos não eram nomeados, ou para conseguirem a nomeação dependiam de ordem judicial. As demandas levadas juízo procuravam o mesmo respaldo constante das Resoluções nº 156/1994 e nº 155/1996 do Conselho da Justiça Federal, que previam regras específicas para pessoas com deficiência para os quadros da Justiça Federal de primeiro e segundo graus. As regras da Resolução nº155/96 foram, ora com alterações e aperfeiçoamentos, ora mantendo os equívocos originais nela inerentes, incorporadas ao Decreto nº 3.298/1999, dentre elas: o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência; a utilização do arredondamento para o número inteiro imediatamente superior para resultados fracionados; a inscrição das pessoas com deficiência e a indicação das atribuições do cargo para o qual pretendam se inscrever; não obstar a inscrição ou o exercício do cargo sem a utilização de material tecnológico de uso habitual ou a necessidade de preparação do ambiente físico; a compatibilidade ou não da deficiência com o exercício do cargo; a avaliação da compatibilidade da função e da deficiência a ser feita por equipe multidisciplinar por ocasião da convocação do candidato para nomeação. Eram os requisitos dos artigos 37 a 44, do Decreto nº 3.298/1999 que permitiam dar efetividade à reserva de vagas prevista na lei, pois determinavam ao administrador público como aplicar mecanismos complementares à ação afirmativa de reserva de cargos da Constituição da República observando o tratamento diferenciado. Nos tempos atuais de internalização da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que detém hierarquia de norma constitucional, significa afirmar que se dá primazia às regras de acessibilidade para todo o processo do concurso público, desde a formação do edital até a efetivação no cargo do servidor ou empregado público. A igualdade de condições com os demais candidatos, inseridas nos artigos 37, caput e 41, do Decreto nº 3.298/1999, condicionavam o candidato com deficiência aos mesmos conteúdos das provas e exames; aos mesmos critérios de aferição e avaliação; ao horário e local de aplicação das provas e exames; e à nota mínima (é aquela exigida e expressa no edital de concurso que se não atingida pelo candidato será naturalmente desclassificado. Diferente da nota de corte decorrente do resultado obtido pelo nível de conhecimento dos candidatos que influenciará a ordem de classificação dos mesmos). Não pode existir privilégios em relação aos candidatos com deficiência, conforme ilustram as decisões que concedem a ordem em mandado de segurança para que se observe a ordem de classificação, segundo a nota obtida pelo candidato com deficiência: Tribunal Superior do Trabalho. ROMS 705650/2000, 11ª Região. 5ª Turma. Redator designado Ministro Ives Gandra Martins Filho, publicado no Diário da Justiça de 15/março/2002. CANDIDATO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA – CONCURSO PÚBLICO – FALTA DE APTIDÃO ESPECÍFICA. Inexiste direito líquido e certo ao reconhecimento de habilitação em prova específica e à aprovação em concurso público quando a Impetrante não alcança a pontuação mínima para o exercício da função, conforme exigido pelo edital, tendo em vista a necessidade de demonstração de aptidão específica para o exercício da função. O deficiente deve ser aproveitado em atividade para a qual demonstre aptidão específica, pena de comprometer a eficiência da administração com a contratação de pessoas que não tenham condições de exercer a atividade. ‘In casu’, de ser a única candidata com deficiência, concorrendo para vaga específica, não logrou alcançar a pontuação mínima exigida como indispensável ao exercício da função. Recurso ordinário provido, para denegar a segurança. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. I Grupo de Câmaras Cíveis. Proc. n° 123214400. Relator Desembargador Sergio Rodrigues. Ac. n° 4012, de 5/6/2003 (Acesso www.tj.pr.gov.br/consultas/judwin/ListaTextoAcordao2.asp/Codigo=1232144, em 14/10/2004). FUNCIONÁRIO PÚBLICO – CONCURSO PARA INGRESSO NO QUADRO DE PROCURADOR DO ESTADO – DEFICIENTE FÍSICO – RESERVA DE VAGAS – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E DE NOTAS – OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO – RESERVA DE VAGAS A DEFICIENTES – CLASSIFICAÇÃO QUE SE DÁ NAS REFERIDAS VAGAS. Ao portador de deficiência física é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo, cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador, para tais pessoas são reservadas vagas no percentual previsto no artigo 12 da Lei Estadual 13.456, de 11/1/02 – Tratando-se de vagas reservadas, os portadores de deficiência concorrem à classificação e conforme listagem especial, a aprovação se dá com observância da nota mínima prevista no próprio edital não se revelando cabível a exigência no sentido de enquadrá-los no limite das cem maiores notas. Ofensa a direito líquido e certo. Ordem concedida. Diversa da equivocada concepção de privilégio e/ou benefício é o direito das pessoas com deficiência ao tratamento diferenciado. O atual Decreto nº 9.508/2018 confere também a garantia de uma reserva mínima de 5% para o provimento de cargos efetivos (parágrafo 1º do artigo 1º) e para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público no âmbito da administração pública direta e indireta. Isso significa afirmar que o novo regulamento incorporou o percentual mínimo de 5% e não mais podem ser estabelecidos percentuais de reserva abaixo desses 5% ou seja, as reservas de vagas deverão ser de 5% até 20%, limite da Lei nº 8.112/1990. O Decreto nº 9.508/2018, já sem tempo, aponta e esclarece que para os concursos públicos da administração pública indireta a reserva de empregos públicos é a do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991: as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem observar os percentuais de 2% a 5% aplicados sobre o número total de empregados (de cem até mil ou mais empregados). Portanto, o candidato com deficiência que for classificado no concurso público deverá ser contratado visando ao fiel cumprimento da norma de ordem pública, ou seja a reserva do artigo 93 da Lei nº 8.213/1991. A reserva de postos de trabalho também incide sobre os processos seletivos para a contratação por tempo determinado e para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745/1993, nas funções legalmente previstas. O administrador público deve estar atento para os termos da decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3237/DF, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado DJ de 19/08/2014, que interpretou, conforme a Constituição da República as alíneas “d” e “g” do inciso VI do art. 2º da Lei nº 8.745/1993, com a redação dada pela Lei nº 9.849/1999 quanto às contratações temporárias: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 37, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. LEI 8.745/1993. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. PROFESSORES SUBSTITUTOS. HOSPITAL DAS FORÇAS ARMADAS. PROGRAMAS SIVAM E SIPAM. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE 1. Nos casos em que a Constituição Federal atribui ao legislador o poder de dispor sobre situações de relevância autorizadoras da contratação temporária de servidores públicos, exige-se o ônus da demonstração e da adequada limitação das hipóteses de exceção ao preceito constitucional da obrigatoriedade do concurso público. [...] as contratações temporárias a serem realizadas pela União nos referidos casos apenas sejam permitidas excepcionalmente e para atender a comprovada necessidade temporária de excepcional interesse público nas funções legalmente previstas. A Corte limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para que só incidam um ano após a publicação da decisão final desta ação no Diário Oficial da União quanto à alínea “d” e, quanto à alínea “g”, após quatro anos. Há previsão expressa no item I, do parágrafo 4º do artigo 1º Decreto nº 9.508/2018 de que sendo concurso público regionalizado ou estruturado por especialidades, o percentual mínimo de reserva (5%) será aplicado sobre o total das vagas do edital. Essa boa prática confere igual oportunidade aos candidatos com deficiência em relação aos demais candidatos sem deficiência, além de inibir o poder do administrador público de escolher e definir os cargos destinados para a reserva de pessoas com deficiência. É do candidato com deficiência o direito de escolher participar da competição para qualquer cargo, cujas atribuições considere ter condições de exercer, de acordo com um dos princípios da CDPD (Artigo 3, alínea a) de respeito à dignidade da pessoa e sua autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as suas próprias escolhas. A ressalva do inciso I, parágrafo 4º do artigo 1º do Decreto nº 9.508/2018, é de que somente deixará de ser aplicado o percentual mínimo de 5% da reserva de forma regionalizada ou por especialidade, se ficar demonstrado que esse proceder não acarreta redução do número de vagas reservadas. A aplicação do percentual mínimo de 5% da reserva, segundo a regra em comento, também deverá ser ocorrer em casos de vagas remanescentes e para a formação de cadastro reserva. Outro esclarecimento trazido pelo regulamento (parágrafo 5º do artigo 1º do Decreto nº 9.508/2018) é a possibilidade de o administrador público proceder a reversão das vagas reservadas em caso de inexistência de candidatos com deficiência inscritos e/ou aprovados no certame ou no processo seletivo. O título desse capítulo é TRATAMENTO DIFERENCIADO É EXPRESSÃO DE ACESSIBILIDADE porque, além da reserva, o que garante a igualdade de tratamento entre candidatos com e sem deficiência é a disponibilização pelo administrador público de todos os elementos de acessibilidade de forma a que o candidato com deficiência venha a demonstrar no certame público o seu conhecimento e as suas habilidades nas provas de esforço, se for o caso. O tratamento diferenciado tem natureza constitucional pois decorre da previsão do inciso II, parágrafo 1º, do artigo 227, da Constituição da República que determina ao Estado promover a facilitação do acesso a bens e serviços coletivos para pessoas com deficiência física, sensorial e mental, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. A norma ordinária, por sua vez, concebe o tratamento diferenciado como elemento decorrente da concepção de atendimento prioritário às pessoas com deficiência, idosos, gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas por crianças de colo e está tratada na Lei nº 10.048/2000. Esta e a Lei nº 10.098/2000 são conhecidas como leis de acessibilidade e foram regulamentadas no Decreto nº 5.296/2004, que discorre sobre todos os elementos de atendimento prioritário, incluídos o tratamento diferenciado e o atendimento imediato. Todas as leis de acessibilidade são aplicáveis ao concurso público e a elas estão obrigadas a Administração Pública, assim como as entidades contratadas para a realização de certames públicos, conforme o artigo 38, da LBI. A importância da acessibilidade no ambiente de trabalho em relação à pessoa com deficiência é tão veemente que a interação das diferentes naturezas de deficiência (física, sensorial, mental e intelectual) com as barreiras é que proporciona a medida de sua produtividade e participação no mundo do trabalho em igualdade de condições com os demais trabalhadores (Gugel, 2019, p. 251). O tratamento diferenciado está especificado no parágrafo 1º, do artigo 6º, do Decreto nº 5.296/2004 de forma não exaustiva (“o tratamento diferenciado inclui, dentre outros”) e na LBI (artigo 9º, inciso III) garantindo a disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas. Dessa forma, o regramento legal impõe ao administrador público a disponibilização de todos os recursos de tecnologia assistiva ou ajudas técnicas e apoios que promovam a funcionalidade do candidato com deficiência e proporcionem autonomia para a realização das provas. A definição de tecnologia assistiva está na norma técnica, recentemente atualizada, da ABNT NBR 9050: 2015, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), como sendo um conjunto de técnicas, aparelhos, instrumentos, produtos e procedimentos que visam a auxiliar a mobilidade, percepção e utilização do meio ambiente e dos elementos por pessoas com deficiência. A importância da tecnologia assistiva ou ajuda técnica para as pessoas com deficiência é a de assegurar a autonomia para a realização com segurança de todas as atividades da vida. Atualmente está definida na LBI, no artigo 3º como sendo os produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social. Os Decretos nº 3.298/1999 e nº 5.296/2004, nesse aspecto são compatíveis com a LBI, trazem também o conceito de ajuda técnica e apoio especial, bem como a sua aplicação quando se trata, por exemplo, de elementos de mobilidade e equipamentos de saúde no artigo 19, parágrafo único e de acesso ao trabalho, no artigo 35, parágrafo 3º, ambos do Decreto nº 3.298/1999, e de condições de acessibilidade do artigo 8º, inciso V do Decreto nº 5.296/2004. Referidos apoios e ajudas técnicas permitem favorecer a autonomia da pessoa com deficiência de forma a melhorar a funcionalidade e alcançar a independência por meio de produtos, instrumentos, equipamentos, animais (cão-guia, por exemplo), ou sistemas fabricados para prevenir, compensar ou neutralizar qualquer impedimento decorrente da deficiência, a exemplo de aparelhos de surdez, telefones adaptados, computadores com leitores de voz, órteses e próteses, cadeiras de roda, equipamentos de terapia e reabilitação, maquinarias e utensílios de trabalho; elementos de mobilidade, comunicação, sinalização e informação; equipamentos e materiais pedagógicos adaptados para educação, capacitação e recreação; adaptações dos ambientes externos que garantam o acesso com segurança e autonomia; bolsas coletoras e, tantos outros. As normas regulamentares referidas estão em perfeita harmonia com o propósito da CDPD que propõe sejam tomadas medidas para a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, promovendo formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações (Artigo 9, item 2, letra f). Assim, e visando a alcançar a igualdade de condições, o candidato com deficiência que dele necessitar poderá requerer tratamento diferenciado para a realização das provas e exames e expressamente indicar quais são as condições diferenciadas de que necessita. O prazo para o pedido deve estar fixado no edital. O regulamento artigo 4º do Decreto 9.508/2018 afirma que fica assegurada a adequação de critérios para a realização e a avaliação das provas, efetivadas por meio de tecnologias assistivas e a adaptação razoável, observado o disposto no Anexo. Como já referido, é inegável o direito da pessoa com deficiência ao tratamento diferenciado e a todos os elementos de acessibilidade pois é condição para a sua independência e participação no concurso público em igual condição aos demais candidatos sem deficiência. Qualquer que seja a natureza da deficiência do candidato, a ele deverão ser disponibilizados os recursos de acessibilidade para que participe em igualdade na competição. Registre-se a impropriedade do Anexo ao Decreto nº 9.508/2018 que exemplifica alguns recursos de tecnologia assistiva em concursos públicos e processos seletivos, esquecendo-se de tantos outros, como, por exemplo, calculadora soroban, reglete, lupas, recursos ópticos especiais para pessoas com baixa visão, caracteres aumentados para pessoa com deficiência visual. Os recursos descritos no Anexo não podem ser exaustivos frente à amplitude do tratamento diferenciado tratado na LBI (artigo 9º), incluídas as leis e decreto de acessibilidade, e aos variados elementos de tecnologia assistiva, ajudas técnicas e à adaptação razoável quando necessária a cada caso. Alerte-se, portanto, que a minimização da previsão de recursos de acessibilidade do Anexo não autoriza ao administrador público a negar a utilização de outros recursos que não constem do mesmo. Além disso, o Anexo é excludente ao não prever a possibilidade de tornar as provas acessíveis para pessoas com deficiência física, intelectual e mental: a pessoa com deficiência física poderá necessitar, por exemplo, de prova oral, ledor/transcritor; a pessoa com deficiência intelectual necessita de conteúdo de prova em linguagem simples e apoio pessoal para a realização da prova; a pessoa com deficiência mental poderá necessitar de sala com número reduzido de participantes. A omissão do Anexo, no entanto, não impede que o candidato com deficiência (qualquer natureza de deficiência), no tempo fixado no edital, faça o(s) pedido(s) de recurso(s) que necessite, o qual deverá ser atendido pelo administrador público por força do comando do artigo 9º da LBI que prevê o direito de a pessoa com deficiência receber atendimento prioritário, tendo a sua disposição os recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam o atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas. O regulamento prevê, no artigo 4º parágrafo 3º, que para todas as fases do concurso público ou dos processos seletivos a necessidade de se colocar à disposição do candidato com deficiência, quando necessário, o recurso de interprete ou “serviços de assistência de interpretação por terceiros”. Lembre-se que o recurso de interprete e de tecnologia assistiva é imprescindível para que a pessoa com deficiência tenha igualdade de condições com os demais candidatos para a realização da prova, exemplo dos interpretes da Libras para pessoas surdas, dos Sistema Braille Digital, Tadoma, Alfabeto Dactilológico e Libras Tátil para pessoas surdocegas. O fato é que se constata uma gama variada de possíveis pedidos de tratamento diferenciado para a realização de provas em concursos públicos. Os exemplos mais requeridos por candidatos com deficiência são, segundo a natureza da deficiência: Deficiência visual: a magnificação de tela; prova ampliada com fontes tamanho 14, 18 e 24; lupas ou outros recursos ópticos especiais para pessoas com baixa visão; prova em Braile; ledor e transcritor (que devem ser devidamente preparados); aparelho de síntese de voz acoplado a computador; máquina de datilografia comum ou Perkins/Braile; impressora Braile; calculadora soroban; reglete. Deficiência auditiva: intérprete da Libras/Língua Portuguesa; computador com a utilização concomitante de criptograma com o intérprete da Libras/Língua Portuguesa; prova em vídeo para Libras com o português como segunda língua, com filmadora para registrar o intérprete e as respostas do candidato em provas orais e/ou Libras; dicionários bilíngues (Libras/português) para o uso do candidato e do intérprete; aparelhos de amplificação sonora para apoiar candidato que possua resíduos auditivos e queira utilizá-los (com sala exclusiva). Deficiência física: sala de fácil acesso, mobiliários e equipamentos acessíveis; mesa e cadeiras separadas; mesa para usuários de cadeira de rodas; computador com leitor de telas; computador para provas discursivas; gravador ou filmadora para o registro de prova oral; ledor/transcritor para a marcação das respostas (candidato com comprometimento dos membros superiores ou paralisia cerebral). Mobilidade reduzida transitória ou especial: sala com número reduzido de participantes; sala com iluminação adequada; sala destinada à amamentação; sala para candidato enfermo e/ou utilização frequente de medicação; sala próxima a banheiros acessíveis. O tempo adicional é medida de tratamento diferenciado e se o candidato com deficiência necessitar de tempo adicional para realizar a prova, poderá requerê-lo apresentando a justificativa no prazo previsto também no edital. A justificativa conforme previsão anterior (artigo 40, parágrafos 1º e 2º do Decreto nº 3.298/1999), devia vir acompanhada de parecer emitido por especialista da área de sua deficiência. O atual Decreto 9.508/2018 no parágrafo 2º do artigo 4º exige que a justificativa venha acompanhada de parecer emitido por equipe multiprofissional ou por profissional especialista nos impedimentos apresentados por cada candidato, no prazo estabelecido em edital. No entanto, a alternativa - ou por profissional especialista nos impedimentos apresentados - foge por completo do comando da LBI que, ao determinar a avaliação biopsicossocial, dispensa a visão exclusiva de um único profissional. O artigo 2º parágrafo 1º da LBI estabelece incisivamente que a avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar. A jurisprudência quanto ao tratamento diferenciado há muito é favorável e se apoia no princípio constitucional da isonomia do candidato com deficiência aos demais candidatos para determinar sejam os pedidos de tratamento diferenciado atendidos pelo administrador público para a realização das provas: Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 2ª Turma, REO 67310, publicado em 03/março/2002. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 5º CAPUT. CF/88. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE VISUAL. PROVA DE DATILOGRAFIA EFETUADA EM BRAILLE. DOBRO DO TEMPO DOS DEMAIS CANDIDATOS. POSSIBILIDADE. 1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, “caput”, consubstancia o princípio da isonomia, perante o qual todos são iguais, sem admitir-se qualquer forma de discriminação. 2. É inadmissível que, sob o pretexto de ver-se ressalvado tal princípio, seja dado o mesmo tratamento para situações distintas, até porque, para garantir-se igualdade é necessário que se trate desigualmente os desiguais. 3. Observando-se, na hipótese, que o impetrante é portador de deficiência visual e que, portanto, necessita efetuar a leitura do texto pelo método “braille” para, somente depois, poder datilografá-lo, constituir-se-ia em uma flagrante ofensa ao princípio da isonomia não permitir a realização de tal teste com o tempo duplicado em relação aos demais candidatos. Remessa oficial improvida. ACESSO A CARGOS E FUNÇÕES x ATRIBUIÇÕES COMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNCIA x APTIDÃO PLENA DO CANDIDATO Opunham-se, de forma infeliz e preconceituosa, ao direito à igualdade duas equivocadas e estreitas concepções para o preenchimento da reserva dos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência: i. a primeira, inserida no artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei n º 8.112/1991 e repetida no caput do artigo 37, do Decreto n º 3.298/1999, condiciona que será assegurado o direito de a pessoa com deficiência se inscrever em concurso público “para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador”; ii. a segunda, do artigo 38, inciso II, do Decreto nº 3.298/1999 afirmando a inaplicabilidade da reserva mínima de 5% em face da classificação obtida para provimento de “cargo ou emprego público integrante de carreira que exija aptidão plena do candidato”. Quanto à primeira hipótese, sobre o direito de a pessoa com deficiência se inscrever em concurso público “para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador”, ainda que se invoque a ressalva de que a lei pode estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir, conforme a previsão constitucional do parágrafo 3º, do artigo 39, tenha-se claro que este comando é limitado ao que determina, não podendo a lei e o regulamento colidirem com outros valores constitucionais como o da dignidade da pessoa humana e o direito de ser igual. Os requisitos diferenciados de admissão, quando a natureza do cargo assim exigir, não dizem respeito à condição da deficiência, sob pena de incidir em discriminação por motivo da deficiência, cuja previsão está delineada no Artigo 2 da CDPD: “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável; Observado o princípio da razoabilidade, o administrador público ao estipular condições e requisitos de acesso aos cargos e empregos públicos, limita-se ao estabelecimento de pressupostos e exigências em relação às peculiaridades extrínsecas dos cargos e empregos públicos como, por exemplo, exigir a qualificação profissional por meio de diplomação específica: Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 21.733-2/RS, Tribunal Pleno, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário da Justiça de 8/abril/94, p. 7227. CONCURSO PÚBLICO – QUALIFICAÇÃO – EXERCÍCIO PROFISSIONAL. A exigência de especificidade, no âmbito da qualificação, para a feitura de concurso público, não contraria o disposto no inciso XIII do artigo 5º da Constituição Federal, desde que prevista em lei e consentânea com os diplomas regedores do exercício profissional. O administrador público pode exigir habilitação específica para o exercício da atividade, por exemplo, a diplomação de médico e enfermeiro, ou de motorista que depende da habilitação para dirigir, segundo a norma específica do Conselho Nacional de Trânsito. As exigências em relação ao candidato com deficiência, relativamente ao exercício das funções, a execução de tarefas e o desempenho inerentes aos cargos e empregos público serão aferidas durante o estágio probatório. O estágio probatório constitui-se também em um mecanismo utilizado para dar concretude à ação afirmativa de reserva de cargos. Não se trata, portanto, de excepcionar pessoas, mesmo porque, à pessoa com deficiência não se restringe qualquer tipo de trabalho ou ocupação, compreendido o cargo ou emprego público. É o que taxativamente prevê a LBI, no artigo 34, parágrafo 3º: Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 34. A pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. § 1º As pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos. § 2º A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor. § 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena. O direito de ser igual, com iguais oportunidades às demais pessoas, implica em a pessoa com deficiência poder escolher o trabalho, o cargo ou emprego público que deseja realizar que, no caso do concurso público, resulta em poder se inscrever, realizar as provas e, obtendo êxito, demonstrar durante o estágio probatório que preenche as condições estabelecidas para a efetivação no cargo ou emprego público. O direito de a pessoa com deficiência se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado de trabalho, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível, decorre do Artigo 27, da CDPD. A afirmação da liberdade de escolha como valor fundamental da CDPD, internalizada com equivalência constitucional, tem gênese em dois de seus princípios gerais: o da não discriminação e o da igualdade de oportunidades, previstos no Artigo 3, alíneas b, e. Observe-se que na ressalva do artigo 39, parágrafo 3º, da Constituição da República, está claramente disposto que se aplica ao servidor ocupante de cargo público o disposto no artigo 7º, inciso XXXI, o qual proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critério de admissão da pessoa com deficiência. Quanto à segunda hipótese, a não previsão de reserva de vagas para pessoas com deficiência em concurso para cargos e empregos públicos que exijam aptidão plena do candidato, ou impedi-lo de se inscrever, em vista da prévia definição pela Administração Pública de que o cargo ou emprego público não é compatível com a deficiência, viola um dos objetivos fundamentais da República que é a promoção do bem de todos livre de qualquer preconceito, artigo 3º, inciso IV. Viola também, simultaneamente, o princípio fundamental do direito à igualdade, artigo 5º, caput e, o direito de não discriminação no tocante a critérios de admissão do trabalhador com deficiência do artigo 7º, XXXI, ambos da Constituição da República. Ora, se a Constituição da República impulsiona a sociedade brasileira a não discriminar, edificando o princípio de amplo acesso de todos ao concurso público sem qualquer restrição, não poderá contrariá-lo a Lei nº 8.112/1991, criando condição de compatibilidade entre função e deficiência, em afronta aos princípios da acessibilidade do artigo 37, inciso I e, de concurso publico do inciso II. Da mesma forma não poderia o Decreto nº 3.298/1999 repetir a condição restritiva da lei criando injustificada desequiparação ao candidato com deficiência que se defronta com a subjetiva escolha feita pelo administrador público de funções (in) compatíveis com a deficiência. O Decreto nº 3.298/99 acabava por violentar o primeiro artigo da própria Lei nº 7.853/1989 que regulamenta, ou seja, os valores básicos de igualdade de tratamento e oportunidade afastadas as discriminações e preconceitos. Percebia-se nesse ponto, a total falta de coerência normativa da Lei nº 8.112/1991 e do Decreto nº 3.298/1999 em relação ao comando constitucional que já proibia diferenciação de critério de admissão da pessoa com deficiência. Atualmente e com o reforço dos princípios fundantes da CDPD, em especial os de liberdade das pessoas com deficiência em fazer as próprias escolhas, de não discriminação e igualdade de oportunidades (Artigo 3, alíneas a, b, e), a regra inscrita em lei de “atribuições compatíveis com a deficiência” está revogada, inclusive pela previsão de vedação de restrição ao trabalho do artigo 34, parágrafo 3º, da LBI. O novo regulamento do Decreto nº 9.508/2018 não mais contém a anterior restrição do artigo 38, inciso II, do Decreto nº 3.298/1999 que excluía candidatos com deficiência para cargos ou empregos públicos de carreiras que exigiam a “aptidão plena do candidato”, repita-se, em total dissonância à previsão constitucional de não discriminação do artigo 7º inciso XXXI e LBI, artigo 34, parágrafo 3º. Além disso, obstar a inscrição de pessoa com deficiência em concurso público é crime sujeito à pena de reclusão de dois a cinco anos e multa previsto no artigo 8º da Lei nº 7.853/1989, sendo que com a nova redação da LBI também é possível a responsabilização patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados ao candidato. Essa última previsão está reforçada no artigo 7º do regulamento. O Supremo Tribunal Federal há muito já decide pela obrigatoriedade de reserva de vagas em concursos públicos, sobretudo em relação a cargos cuja presunção (discriminatória) é de exigência de aptidão plena, a exemplo dos cargos de delegado, escrivão, perito e agente de polícia. Um desses julgados solucionou a contenda cotejando os interesses particular e público, a necessidade da garantia de acesso ao cargo e de aferir a aptidão do candidato com critérios objetivos. Embora ainda restritiva em relação às potencialidades da pessoa com deficiência e a necessidade de que o administrador público coloque sempre à disposição das pessoas com deficiência todos os elementos de acessibilidade para a aferição do seu desempenho durante o estágio probatório, a decisão em tema tão sensível da área da segurança pública é um avanço consideradas as práticas discriminatórias em concursos públicos dessa natureza de sequer preverem a reserva de vagas: Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 676.335/MG, relatora Ministra Carmen Lúcia, publicado no Diário da Justiça de 26/março/2013. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESTAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS. A presunção de que nenhuma das atribuições inerentes aos cargos de natureza policial pode ser desempenhada por pessoas portadoras de uma ou outra necessidade especial é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro, marcadamente assecuratório de direitos fundamentais voltados para a concretização da dignidade da pessoa humana. A igualdade, a liberdade e a solidariedade passam, necessariamente, pela tutela de instrumentos jurídicos que permitam o acesso de todos, devidamente habilitados, aos cargos públicos, nos termos postos na Constituição. Também não é possível – e fere frontalmente a Constituição da República – admitir-se, abstrata e aprioristicamente, que qualquer tipo de deficiência impede o exercício das funções inerentes aos cargos postos em concurso. [...] À Administração Pública, pelos órgãos competentes para avaliar e resolver as questões do concurso caberá avaliar, seguindo critérios objetivos previstos em lei e reproduzidos no edital do concurso, as limitações físicas e psicológicas experimentadas pelos portadores de necessidades especiais que efetivamente comprometem o desempenho das atividades inerentes aos cargos a serem preenchidos. Incompatibilidade haverá de ser afirmada a partir do cotejo objetivo e transparente entre as limitações/necessidades especiais dos candidatos e as atribuições de cada qual dos cargos oferecidos. O que a Constituição da República determina é a possibilidade de se ter acesso aos cargos públicos, cujo desempenho não fique comprometido pela limitação do candidato. O que se busca é impedir a discriminação do portador de necessidade especial e a garantia de que, estando apto a desempenhar as funções inerentes ao cargo, não se lhe veda o acesso. Mas também é certo que não se admite possa alguém, impossibilitado de exercer as funções do cargo, ser admitido ou aprovado em concurso em detrimento do interesse público. Fosse esse o caso se teria o interesse particular sobrepondo-se ao interesse público, o que não é admissível. O cargo público – mais ainda em se cuidando daquele que compõe os quadros da Polícia Federal – não pode ser inutilizado ou mal desempenhado por limites do servidor público. Compete à Administração Pública cuidar para que se garanta, em igualdade de condições, a quem queira concorrer aos cargos a plena condição de desempenhar as funções a eles inerentes. Não poderá o administrador público inserir como critério para o provimento do cargo ou emprego público a exigência de aptidão plena, impedindo que o candidato com deficiência participe do certame público ou, logrando êxito, seja nomeado. Isso porque, é o conteúdo das provas e exames, eventualmente de desempenho físico ou sensorial que determinarão a classificação do candidato, pois lhe é exigido alcançar a nota mínima. Lembre-se do exemplo clássico da incompatibilidade do cargo ou emprego público de motorista em relação ao candidato cego: para prestar o concurso o candidato deverá comprovar ter habilitação de motorista na categoria profissional. A norma do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), a Resolução nº 80/98, não permite condução de veículo por pessoa cega. Portanto, falta-lhe requisito essencial para participar do concurso público, ou seja, a carteira de habilitação de motorista. Se o edital de concurso público exigir no ato da inscrição a prova da habilitação, qualquer outro candidato sem deficiência ou o candidato cego que não estejam habilitados para conduzir não poderão se inscrever. Também não poderão os Tribunais, na distribuição da justiça, convalidar inconstitucionalidades e cometer equívocos de interpretação. Para tanto, bastam espelhar-se nas notas lançadas ao pé do acórdão pelo Ministro Néri da Silveira, sobre o a necessidade de se preservar a acessibilidade a todos aos cargos públicos, deixando que as provas se encarreguem de eliminar candidatos (com e sem deficiência) que não demonstrem êxito: Supremo Tribunal Federal. Adin 243-1 Rio de Janeiro, Redator do acórdão Ministro Marco Aurélio, publicado no Diário da Justiça de 29/11/2002. [...] tudo se resolverá no próprio competitório. Se for um tipo de cargo que exija prova de capacidade física, provavelmente, esse candidato, se tiver uma idade avançada, não o preencherá; mas se for satisfatório seu desempenho na prova de capacidade física, por que ele não pode prover o cargo? É comum a prática adotada por administradores públicos e comissões organizadoras de concurso público de incluir nos editais a condição de que trata se concurso público para cargos ou empregos públicos com exigência de aptidão plena ou incompatibilidade dos mesmos à deficiência, não fixando a reserva de vagas. No entanto, há muito as decisões determinam a ineficácia do ato administrativo que indefere a inscrição de candidato com deficiência sob o fundamento de incompatibilidade da deficiência em relação à função: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Civil 160.581-5/7, Relator Juiz Paulo Franco, de 6/2/2003. [...] tendo participado do concurso por força de liminar aqui concedida, o impetrante nele foi aprovado, obtendo o quinto lugar entre os deficientes classificados (fls 96 a 104). Significa isso que o impetrante demonstrou ‘aptidão e resistência física’ para a função almejada, que são os únicos requisitos previstos no edital do concurso, no que tange ao emprego de ajudante de serviços gerais (fls 67, item 8), lembrando-se ainda que a prova de aptidão, de acordo com esse mesmo edital, destinou-se a avaliar ‘a potencialidade e as habilidades dos candidatos para a execução das atribuições do emprego’ (fls 68, item 9). É de se concluir, portanto, que não se justificava o indeferimento da inscrição do impetrante pelo motivo alegado, devendo, pois, a respeitável sentença recorrida subsistir por seus próprios fundamentos. Lembre-se que uma das exigências para o conteúdo dos editais de concurso público é a descrição das atribuições e tarefas do cargo ou emprego público (artigo 3º, do Decreto nº 9.508/2018 e artigo 42 do Decreto nº 9.739/2019). Referida exigência tem um efeito direto para todos os candidatos em potencial, seja ou não pessoa com deficiência, quanto à decisão de participar do concurso público e, de acordo com seu discernimento, estar ou não em condições para o exercício daquelas funções. Entendendo-se habilitado, optará por seguir as regras estabelecidas para o concurso e, obtendo êxito na classificação e sendo nomeado, às formalidades inerentes ao exercício das funções. Define-se, portanto, que para os cargos e empregos públicos que exijam higidez física (exemplo do bailarino, bombeiro, policial civil e militar, guarda-vidas, entre outros) não se exclui a previsão de reserva de vagas em concurso público. O candidato com deficiência que decidir participar do certame público deverá ter acesso garantido às provas, as quais, quando necessária à condição e natureza da deficiência do candidato, serão adaptadas de forma ao candidato poder demonstrar seu desempenho, competência e habilidade. Questão também relevante é a relacionada à aferição do conhecimento intelectual e físico dos candidatos em relação ao conteúdo das provas e exames exigidos para o provimento dos cargos e empregos públicos. Tal conteúdo deve sempre permitir a aferição de capacidades inerentes ao exercício das atribuições dos cargos e empregos públicos, respeitadas, quando se tratar de preenchimento de cargos e empregos decorrentes de plano de carreira, às exigências de formação profissional específica (a exemplo do médico, advogado, engenheiro, administrador, etc.). Por outro lado, o acesso a concurso público se torna impossível para candidatos com deficiência com nível médio ou fundamental de escolaridade, caso não se alterem as rotinas de preparação das provas de nível básico, de forma a avaliar as habilidades específicas para as atribuições dos cargos e empregos públicos. Tratando-se de concurso público para cargos e empregos públicos a exigir nível básico de conhecimento, devem ser elaboradas provas de forma a evidenciar não só a capacidade intelectiva do candidato, mas, também, aferir suas habilidades de acordo com as atribuições rotineiras da função que dispensam qualquer desempenho intelectual e de conhecimento. Nesse ponto, remete-se o leitor ao item ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DA PROVA. ADAPTAÇÃO DE PROVA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL. CAPÍTULO XI INSCRIÇÃO DE CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIAS É no ato da inscrição que se estabelece o liame entre o candidato com deficiência e a Administração Pública, ou o órgão responsável pelo concurso público. Por isso, conforme já analisado no Capítulo VIII reservado ao EDITAL DO CONCURSO PÚBLICO, salientou-se que o anterior Decreto nº 3.298/1999, no artigo 39, já detalhava o conteúdo dos editais, no sentido de constar o número de vagas, a reserva destinada à pessoa com deficiência, as atribuições e tarefas essenciais do cargo, a previsão de adaptação das provas, do curso de formação e estágio probatório e o laudo contendo a avaliação da deficiência. A legalidade, um dos principais fundamentos que deve permear o concurso público, está relacionada diretamente ao conteúdo dos requisitos postos no edital que geram direitos e deveres recíprocos. A novidade do Decreto nº 9.508/2018, quanto ao direito de inscrição, está na previsão do artigo 1º que assegura o direito de inscrição em igualdade de oportunidade com os demais candidatos, atendendo aos comandos da não discriminação e igualdade de oportunidades da Constituição da República, da CDPD e da LBI. Com isso, sepulta-se a exceção da parte final do artigo 37 do Decreto nº 3.298/1999 que previa a compatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência da pessoa. O direito de inscrição é para concurso público para provimento de cargos efetivos da administração pública direta e em empregos públicos da administração pública indireta. O novo regulamento não mais contém anterior restrição do artigo 38, inciso II, do Decreto nº 3.298/1999 que excluía candidatos com deficiência para cargos ou empregos públicos de carreiras que exigiam a “aptidão plena do candidato”, em total dissonância à previsão constitucional de não discriminação do artigo 7º inciso XXXI. E não poderia ser diferente pois, o novo regulamento deve estar em simetria aos princípios de não discriminação e de igual oportunidade que ganharam corpo normativo convencional na CDPD ao esclarecer que qualquer discriminação baseada na deficiência é crime e também na norma ordinária - a LBI – que não restringe qualquer trabalho à pessoa com deficiência (artigo 34, parágrafo 3º da LBI). Além disso, obstar a inscrição de pessoa com deficiência em concurso público é crime sujeito à pena de reclusão de dois a cinco anos e multa previsto no artigo 8º da Lei n 7.853/1989, sendo que com a nova redação da LBI também é possível a responsabilização patrimonial pessoal do administrador público pelos danos causados ao candidato. Essa última previsão está reforçada no artigo 7º do regulamento. A novidade expressa no Decreto nº 9.508/2018 diz respeito aos processos seletivos para a contratação por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, de que trata a Lei nº 8.745/1993. Acrescente-se, nesse aspecto que deverão ser observados os termos da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3237/DF, Relator Ministro Joaquim Barbosa, publicado DJ de 19/08/2014 quanto ao rol (artigo 2º) de situações que ensejam a contratação. No ato da inscrição será exigido do candidato com deficiência que apresente o documento de avaliação da deficiência segundo a atual sistemática de avaliação que preza a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar que consta da LBI no artigo 2º e repetido no artigo 2º inciso IV do Decreto nº 9.538/2018. Portanto, o laudo médico, atestando a espécie e o grau da deficiência, com expressa referência ao código correspondente da Classificação Internacional de Doença – CID, bem como a provável causa da deficiência, previsto no inciso IV, do artigo 38, do Decreto nº 3.298/1999, está revogado pela lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência. A exigência do documento de comprovação da deficiência justifica-se, pois o candidato concorrerá, se for sua livre opção, às vagas reservadas destinadas exclusivamente às pessoas com deficiência, bem como auxiliará ao administrador público na preparação das provas acessíveis, se forem requeridas. Lembre-se que a reserva destinada à pessoa com deficiência não pode obrigar o candidato com deficiência a aceitar tal medida, pois a decisão de participar do certame público por meio da reserva de vagas, diz respeito à vontade própria do candidato com deficiência que tem autonomia e liberdade de fazer a escolha, conforme dispõe o artigo 3º, alínea b, da Convenção da Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência (Decreto n º 3.956, de 8/10/2001), repetida na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, no Artigo 3, alínea a, e no artigo 34, da Lei nº 13.146/2015. A exigência do laudo de avaliação da deficiência merece consideração também pelo candidato, pois tem desdobramentos importantes para as providências que deverão ser tomadas pelo órgão responsável pelo concurso público quanto à adaptação das provas, tornando-as acessíveis às necessidades da pessoa, ao local de realização das mesmas e à adaptação do curso de formação e do estágio probatório. Para proceder às adaptações necessárias a Administração Pública deve estar atenta às necessidades decorrentes da deficiência do candidato e lançar mão da tecnologia assistiva ou ajuda técnica e dos apoios especiais, além da adaptação razoável quando o for caso, de forma a propiciar o amplo acesso de candidatos com deficiência ao concurso público. As definições específicas estão no Decreto nº 3.298/1999 quanto ao apoio especial (artigo 35, parágrafo 3º), às ajudas técnicas (artigo 19, parágrafo único), além da própria concepção de atendimento prioritário e tratamento diferenciado do Decreto n º 5.296/2004 (artigo 6º) e às atuais definições de acessibilidade dos artigos 3º e 9º da Lei nº 13.146/2015, correspondentes à acessibilidade, desenho universal, tecnologia assistiva ou ajuda técnica, adaptação razoável e atendente pessoal: Lei n° 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei consideram-se: I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; II - desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; [...] VI - adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais; [...] XII - atendente pessoal: pessoa, membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; Art. 9º A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de: [...] III - disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas; O instrumento de avaliação da deficiência contendo dados que não condizem com a real deficiência e funcionalidade da pessoa resultando em conclusões sobre a aptidão para o trabalho, com ou sem o conhecimento da pessoa com deficiência, deve ser questionado pela equipe multidisciplinar que o apontará ao administrador público. Ao administrador público, por sua vez, cabe buscar a responsabilização de quem lhe deu causa: do profissional da deficiência ou médico que emitiu falso atestado ou laudo e/ou do candidato que fez a falsa declaração. Concluindo-se que se trata de pessoa que, segundo a norma, não pode ser considerada como com deficiência, determina-se a sua exclusão da lista de candidatos com deficiência, colocando-a, obedecida à ordem de classificação, na lista geral de candidatos aprovados. ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DAS PROVAS. ADAPTAÇÃO DAS PROVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS E DO CURSO DE FORMAÇÃO A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, a partir do princípio da acessibilidade (Artigo 3, alínea f), indica como dever do estado possibilitar às pessoas com deficiência participar plenamente de todos os aspectos da vida. Para tanto, deverá assegurar por meio de medidas apropriadas, o acesso em igualdade de condições com as demais pessoas, dentre outros, à informação, comunicação, sistemas e tecnologias da informação e comunicação (Artigo 9, item 1, alínea b; item 2, alíneas b, f, g). Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de 2006 Artigo 9 Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: [...] b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência. 2. Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para: [...] b) Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e serviços abertos ao público ou de uso público levem em consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para pessoas com deficiência; [...] f) Promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações; g) Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, inclusive à Internet; A CDPD trouxe também no Artigo 2 a definição de adaptação razoável como sendo as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. A definição de adaptação razoável (Gugel, in DEFICIÊNCIA. Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com, 2014, p. 180) integra-se às leis e concepções de acessibilidade porque é com elas compatível. A falta [ou recusa] em proceder à adaptação razoável implica em ato de discriminação por motivo de deficiência. A relação de razoabilidade e proporcionalidade, presente no conceito, indica a possibilidade de que os ajustes necessários e adequados para cada caso que não acarretem ônus desproporcional. É importante destacar que a adaptação razoável diz respeito à necessidade individual e que irá atender a necessidade de uma deficiência em particular, para um caso específico, após concedidas todas as demais regras de acessibilidade garantidas nas leis e normas técnicas, válidas para todos. Significa afirmar que a adaptação razoável não dispensa a acessibilidade e vice-versa. A adaptação razoável é condicionante para a promoção da igualdade e eliminação da discriminação (Artigo 5.3), sendo destinada para cada caso, cada pessoa e sua necessidade diante da natureza de sua deficiência. Envolve, portanto, direito personalíssimo da pessoa com deficiência aos atributos de acessibilidade segundo a necessidade da natureza de sua deficiência. Repete-se, diz respeito à própria pessoa, à sua necessidade exclusiva de adaptação de maneira a permitir que suas habilidades e competências possam ser demonstradas no âmbito das relações de trabalho (públicas e/ou privadas). Da mesma forma também leciona Bezerra (in DEFICIÊNCIA. Novos Comentários à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com, p. 74): No que tange à adaptação razoável, cuja falta também pode importar em ato de discriminação, deve ser ela entendida como sendo aquela adaptação individual necessária, mesmo que a acessibilidade para os demais interessados, inclusive para aqueles com alguma deficiência, já esteja garantida. Ou seja, é a adaptação na sua forma mais individualizada possível, mesmo que, para as demais pessoas, com e sem deficiência, a oferta da acessibilidade já esteja sendo disponibilizada nos moldes previstos na legislação pátria, levando-se em consideração, também, as normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Assim, ressalte-se que a adaptação razoável não pode dispensar a oferta regular da acessibilidade. O conceito de adaptação razoável agora internalizado com caráter de emenda constitucional deve ser amplamente utilizado em concursos públicos com a previsão de reserva de vagas para pessoas com deficiência. A Lei nº 13.146/2015 apodera-se dos conceitos de acessibilidade e adaptação razoável da CDPD e os considera para os fins de sua aplicação e à qual está obrigada a Administração Pública para os efeitos de concurso público. Também insere de forma definitiva o conceito de tecnologia assistiva ou ajuda técnica: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei consideram-se: I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; [..]. III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; [...] VI - adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais; Trata-se de colocar à disposição do candidato com deficiência todos os elementos de acessibilidade que englobam os produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, métodos, práticas e serviços que promovam a sua funcionalidade de maneira a gerar autonomia para a realização do certame. Sem essa providência em todas as fases do concurso público, inclusive do curso de formação, ferem-se os princípios constitucionais de acesso aos cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso I, da Constituição da República), do próprio concurso público como meio para a investidura em cargo ou emprego público (artigo 37, inciso II, da Constituição da República) e da reserva de cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência (artigo 37, inciso VIII, da Constituição da República). Lembre-se que a concepção de atendimento prioritário e tratamento diferenciado para pessoas com deficiência é construído a partir do artigo 40, do Decreto nº 3.298/1999 e compreende elementos variados a serem utilizados pelo administrador público de forma a tornar acessíveis o ambiente arquitetônico e o atendimento às necessidades pessoais do candidato com deficiência, conforme o artigo 6º, parágrafo 1º, do Decreto nº 5.296/2004, que regulamentou a Lei nº 10.048/2000. Um dos elementos indispensáveis quando se trata de concurso público para pessoas com deficiência é a forma acessível de apresentação das provas segundo a necessidade de cada pessoa. A previsão de tratamento diferenciado do artigo 40, parágrafos 1º e 2º, do Decreto nº 3.298/99 concretizava o direito de o candidato com deficiência poder requerer, no prazo determinado no edital, as condições diferenciadas de que necessita, segundo as suas necessidades, assim como o tempo adicional para a realização da prova. Portanto, desde 1999, a norma obriga ao administrador público a proceder a todas as adaptações dos locais e conteúdos das provas e do curso de formação, sendo-lhe vedado obstar a inscrição de pessoa com deficiência em qualquer concurso público. Por razões intrínsecas à deficiência declarada no ato da inscrição por meio de instrumento hábil (o laudo médico do modelo anterior previsto no Decreto nº 3.298/99 ou o instrumento para avaliação da deficiência frente ao contexto social em que a pessoa vive na nova fórmula da Lei nº 13.146/2015, artigo 2º, parágrafos 1º e 2º), o candidato tem o direito de requerer, no prazo fixado no edital, tratamento diferenciado para a realização das provas, indicando explicitamente quais são as condições de adaptações necessárias para prestá-las. Se necessário, pode requerer tempo adicional para a realização das referidas provas. Nesse caso, a justificativa deve estar acompanhada de parecer de equipe multiprofissional e apresentada no prazo previsto no edital do concurso. As condições diferenciadas que o candidato com deficiência necessita para a realização das provas pode ser a adaptação das provas em formato acessível. Mas, atenção, adaptar as provas para o candidato com deficiência não significa tornar as questões das provas mais fáceis, pois ele participa em igualdade de condições em relação ao conteúdo, à avaliação e aos critérios de aprovação, ao horário e ao local de aplicação das provas ou exames, e à nota mínima exigida para todos os demais candidatos. É o que já constava do artigo 41, incisos I a IV, do Decreto nº 3.298/1999 e consta do novo regulamento, artigo 2º do Decreto nº 9.508/2018, com as alterações que se seguiram no Decreto nº 9.546, de 30 de outubro de 2018. DECRETO Nº 9.546, DE 30 DE OUTUBRO DE 2018 Altera o Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, para excluir a previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência e estabelecer que os critérios de aprovação dessas provas poderão seguir os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 34, § 2º e § 3º, e no art. 35 da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, DECRETA: Art. 1º O Decreto nº 9.508, de 24 de setembro de 2018, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 3º [...] III - a previsão de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive durante o curso de formação, se houver, e do estágio probatório ou do período de experiência, estipuladas as condições de realização de cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do candidato com deficiência; IV - a exigência de apresentação pelo candidato com deficiência, no ato da inscrição, de comprovação da condição de deficiência nos termos do disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, sem prejuízo da adoção de critérios adicionais previstos em edital; V - a sistemática de convocação dos candidatos classificados, respeitado o disposto nos § 1º e § 2º do art. 1º; e VI - a previsão da possibilidade de uso, nas provas físicas, de tecnologias assistivas que o candidato com deficiência já utilize, sem a necessidade de adaptações adicionais, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência.” (NR) “Art. 4º [...] § 4º Os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital.” (NR). Adaptar as provas para o candidato com deficiência é tornar o seu conteúdo (que é o mesmo para todos os candidatos) acessível, utilizando-se de todos meios de tecnologia assistiva existentes, de forma que a pessoa com deficiência possa se apropriar do inteiro teor das questões formuladas e, assim ter condições de responder às formulações. Tenha-se certo que a adaptação de provas, segundo a necessidade do candidato com deficiência, responde aos comandos da CDPD e da LBI quanto à comunicação: O termo “comunicação” abrange as línguas, incluídas as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não falada; a visualização de textos; o Braile; a comunicação tátil; os caracteres ampliados; os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral; os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis. São exemplos de provas em formato acessível e ambientação acessível, segundo a natureza da deficiência do candidato: Candidato com deficiência visual, cego: prova em Braile se esta for a sua preferência por estar preparado para a leitura e escrita devendo-lhe ser disponibilizada máquina de datilografia comum ou Perkins/Braile e impressora Braile e sala exclusiva; prova gravada em áudio; prova com a utilização de computador, com leitor de telas, com editor de texto adequado e devidamente equipado com leitor de voz, fones de ouvido e mecanismos de segurança para resguardar o conteúdo das respostas, devendo ser colocado à disposição, ao mesmo tempo, ledor e escriba para o caso de não funcionamento do equipamento e pessoal habilitado da tecnologia da informação para ajustes no sistema; prova lida por ledor habilitado, devidamente autorizado pela organização do concurso; calculadora soroban e reglete. Candidato com deficiência visual, com baixa visão: a magnificação de tela; prova ampliada com fontes tamanho 14, 18 e 24; lupas ou outros recursos ópticos especiais para pessoas com baixa visão. Candidato com deficiência auditiva, surdo: intérprete da Libras/Língua Portuguesa; computador com a utilização concomitante de criptograma com o intérprete da Libras/Língua Portuguesa; prova em vídeo para Libras com o português como segunda língua, com filmadora para registrar o intérprete e as respostas do candidato em provas orais e/ou Libras; dicionários bilíngues (Libras/português) para o uso do candidato e do intérprete; aparelhos de amplificação sonora para apoiar candidato que possua resíduos auditivos e queira utilizá-los, devendo ser disponibilizada sala exclusiva. Candidato com deficiência física: sala de fácil acesso, mobiliários e equipamentos acessíveis; mesa e cadeiras separadas; mesa para usuários de cadeira de rodas; computador com leitor de telas; computador para provas discursivas; gravador ou filmadora para o registro de prova oral; ledor/transcritor para a marcação das respostas (candidato com comprometimento dos membros superiores ou paralisia cerebral). Candidato com deficiência intelectual: prova com conteúdo em linguagem simples; apoio pessoal durante a realização da prova. Candidato com deficiência mental: sala com número reduzido de participantes; sala com iluminação adequada. Outros elementos de atendimento diferenciado e acessibilidade: sala de fácil acesso; mesa e cadeiras separadas; mesa para usuários de cadeira de rodas, sala com número reduzido de participantes; sala com iluminação adequada, sala destinada à amamentação; sala para candidato enfermo e/ou utilização frequente de medicação; sala próxima a banheiros acessíveis e ledores e transcritores devidamente preparados. Em vista desse extenso rol exemplificativo de possibilidades provas em formato acessível e ambientação acessível segundo a natureza da deficiência do candidato, e do próprio conceito de comunicação derivado da CDPD e LBI, é que se percebe a impropriedade do Anexo ao Decreto nº 9.508/2018: ANEXO TECNOLOGIAS ASSISTIVAS E ADAPTAÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DE PROVAS EM CONCURSOS PÚBLICOS E EM PROCESSOS SELETIVOS Art. 1º Fica assegurado o acesso às seguintes tecnologias assistivas na realização de provas em concursos públicos e em processos seletivos, sem prejuízo de adaptações razoáveis que se fizerem necessárias: I - ao candidato com deficiência visual: a) prova impressa em braille; b) prova impressa em caracteres ampliados, com indicação do tamanho da fonte; c) prova gravada em áudio por fiscal ledor, com leitura fluente; d) prova em formato digital para utilização de computador com software de leitura de tela ou de ampliação de tela; e e) designação de fiscal para auxiliar na transcrição das respostas; II - ao candidato com deficiência auditiva: a) prova gravada em vídeo por fiscal intérprete da Língua Brasileira de Sinais - Libras, nos termos do disposto na Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, preferencialmente com habilitação no exame de proficiência do Programa Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e Ensino da Libras e para a Certificação de Proficiência em Tradução e Interpretação da Libras/Língua Portuguesa - Prolibras; e b) autorização para utilização de aparelho auricular, sujeito à inspeção e à aprovação pela autoridade responsável pelo concurso público ou pelo processo seletivo, com a finalidade de garantir a integridade do certame; III - ao candidato com deficiência física: a) mobiliário adaptado e espaços adequados para a realização da prova; b) designação de fiscal para auxiliar no manuseio da prova e na transcrição das respostas; c) facilidade de acesso às salas de realização da prova e às demais instalações de uso coletivo no local onde será realizado o certame. O Anexo ao Decreto nº 9.508/2018, mesmo que indique o “sem prejuízo de adaptações razoáveis que se fizerem necessárias”, exemplifica alguns dos recursos de tecnologia assistiva em concursos públicos e processos seletivos, esquecendo-se de tantos outros. Os recursos descritos no Anexo não podem ser exaustivos frente à amplitude do tratamento diferenciado tratado na LBI (artigo 9º), incluídas as leis e decreto de acessibilidade, e aos variados elementos de tecnologia assistiva, ajudas técnicas e à adaptação razoável quando necessária a cada caso. A minimização da previsão de recursos de acessibilidade do Anexo, no entanto, não autoriza ao administrador público a negar a utilização de outros recursos que não constem do mesmo. Além disso, o Anexo é excludente ao não prever a possibilidade de tornar as provas acessíveis para pessoas com deficiência física, intelectual e mental: a pessoa com deficiência física poderá necessitar, por exemplo, de prova oral, ledor/transcritor; a pessoa com deficiência intelectual necessita sempre de conteúdo de prova em linguagem simples e apoio pessoal para a realização da prova; a pessoa com deficiência mental poderá necessitar de sala com número reduzido de participantes. A omissão do Anexo, entretanto, não impede que o candidato com deficiência (qualquer natureza de deficiência), no tempo fixado no edital, faça o(s) pedido(s) de recurso(s) que necessite, o qual deverá ser atendido pelo administrador público por força do comando do artigo 9º da LBI que prevê o direito de a pessoa com deficiência receber atendimento prioritário, tendo a sua disposição os recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam o atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas. O regulamento prevê ainda no artigo 4º parágrafo 3º que em todas as fases do concurso público ou dos processos seletivos deverá ser colocado à disposição do candidato com deficiência, quando necessário, o recurso de interprete ou “serviços de assistência de interpretação por terceiros”. Lembre-se que o recurso de interprete é tecnologia assistiva imprescindível para que a pessoa com deficiência tenha igualdade de condições com os demais candidatos para a realização da prova, exemplo dos interpretes da Libras para pessoas surdas, dos Sistema Braille Digital, Tadoma, Alfabeto Dactilológico e Libras Tátil para pessoas surdocegas. Seguiram-se alterações específicas no Decreto nº 9.508/2018 pelo Decreto nº 9.546/2018 que acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 4º afirmando que os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital. Ressalte-se em bom tom, desde que assegurado o tratamento diferenciado e a adaptação das provas físicas. As provas de capacidade física, que envolvem testes de esforço físico como corrida, transposição de obstáculos, levantamento de peso e outros, são muito comuns em concursos públicos para a área da segurança pública e ainda suscitam polêmica. A questão é de fácil solução, pois ao tratar dos exames para aferir a capacidade de condicionamento físico do candidato com deficiência, basta seguir os procedimentos do tratamento diferenciado, apoiando-se em especialistas da área da deficiência que compõem a equipe multiprofissional para as adaptações das provas práticas. Referidos testes devem ser adaptados à deficiência da pessoa, considerando a utilização de elementos de tecnologia assistiva ou ajuda técnica, cujo conceito está definitivamente inserido em nosso sistema jurídico por meio da Lei nº 13.146/2015, artigo 3º, inciso III, de modo que o candidato com deficiência possa demonstrar a sua capacidade e condicionamento físico, em iguais condições com as demais pessoas. Atente-se para a nominação dos testes práticos que devem ser relacionados à aferição da saúde/aptidão física e se proporem, única e exclusivamente, a avaliar o condicionamento físico relacionado, por exemplo, à aptidão cardiorrespiratória e o condicionamento de força muscular e flexibilidade do candidato para cargos que explicitamente os prevejam (exemplo de bombeiros, policiais, bailarinos, coletores de lixo). Qualquer relação a testes à saúde mental do candidato está fora de cogitação e avaliação, posto se tratar de pessoa com deficiência mental, incluída como uma das naturezas de deficiência no propósito da CDPD e na LBI, artigo 2º da Lei nº 13.146/2015. O candidato com deficiência mental, portanto, é detentor do direito de acesso a cargos e empregos públicos por meio da reserva de vagas, se assim o desejar. Qualquer avaliação psicológica ou de saúde mental antes ou após a realização de provas que a elimine do certame público fere os comandos da Convenção e da LBI. A única hipótese permitida de avaliação será aquela da equipe multiprofissional, e segundo as atribuições permitidas na norma regulamentadora (artigo 5º Parágrafo único). Quanto à divulgação do concurso público, deve ser ampla e em meios acessíveis, sobretudo em sítios eletrônicos que devem garantir os formatos pdf, doc, docx, txt, vídeo em Libras e texto em língua portuguesa (LP) e português como segunda língua (L2). O padrão de acessibilidade dos sítios eletrônicos deve obedecer ao WCAG, atualmente contemplado no eMAG que padroniza a apresentação das páginas oficiais de governo. Questão ainda polêmica é a previsão em editais de concurso público de remessa da comprovação da deficiência e requerimentos acompanhados de laudos, por meio dos Correios (Sedex ou AR), na fase de inscrição. Esta providência a cargo do candidato com deficiência estava prevista no inciso IV, do artigo 39, do Decreto nº 3.298/1999 o que causava ônus e gerava desigualdade entre os demais participantes sem deficiência. O Decreto n 9.508/2018 poderia ter expressamente extirpado essa pratica anacrônica mas, ao contrário, parece tê-la fortalecido ao tratar no inciso IV do artigo 3º sobre a exigência de apresentação pelo candidato com deficiência, no ato da inscrição, de comprovação da condição de deficiência nos termos do disposto no parágrafo 1º do artigo 2º da LBI, “sem prejuízo da adoção de critérios adicionais previstos em edital”. Essa final previsão permite ao administrador público continuar com a prática onerosa e desigualadora. É com fundamento no princípio da boa-fé que se propõe que a remessa dos documentos que comprovam a deficiência declarada ocorra por meio eletrônico e, posteriormente apresentados no original quando da convocação para a nomeação da pessoa com deficiência. Caso o candidato incorra em declaração falsa da deficiência será simplesmente eliminado da lista de candidatos com deficiência classificados para a reserva de vagas. Ou, a depender do ônus causado à Administração Pública pela declaração falsa, pode incorrer em crime de falsidade ideológica, conforme previsão do artigo 299, do Código de Processo Penal. A Equipe Multiprofissional, cuja atribuição primeira é emitir parecer sobre as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição para a composição da reserva de vagas e providências de acessibilidade para a realização das provas, poderá, em caso de dúvida sobre as informações prestadas pelo candidato, solicitar informações complementares e/ou, se necessário, a apresentação dos documentos originais. O administrador público deverá criar mecanismos que permitam recuperar com segurança o conteúdo das respostas às questões formuladas. A certeza da existência e eficácia do mecanismo de segurança possibilita ao candidato com deficiência o meio adequado para apresentar eventual recurso à banca examinadora, seja por inconformismo em relação aos critérios de correção, dubiedade ou equívoco da questão formulada. Trata-se de providência obrigatória que decorre do comando constitucional do amplo acesso de todos ao concurso público (artigo 37, inciso I, da Constituição da República), de forma que os candidatos com deficiência, de acordo com o requerimento dirigido à equipe multiprofissional quanto às condições diferenciadas (acessibilidade e adaptação razoável), possam solucionar as questões segundo sua proficiência. Essa providência, à qual está obrigada a Administração Pública, dirige-se ao candidato com deficiência propiciando-lhe atingir a igualdade de condições com os demais candidatos. A jurisprudência dos tribunais firma-se no sentido da obrigatoriedade da adaptação de provas e do curso de formação para atender ao princípio da isonomia: Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 2ª Turma, REO 67310, publicado em 03/março/2002 CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 5º CAPUT. CF/88. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE VISUAL. PROVA DE DATILOGRAFIA EFETUADA EM BRAILLE. DOBRO DO TEMPO DOS DEMAIS CANDIDATOS. POSSIBILIDADE. 1. A Constituição Federal, em seu art. 5º, “caput”, consubstancia o princípio da isonomia, perante o qual todos são iguais, sem admitir-se qualquer forma de discriminação. 2. É inadmissível que, sob o pretexto de ver-se ressalvado tal princípio, seja dado o mesmo tratamento para situações distintas, até porque, para garantir-se igualdade é necessário que se trate desigualmente os desiguais. 3. Observando-se, na hipótese, que o impetrante é portador de deficiência visual e que, portanto, necessita efetuar a leitura do texto pelo método “braille” para, somente depois, poder datilografá-lo, constituir-se-ia em uma flagrante ofensa ao princípio da isonomia não permitir a realização de tal teste com o tempo duplicado em relação aos demais candidatos. Remessa oficial improvida. Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 676.335 MG, relatora Ministra Carmem Lúcia, publicado 26/fevereiro/2013 RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA PARA PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ACÓRDÃO RECORRIDO DISSONANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESTAÇÃO DE ESCLARECIMENTOS. [...] A luz do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade a depender do cargo e das previsões legais, deverão ser asseguradas condições para que os candidatos portadores de necessidades especiais possam participar das provas e das etapas sugeridas no certame. Assim, as provas, as disciplinas (teóricas e práticas) e o curso de formação deverão guardar pertinência com o cargo para o qual o candidato concorre e a igualdade de oportunidade dos concorrentes, garantindo-se aos que reclamem necessidades especiais sejam-lhes assegurado reserva de vaga, desde e que a ela possam aceder pelo atendimento de condições de exercício do cargo posto em concurso, de modo a impedir prejuízos na consecução dos fins buscados pela administração ao convocar concurso público para provimento de cargos na Polícia Federal [...]. ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DA PROVA. ADAPTAÇÃO DE PROVA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Em 2013, defendeu-se em Congresso Nacional do Ministério Público a tese (aprovada) de que os concursos públicos, quando possível, devem contemplar a possibilidade de adaptação das provas para candidatos com deficiência intelectual (Gugel, in Teses do XX Congresso Nacional do Ministério Público, 2013, p.475-486). A deficiência intelectual é uma das naturezas de deficiência e está contida no conceito de pessoa com deficiência da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD). Trata-se de uma deficiência relacionada ao déficit cognitivo da pessoa. Antes estava caracterizada no artigo 5º, parágrafo 1º, alínea d, do Decreto nº 5.296/2004, como sendo deficiência mental e diz respeito ao funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho. A Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1971 alerta a sociedade mundial e principalmente os países membros, por meio da Declaração dos Direitos de Pessoas com Deficiência Mental (Resolução nº 2856, de 20/12/71), que a pessoa com deficiência intelectual (a pessoa com deficiência mental na designação dos Decretos nº 3.298/1999 e nº 5.296/2004) deve gozar, no máximo grau possível, os mesmos direitos dos demais seres humanos (artigo 1º), com segurança econômica, vida digna e, na medida de suas possibilidades, exercendo uma atividade produtiva ou alguma ocupação útil (artigo 3º). O relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que as taxas de empregabilidade e de renda tendem a ser baixas relativamente à gravidade da deficiência. A pessoa com deficiência intelectual figura atualmente no padrão mínimo dessa relação e, em ocupações de nenhuma complexidade e com menor remuneração. No Brasil as instituições não governamentais de defesa dos direitos das pessoas com deficiência intelectual buscam soluções voltadas para o seu bem estar, sobretudo em relação à saúde e habilitação profissional e, quase sempre, conveniados com órgãos governamentais e empresas privadas. Com o advento do Decreto nº 3.298/1999 que regulamentou a Lei nº 8.213/1991 as entidades passaram a desenvolver programas de habilitação profissional para adolescentes e adultos com deficiência, em oficinas protegidas de produção e terapêutica na modalidade de trabalho apoiado, provendo-os com trabalho remunerado, visando a que alcançassem emancipação econômica e pessoal relativa. A partir desse momento, abriram-se as portas do mundo do trabalho para centenas de jovens e adultos com deficiência intelectual. Em 2000 a lei de aprendizagem (Lei nº 10.097), por meio de programas de formação técnico-profissional metódica, introduziu a mesma possibilidade de ingresso no mundo do trabalho de jovens com deficiência na condição de aprendiz. Excepcionou a idade máxima de 24 anos em decorrência do histórico nacional de falta de acesso e permanência das crianças e adolescentes com deficiência intelectual na escola. Para as pessoas com deficiência intelectual, no entanto, a previsão da lei de não levar em conta a faixa etária não foi suficiente. Daí porque, em 2005, a Lei nº 11.180 com uma nova previsão esclarece que para a comprovação da escolaridade do aprendiz com deficiência intelectual devem ser consideradas as habilidades e competências relacionadas com a profissionalização. Novos entraves surgiram na implementação das leis mencionadas: primeiro, convencer as famílias e os setores produtivos e de serviços sobre as potencialidades e capacidades de habilitação e qualificação profissional das pessoas com deficiência intelectual de forma a serem inseridas no mundo do trabalho; segundo, convencer órgãos governamentais e parlamentares sobre as possibilidades de serem edificados mecanismos legais para inserir no trabalho também as pessoas com deficiência intelectual beneficiárias da previdência e assistência social, sem comprometer o direito ao recebimento dos benefícios (pensão previdenciária e benefício da prestação continuada) que proporcionam razoável estabilidade econômica. Foram necessárias horas de contínuo e intenso diálogo para o convencimento sobre a eficácia dessa medida de ação afirmativa. Finalmente em 2011, a Lei nº 12.470/2011 alterou a lei previdenciária nº 8.213/1991 (nos artigos 16, incisos I e III; 72, parágrafo 3º; 77, parágrafo 2º, incisos II e III, e parágrafo 4º) e declarou que as pessoas com deficiência intelectual e mental, dependentes do segurado (filho ou irmão declarados judicialmente absoluta ou relativamente incapazes), podem trabalhar com a redução de 30% do valor da pensão ou seja, é possível acumular a remuneração recebida decorrente de um contrato de trabalho e os 70% do valor da pensão previdenciária. Essa mesma norma alterou significativamente a Lei nº 8.742/1993 (LOAS) afirmando que a remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para o cálculo da renda per capita da família para o direito de receber o benefício da prestação continuada (BPC) e que ao ser contrato como aprendiz a pessoa com deficiência não terá a suspensão do benefício de prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos. Nova alteração ocorreu com a Lei nº 13.183/2015, que acrescentou o parágrafo 6º ao artigo 77 da Lei nº 8.213/1991, garantindo o direito à pensão integral pelo dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave, mesmo que este tenha um trabalho remunerado ou seja microempreendedor. Complemente-se que previsão da Lei nº 12.470/2011 permite o trânsito da pessoa com deficiência da assistência social para o trabalho, e vice-versa. No momento em que o beneficiário assinar um contrato de trabalho, ou tiver uma atividade empreendedora, autônoma ou cooperativada, será suspenso o benefício da prestação continuada. Uma vez rescindido o contrato de trabalho e a permanecerem as condições poderá retornar ao BPC. Embora a colocação e permanência de pessoas com deficiência intelectual no mundo do trabalho com suas limitações cognitivas ainda esbarre na prática empresarial do desempenho, tudo parece estar em andamento no âmbito das relações de trabalho que detém medida de ação afirmativa específica consistente na reserva de cargos em empresas na forma da regra do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991, visando a alcançar o pleno exercício e equitativo direito ao trabalho da pessoa com deficiência intelectual. Porém, no âmbito da administração pública direta e indireta nada foi alterado, atualizado ou promovido e à pessoa com deficiência intelectual não foi ainda permitido o acesso ao concurso público e, em consequência, aos cargos e empregos públicos preconizados constitucionalmente. O comando constitucional (artigo 37, incisos I e II da Constituição da República) determina que todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei é facultado o acesso a cargos, empregos e funções públicas, por meio de aprovação em concurso público de provas, sendo que as pessoas com deficiência podem optar pela reserva de vagas (artigo 37, inciso VIII da Constituição da República; artigo 5º da Lei nº 8.112/1990). Parte do comando constitucional está regulamentada na Lei nº 8.112/1990 que assegura à pessoa com deficiência inscrever-se em concurso público para provimento de cargo “cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência”, em igualdade de condições com os demais candidatos, sendo-lhes reservadas até 20% das vagas oferecidas no concurso (artigo 5º, parágrafo 2º). Referida lei, no entanto, não fixa o percentual da reserva a incidir na totalidade de cargos a exemplo das empresas privadas e, permite ao administrador determinar os cargos que ao seu juízo sejam compatíveis com a deficiência, criando uma perversa forma de discriminação institucional pelo próprio estado brasileiro. Em princípio, todas as atividades são possíveis de serem exercidas pelas pessoas com deficiência, observadas as devidas e necessárias regras de acessibilidade e adaptações razoáveis. Os procedimentos para a realização de concurso público com a participação de candidatos com deficiência estão regulamentados no Decreto nº 3.298/1999 (artigos 39-41), quanto aos requisitos de inscrição e condições das provas, forma de publicação dos resultados em listas geral e especial, constituição de equipe multiprofissional para a avaliação do estágio probatório e outros. Atualmente, a referida norma foi alterada pelo Decreto nº 9.508/2018, conforme tratado nos tópico anteriores e subsequentes. Não obstante a existência de tais regras, não há acesso para as pessoas com deficiência intelectual aos concursos públicos, é impossível para elas o exercício de tal direito. Quando da elaboração de um concurso público a pessoa com deficiência intelectual não é considerada, sequer é cogitada a sua participação. Daí porque a necessária conscientização da sociedade e das entidades não governamentais sobre o direito ao concurso público para pessoas com deficiência intelectual e para que estimulem os administradores públicos a adaptarem os certames públicos para pessoas com deficiência intelectual em cargos e empregos públicos que dispensam a comprovação de escolaridade, de forma a avaliar as suas competências e habilidades para o exercício da função, a exemplo do que já ocorre nas relações de trabalho com o jovem aprendiz com deficiência. No entanto, a hipótese ainda não encontrou eco, sequer providências ou implementação por parte do administrador público municipal, estadual ou federal. Adaptar as provas para os candidatos com deficiência é tornar o seu conteúdo, que é o mesmo para todos os candidatos, acessível de forma que possam se apropriar do inteiro teor das questões formuladas e, ao mesmo tempo, ter condições de apresentar a resposta à formulação. No ano 2002, uma diretriz da CORDE, atualmente Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência (SNPD), sugeria que quando da elaboração das provas fossem priorizadas para a respectiva avaliação as atividades e tarefas inerentes às funções dos cargos disponibilizados. Porém, e infelizmente, essa diretriz ainda não foi recepcionada pelos responsáveis da elaboração de certames públicos: A solução para concursos públicos que avaliam conhecimentos básicos e aptidões específicas foi encontrada e sugerida pela Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE a partir de estudos realizados, de que: Todas as provas devem ter conteúdo que priorize as funções que efetivamente serão desempenhadas. Assim, em concursos que exijam testes físicos, estes devem ser realizados com as adaptações possíveis que não descaracterizem o conteúdo das provas, permitindo-se a qualquer pessoa o direito de inscrever-se e participar do exame de seleção. Ainda quanto ao conteúdo das provas, nos concursos em que os conhecimentos técnicos são dispensáveis, não há que se exigir a comprovação de escolaridade através de certificado, atribuindo-se maior peso aos resultados obtidos nas provas práticas (CORDE, 2002). Destaque-se que esse antigo encaminhamento da CORDE serviu de parâmetro para a Lei nº 11.180/2005 que alterou a lei aprendizagem, e atualmente determina que na comprovação da escolaridade do aprendiz com deficiência intelectual sejam consideradas as habilidades e competências relacionadas com a profissionalização (artigo 428, parágrafo 6º da CLT com a nova redação da Lei nº 13.146/2016). A resistente omissão do administrador público em não adaptar o conteúdo das provas em concursos públicos não poderá ser mais aceita, passível que é de ser tipificada como discriminação da pessoa com deficiência intelectual. Isso porque, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência determina a adoção de medidas e legislação apropriadas para “empregar pessoas com deficiência no setor público” (Artigo 27, g), ou seja, todas as pessoas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais [os impedimentos], em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (Artigo 1). A CDPD tem a dimensão de equivalência constitucional decorrente da aprovação qualificada no Congresso Nacional, na forma prevista no artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição da República e “tem lastro diferenciado e, portanto, significativo para o campo da reparação extrajudicial e judicial de direitos violados por práticas genéricas de discriminação por ação ou omissão” (Gugel, in FERRAZ, 2011, p. 413). Estão delineados na CDPD os fundamentos para obrigar o Poder Público dos Municípios, Estados, Distrito Federal e a Administração Pública Direta e Indireta a adaptarem os concursos públicos para pessoas com deficiência intelectual em cargos e empregos públicos, com dispensa da comprovação de escolaridade, de forma a avaliar as suas habilidades para a função, pois, i. a deficiência de natureza intelectual integra o conceito e o rol de pessoas a quem é assegurado o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (Artigo 1); ii. é vedado ao Estado discriminar qualquer pessoa baseada na sua deficiência (Artigo 5, item 2); iii. para promover a igualdade de oportunidades e eliminar a discriminação os Estados devem adotar medidas apropriadas para garantir a adaptação razoável (Artigo 5, item 3), não só em relação à condição da deficiência da pessoa, mas também no que diz respeito às provas do concurso público com linguagem simples, escrita e oral (Artigo 2, definição da comunicação); iv. a linguagem simples, escrita e oral prevista no Artigo 2 da CDPD, descreve a definição da comunicação a ser dirigida à pessoa com deficiência intelectual; v. para garantir a plena participação e inclusão na sociedade da pessoa com deficiência intelectual é necessário efetivo acesso ao trabalho e ao emprego de livre escolha, dentre os quais está o acesso a cargos e funções da administração pública (Artigo 27, letra g). Os concursos públicos em todas as etapas, o conteúdo das provas e as formas de aferição devem passar, quando necessário e segundo a necessidade individual do candidato com deficiência, por adaptação razoável, pois. i. a referência à adaptação razoável no Artigo 5, item 3, da CDPD, que trata da igualdade e não discriminação, é categórica e se justificativa para se atingir a efetiva igualdade de oportunidades das pessoas com deficiência intelectual com as demais pessoas. ii. a definição de adaptação razoável, do Artigo 2, comportam as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar às pessoas com deficiência o gozo ou exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. Recusar-se ou omitir-se a proceder à adaptação razoável é impedir o exercício das pessoas com deficiência, em igualdade de condições com as demais pessoas, ao direito de acesso ao concurso público. É uma forma de discriminação por motivo de deficiência, conforme o conceito de discriminação por motivo de deficiência do Artigo 2, da CDPD: “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável. Junte-se ao argumento o fato de a CDPD definir a comunicação no Artigo 2, indicando a intrínseca necessidade de cada deficiência, como a linguagem simples, escrita e oral, base para a forma de comunicar das pessoas com deficiência intelectual. Daí porque afirmar-se que a norma existente que dispõe sobre a reserva de vagas para pessoas com deficiência em concurso público, e que não contradiga os parâmetros da CDPD estão por esta revigorada, com imediata aplicação nos concursos públicos em curso e futuros. Conclui-se que o administrador público ao preterir, impedir ou impossibilitar a participação de pessoas com deficiência intelectual em certames públicos, deixando de adotar medidas, identificar e eleger cargos e funções possíveis de serem exercidas por pessoas com deficiência intelectual e de proceder à adaptação razoável nas provas para aferir a capacidade dos candidatos, caracteriza ação discriminatória por ato omissivo que redunda na exclusão dessas pessoas. Tal omissão tem o efeito de impedir o exercício de um direito de acesso a cargos e empregos públicos por meio do concurso público que é facultado, na dicção do artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República a todos os brasileiros [incluídos os brasileiros com deficiência intelectual] que preencham os requisitos estabelecidos em lei. Lembre-se também da Lei nº 7.853/1989, referente às medidas judiciais destinadas à proteção dos interesses das pessoas com deficiência que, no artigo 8º, inciso II, constitui o crime punível com reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos e multa para quem obstar a inscrição em concurso público ou acesso de alguém a qualquer cargo e emprego público, por motivos de sua deficiência. Quanto à acessibilidade do conteúdo das provas para as pessoas com deficiência intelectual como método de tecnologia assistiva, é medida necessária para a concretização do direito de acesso ao concurso público em igualdade de oportunidade. Envolve procedimentos de adaptação do conteúdo das provas, devendo, ao mesmo tempo, possibilitar a aferição das habilidades e competências e conter regras definidas para a avaliação, posto tratarem-se de mecanismos fundamentais para convalidar o princípio da não discriminação. Aspecto importante que efetiva o princípio da livre escolha do candidato ao trabalho (Artigo 27, 1, CDPD), é o de que o edital de concurso público contenha a relação dos cargos disponibilizados para o preenchimento, com a descrição das atribuições, as atividades e tarefas que a função exige do servidor/empregado público. Essa informação tem dupla função: primeira, a de permitir que cada candidato avalie as suas possibilidades em desenvolvê-las e decida se participará do certame público e, segundo, a de propiciar ao responsável pela elaboração das provas do concurso público elementos para adaptar os seus conteúdos de maneira a avaliar as competência e habilidades do candidato, segundo as necessidades dos cargos e funções. É importante reforçar que a adaptação das provas terá por base os recursos de tecnologia assistiva adequados (adaptação do conteúdo das perguntas das provas, Braile, Libras, etc.) para as necessidades do candidato com deficiência, incluído o curso de formação e o estágio probatório. Para tanto, é necessária a previsão expressa no edital de concurso público de que serão levadas em conta no conteúdo adaptado das provas as competências e habilidades dos candidatos com deficiência intelectual. Consequentemente, a avaliação das provas deverá ser diferenciada. Os critérios para a elaboração das provas, preparados por especialistas da área da deficiência, devem ser baseados em textos orais ou escritos, com a utilização de palavras mais simples e sentenças mais curtas, apresentando sempre uma ideia ou informação de cada vez, sem o uso de metáforas ou abstrações. A apresentação das provas deverá clara e limpa, podendo conter letras em caixa alta para prender a atenção do candidato com deficiência intelectual e facilitar a leitura. Quando se entender próprio, poderá lançar mão do recurso de imagens, fotos, desenhos e esquemas que objetivem a melhor compreensão do conteúdo: Os textos, sejam eles orais ou escritos, devem utilizar palavras mais simples e sentenças mais curtas, apresentando sempre uma ideia ou informação de cada vez. O uso de metáforas também não é aconselhável, já que a sua compreensão requer uma abstração que algumas vezes as pessoas com deficiência intelectual têm dificuldade em alcançar. Quanto à forma, deve-se optar por fontes simples sobre fundo liso, letras em caixa alta e design mais claro e limpo. Acrescentar imagens, fotos, desenhos, esquemas, infográficos ou qualquer tipo de apoio visual também é importante e facilita muito a compreensão. (http://www.movimentodownºorg.br/jovens-e-adultos/o-que-e-comunicacao-acessivel/). O critério da temporalidade adicional também é fundamental para a realização das provas. O tempo adicional, na medida mínima de duas horas adicionais, deve ser estabelecido de maneira a permitir que o candidato com deficiência intelectual organize e compreenda o conteúdo da prova e desenvolva as respostas. Outro fundamental recurso de tecnologia assistiva para concretizar o princípio da igualdade de oportunidade é a previsão do apoio pessoal durante a realização das provas. O apoio tem como objetivo principal dar suporte emocional ao candidato com deficiência intelectual e também esclarecimentos visando a contribuir para a compreensão do conteúdo das perguntas, e assim colaborar para potencializar a autonomia ao candidato para as respostas. Lembre-se que o resultado eficaz com a adaptação do conteúdo das provas só será alcançado com a constituição da equipe multiprofissional com profissionais da área da deficiência intelectual (exemplo de psicólogo, fonoaudiólogo, profissionais da área de educação profissional, pedagogos com experiência em ensino e aprendizagem, assistente social, etc.) visando a tornar efetivo o apoio em todas as etapas do concurso público, na forma preconizada no revogado artigo 43, do Decreto nº 3.298/99 e atual Decreto 9.508/2018, especialmente quanto à viabilidade das condições de acessibilidade às provas e, posteriormente em caso de nomeação do candidato no curso do estágio probatório, nas adaptações do ambiente de trabalho para a execução das tarefas e cumprimento das regras do artigo 20, da Lei nº 8.112/1990 (assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade). LOCAL DE REALIZAÇÃO DAS PROVAS As normas de acessibilidade (Leis nº 10.048/2000 e nº 10.098/2000; Decreto nº 5.296/2004; normas técnicas de acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), principalmente a NBR 9050:2015 e NBR ISO 9396:1), são de cumprimento obrigatório pela Administração Pública. O artigo 7º, do Decreto nº 5.296/2004 determina obediência aos seus termos, sobretudo o atendimento prioritário, no âmbito da administração pública direta e indireta, bem como das empresas prestadoras de serviços públicos. Lembre-se, mais uma vez, que a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência ao tratar da acessibilidade reconhece as regras previstas na legislação e normas técnicas (artigo 60). Todos os locais de prova devem atender às normas técnicas brasileira, da ABNT relativas à acessibilidade da pessoa com deficiência, cabendo ao administrador público obedecer aos padrões e critérios nelas estabelecidos. As duas normas mais utilizadas para os concursos públicos são a NBR 9050:2015 e a NBR ISO 9396:1. A ABNT NBR 9050:2015, de Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, visa a propiciar condições adequadas e seguras de acessibilidade autônoma a edificações, espaço, mobiliário e equipamento urbanos. Entende-se por edificações as de uso público, mesmo que de propriedade privada, como as destinadas à educação, saúde, cultura, culto, esporte, lazer, serviços, comércio, indústria, hospedagem, trabalho, reunião e outros. Essa norma atende aos usuários em cadeiras de rodas, aqueles que se utilizam de diferentes tipos de bengalas, andadores e cães guia, tanto nos locais comuns de circulação, quanto a banheiros, mobiliário e estacionamento. A ABNT ISO 9396:1, de Plataformas de elevação motorizada, abrangendo também as plataformas de elevação vertical (elevadores) para pessoas com mobilidade reduzida, contendo requisitos para a segurança e operação funcional para pessoas, inclusive aquelas que necessitam de assistência. O administrador público deve optar por locais de prova preferencialmente já acessíveis, segundo as normas técnicas indicadas, e aptos a receber o candidato com deficiência de forma segura e que proporcione autonomia, além de dignidade. Eventuais adaptações que devam ocorrer nos locais de provas também devem prever os apoios especiais e as ajudas técnicas específicas para a deficiência do candidato, o que significa dizer que, se houver necessidade, devem ser colocados à disposição dos candidatos com deficiência o atendente pessoal, a exemplo do intérprete de Libras, ledor, terceiro para apoiar na condução, dentre outras ajudas técnicas. Para o concurso público o comando de tratamento diferenciado a ser dispensado ao candidato com deficiência inclui o local da realização das provas, que precisa estar plenamente acessível, com condições de utilização dos espaços, mobiliários e equipamentos de forma segurança e autônoma, não descartada a assistência de terceiro. Além disso, deve estar localizado em pontos da cidade com mobilidade e servido com transporte coletivo acessível e, ter acesso a estacionamento com vagas reservadas para pessoa com deficiência, o mais próximo possível do prédio/salas onde se realizar a prova. Não sendo possível atender a todas as regras de acessibilidade, o administrador público deverá providenciar que os candidatos com deficiência e/ou mobilidade reduzida, sejam acomodados em salas térreas, sem escadas e próximas a banheiros acessíveis com entrada independente. Havendo períodos de espera para a entrada nas salas de realização das provas, é imprescindível que se ofereça local abrigado de sol, chuva e vento. É justificável que se exija do candidato com deficiência, no ato da inscrição, a declaração da deficiência e a informação sobre a utilização de órtese ou prótese a ensejar a necessidade de verificação, atendendo à segurança do concurso. CURSO DE FORMAÇÃO DOS CANDIDATOS O curso de formação dispõe de práticas e procedimentos simplificados, sendo a convocação dos candidatos realizada por meio de chamamento por edital para que efetuem a matrícula no curso. Também nessa fase, devem ser observados os critérios de alternância e proporcionalidade das duas listas (a geral e a de candidatos com deficiência). Uma vez não efetuada a matrícula, o candidato será eliminado, sendo considerado reprovado. Havendo desistência de candidatos, serão convocados os que seguem na lista de classificação, observado que o número de candidatos chamados deve ser em igual número ao das desistências havidas. O Superior Tribunal de Justiça vem decidindo em sede de mandados de segurança pela aplicação dos critérios de alternância de proporcionalidade, quando adequadamente inseridos no edital, também para a etapa do curso de formação. Dessa forma, compele ao cumprimento efetivo da norma de reserva de vagas para candidatos com deficiência em concursos públicos: Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança 8411/DF, Relator Ministro Gilson Dipp, publicado no Diário de Justiça de 21/junho/2004. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MÉDICO VETERINÁRIO. ÁREA VIGILÂNCIA AGROPECUÁRIA. CONVOCAÇÃO DE CANDIDATA DEFICIENTE PARA CURSO DE FORMAÇÃO. INOBSERVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO DOS APROVADOS NO CERTAME E CONSEQUENTE PRETERIÇÃO DE CANDIDATO COM NOTA FINAL SUPERIOR. INOCORRÊNCIA. NORMAS DO EDITAL OBSERVADAS. CUMPRIMENTO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE PERCENTUAL DE CARGO PÚBLICO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA REGULADA PELA LEI Nº 8.112/90 E PELO DECRETO Nº 3.298/99. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA. I - A Constituição Federal, em seu art. 37, inciso VIII assegura aos portadores de deficiência física a reserva de percentual dos cargos e empregos públicos. A Administração regula a situação através da Lei nº 8.112/90 e do Decreto nº 3.298/99, estabelecendo que serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso, bem como que o número de vagas correspondente à reserva destinada à pessoa portadora de deficiência deve estar inserta no Edital, respectivamente. II - Estatui o brocardo jurídico: “o edital é a lei do concurso”. Desta forma, estabelece-se um vínculo entre a Administração e os candidatos, igualmente ao descrito na Lei de Licitações Públicas, já que o escopo principal do certame é propiciar a toda coletividade igualdade de condições no ingresso ao serviço público. Pactuam-se, assim, normas preexistentes entre os dois sujeitos da relação editalícia. De um lado, a Administração. De outro, os candidatos. Com isso, é defeso a qualquer candidato vindicar direito alusivo à quebra das condutas lineares, universais e imparciais adotadas no certame. III - O candidato portador de deficiência física concorre em condições de igualdade com os demais não portadores, na medida das suas desigualdades. Caso contrário, a garantia de reserva de vagas nos concursos para provimento de cargos públicos aos candidatos deficientes não teria razão de ser. IV - No caso dos autos, a candidata deficiente participou do processo seletivo em efetiva igualdade de condições com todos os demais, na medida em que: foi submetida a todas as etapas do certame, estava sujeita ao alcance de pontuação mínima nas provas objetivas, bem como à aprovação no Curso de Formação, dentre várias outras exigências insertas no Edital. Assim sendo, o item que impõe a participação dos portadores de deficiência em igualdade de condições com os demais candidatos, não pode ser interpretado de maneira absoluta. V - O tratamento relativamente diferenciado, ou por outro lado, a “preferência” que se dá aos deficientes físicos foi o modo que encontrou o legislador constituinte de minorar o déficit de que são acometidos. A convocação da candidata deficiente para participar do Curso de Formação, ao invés do impetrante, consiste na obediência às normas que regem a situação. VI - Segurança denegada. Superior Tribunal de Justiça, Mandado de Segurança 8482/DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, publicado no Diário de Justiça de 14/setembro/2005. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PODER JUDICIÁRIO. AFERIÇÃO DE PARÂMETROS DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE FISCAL FEDERAL AGROPECUÁRIO. EDITAL 1/2001. CRITÉRIO REGIONALIZADO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL DE VAGAS EM CADA TURMA DE CONVOCAÇÃO PARA O CURSO DE FORMAÇÃO. ART. 37, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 5º, § 2º, DA LEI 8.112/90. ART. 37, § 2º, DO DECRETO 3.298/99. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. É possível a impetração de mandado de segurança para aferir parâmetros de legalidade da Administração na aplicação das normas constitucionais, legais e do edital em concurso público. Hipótese em que não se aprecia aspectos relacionados à conveniência e oportunidade do ato administrativo. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada. 2. A Constituição Federal, em seu art. 37, inc. VIII assegura reserva de percentual de vagas aos candidatos portadores de deficiência para provimento de cargo ou emprego público. Nos termos do art. 5º, § 2º, Lei 8.112/90, o percentual máximo a ser observado é de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no certame. 3. No Concurso Público para Provimento de Vagas no Cargo de Fiscal Federal Agropecuário, regido pelo Edital 1/2001-MA, de 14/10/2001, foi reservado o percentual de 5% (cinco por cento) por especialidade/área aos portadores de deficiência e prevista a convocação dos candidatos aprovados na primeira etapa em 2 (duas) turmas para participação do Curso de Formação (segunda etapa). 4. Ante a peculiaridade desse certame, realizado de forma regionalizada e com a formação de 2 (duas) turmas distintas para a segunda etapa, mostra-se razoável a interpretação conferida pela Administração às regras do edital, ao determinar a observância do referido percentual em cada turma, separadamente. 5. Hipótese em que o impetrante, que concorreu às vagas destinadas aos não deficientes, embora tenha participado do Curso de Formação por força de liminar concedida nos autos do MS 8.205/DF, deixou de ser nomeado porque convocados 3 candidatos portadores de deficiência na segunda turma, considerando que (três) e o cálculo do percentual gerou a fração de 2,2 e, por força do Decreto 3.298/99, deve ser observado, nesses casos, o (dois vírgula dois) número inteiro subsequente. 6. Os portadores de deficiência figuram em lista própria de classificação em concurso público. Por conseguinte, não obstante possam atingir média inferior aos demais candidatos, e ainda serem convocados e nomeados, essa circunstância não demonstra, por si só, preterição. Precedente. 7. Segurança denegada. A grade do curso de formação deve ter carga horária definida em horas aula, compreendendo aulas teóricas e práticas, seminários e apresentação de monografias. Pode ser ministrado pelo próprio órgão ou contratada instituição para tal fim. O candidato deve receber auxílio financeiro durante o curso de formação que é quase sempre de 50% dos vencimentos ou, do salário inicial do cargo ou emprego público, para o qual esteja concorrendo. Nos casos em que o candidato seja servidor ou empregado público, poderá optar pelo vencimento ou salário de seu cargo efetivo. Uma vez aprovado, o candidato terá contado o tempo de duração do curso de formação como de efetivo serviço, desde que tenha tido frequência integral, ressalvados os afastamentos legais. A nota obtida no curso de formação é contada para o efeito de classificação final. Também para essa etapa do concurso público, via de regra eliminatória, valem as observações sobre acessibilidade, adaptação razoável e tratamento diferenciado, a serem indicadas pela equipe multiprofissional, conforme já previam os revogados artigos 39, inciso III e 43, parágrafo primeiro, inciso IV, do Decreto nº 3.298/1999 e comentados nos tópicos especificos. As atribuições da equipe multiprofissional nessa etapa do concurso persistem com o novel artigo 5º do Decreto nº 9.508/2018. Além disso, e por tratamento isonômico, é também aplicável no âmbito da Administração Pública, o artigo 34, parágrafo 5º, da LBI que garante aos trabalhadores com deficiência acessibilidade em cursos de formação e de capacitação. Muitas vezes o curso de formação tem o caráter de capacitação para as futuras atribuições do cargo a ser exercido, a exigir maior empenho da equipe multiprofissional para as indicações obrigatórias de acessibilidade e adaptação razoável, a quem necessitar, do curso de formação com a disponibilização de todos os elementos de tratamento diferenciados (apoios e ajudas técnicas), pois serão fundamentais para o êxito do candidato com deficiência na conclusão do curso. A Administração Pública só estará em conformidade com o princípio constitucional de acesso aos cargos e empregos públicos por pessoas com deficiência se cumprir todas as regras de tratamento diferenciado para o candidato com deficiência, inclusive para o curso de formação. NOMEAÇÃO. LISTA GERAL E LISTA ESPECIAL COM CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA OU LISTA ÚNICA? As pessoas com deficiência disputam a todas as vagas disponibilizadas no concurso em condições de igualdade com os demais candidatos e, especificamente às vagas reservadas. As pessoas sem deficiência por sua vez disputam as vagas não reservadas e aquelas decorrentes de reversão, caso não haja candidato com deficiência classificado para ocupar as vagas reservadas. O administrador público, observado o princípio administrativo da legalidade atrelado ao seu poder normativo e discricionário, convocará para a nomeação os candidatos aos cargos públicos, no período de validade do concurso, até o limite do percentual das vagas definido no edital. O administrador público pode escolher o momento da nomeação, mas não pode dispor da própria nomeação que passa a constituir um direito do candidato com deficiência classificado dentro do número de vagas reservadas. Trata-se de fazer valer um dever inerente à Administração Pública, em atenção ao princípio da legalidade, o de seguir as regras do edital, especificamente quanto à previsão de vagas reservadas no concurso público e, também, o dever de nomeação do candidato classificado e/ou aprovado. A decisão do Supremo Tribunal Federal que segue é esclarecedora no sentido de conferir o direito de nomeação de candidatos aprovados, fundamentando-se no respeito ao princípio da segurança jurídica que tem relação com a ideia de respeito à boa-fé e a proteção à confiança, edificados também como princípios que regem o direito administrativo (Di Pietro, 2015, p.118-120): Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário 598.099/MS, relator Ministro Gilmar Mendes, publicado no Diário da Justiça em 03/outubro/2011. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. Dentro do prazo de validade do concurso, a Administração poderá escolher o momento do qual se realizará a nomeação, mas não poderá dispor sobre a própria nomeação, a qual, de acordo com o edital, passa a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao poder público. Uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. II. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA, BOA-FÉ. PROTEÇÃO À CONFIANÇA. O dever de boa-fé da Administração Pública exige o respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão de vagas do concurso público. Isso igualmente decorre de um necessário e incondicional respeito à segurança jurídica como princípio do Estado de Direito. Tem-se, aqui, o princípio da segurança jurídica como princípio de proteção à confiança. Quando a Administração torna público um edital de concurso, convocando todos os cidadãos a participarem de seleção para o preenchimento de determinadas vagas no serviço público, ela impreterivelmente gera uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas nesse edital. Aqueles cidadãos que decidem se inscrever e participar do certame público depositam sua confiança no Estado administrador, que deve atuar de forma responsável quanto às normas do edital e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Isso quer dizer, em outros termos, que o comportamento da Administração Pública no decorrer do concurso público deve se pautar pela boa-fé, tanto do sentido objetivo quanto no aspecto subjetivo de respeito à confiança nela depositada por todos os cidadãos. O direito à nomeação de candidato com deficiência classificado dentro do percentual de vagas reservadas previsto no edital está consolidado pelo Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que a previsão do edital se constitui em regra que vincula o candidato e o administrador público. Se a Administração Pública deixar de cumprir sua própria regra incide em comportamento contraditório vindo a comprometer as relações com os candidatos inscritos, gerando incerteza e afetando sua própria legitimidade. Nesse sentido é o entendimento da segunda turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança 31695 AGR/DF, tendo como relator o Ministro Celso de Mello: Supremo Tribunal Federal, 31695 AGR/DF, relator Ministro Celso de Mello, publicado no Diário da Justiça em 10/abril/2015. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. RESERVA PERCENTUAL DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS (CF, ART. 37, VIII). CANDIDATO CLASSIFICADO EM PRIMEIRO LUGAR PARA AS VAGAS VINCULADAS A ESSA ESPECÍFICA CLÁUSULA DE RESERVA CONSTITUCIONAL. ESTABELECIMENTO, PELO EDITAL E PELA LEGISLAÇÃO PERTINENTE, DE PARÂMETROS A SEREM RESPEITADOS PELO PODER PÚBLICO (LEI Nº 8.112/90, ART. 5º, § 2º, E DECRETO Nº 3.298/99, ART. 37, §§ 1º E 2º). DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. A QUESTÃO DA VINCULAÇÃO JURÍDICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA AO EDITAL. PRECEDENTES – CLÁUSULA GERAL QUE CONSAGRA A PROIBIÇÃO DO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. INCIDÊNCIA DESSA CLÁUSULA (“NEMO POTEST VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM”) NAS RELAÇÕES JURÍDICAS, INCLUSIVE NAS DE DIREITO PÚBLICO QUE SE ESTABELECEM ENTRE OS ADMINISTRADOS E O PODER PÚBLICO. PRETENSÃO MANDAMENTAL QUE SE AJUSTA À DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO. RECURSO IMPROVIDO. O administrador público, no momento de convocar os candidatos para a nomeação, deve observar os critérios da alternância e da proporcionalidade, cujo percentual mínimo é de 5% (o percentual a ser aplicado deve coincidir com o percentual da reserva de vagas do edital). Essa prática, desde 1999, é aplicada entre as listas geral (com todos os candidatos) e especial (somente com os candidatos com deficiência). Os critérios da alternância e da proporcionalidade, que decorrem do princípio da legalidade e ao qual está atrelado o administrador público, se utilizados adequadamente, dão efetividade ao princípio da isonomia, no seu aspecto material, de acesso de pessoas com deficiência por meio da reserva de vagas em cada concurso público. Alerte-se, o critério da proporcionalidade a ser aplicado deve conter o percentual da reserva de vagas previsto no edital, pois é este percentual que gera a proporção correta e equânime de candidatos com deficiência a serem convocados para a nomeação. Esse método já estava previsto nos revogados artigos 37, parágrafo 1º e 42, do Decreto nº 3.298/1999 que regulamentou a Lei nº 7.853/1989 e, é decorrente do artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei nº 8.112/1990, acrescido da jurisprudência que se consolidou: Decreto n° 3.298/1999 Art. 37. Fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que é portador. § 1º O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida. § 2º Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente. Art. 42. A publicação do resultado final do concurso será feita em duas listas, contendo, a primeira, a pontuação de todos os candidatos, inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda, somente a pontuação destes últimos. Lei n° 8.112/1990 Art. 5º - São requisitos básicos para investidura em cargo público: [...] § 2º - Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso. Não se esqueça que, no modelo anterior (artigo 37, parágrafo 1º, do Decreto nº 3.298/1999. revogado), ao ser aplicado o mínimo de 5% de candidatos com deficiência em face da classificação obtida, respeitava-se a proporcionalidade em relação ao número de candidatos convocados para as nomeações. Nesse ponto é que residia a aplicação do critério da proporcionalidade: em cada bloco de nomeações deveria ser observado o percentual da reserva do edital (que varia até 20%, segundo a Lei nº 8.112/1991) ou o percentual mínimo de 5% dos candidatos com deficiência (se o percentual da reserva de vagas fosse inferior a 5%). Hoje esse percentual mínimo deve, necessariamente, ser de 5%, tal como preconiza o parágrafo único do artigo 1º do Decreto nº 9.508/2018. Defende-se, há muito, que o critério da proporcionalidade a ser aplicado deve conter o mesmo percentual da reserva de vagas previsto no edital, pois é este percentual que gera a proporção correta e equânime de candidatos com deficiência a serem convocados para a nomeação. O revogado artigo 37, parágrafo 1º, do Decreto nº 3.298/1999 ao prever que no momento da nomeação seja garantido o mínimo de 5% dos candidatos classificados visava a garantir a efetiva nomeação de candidatos com deficiência. Referida previsão, no entanto, somente seria favorável quando o percentual da reserva de vagas no concurso público fosse inferior a 5%. O comando do percentual mínimo de 5% dos candidatos classificados deve ser adotado em conjunto com a regra do arredondamento que consta do parágrafo 2º do mesmo artigo 37 do Decreto nº 3.298/1999: caso a aplicação do percentual resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente. Sendo o percentual de vagas no concurso público acima de 5% e até 20, o percentual a ser aplicado para definir o número de candidatos com deficiência para a nomeação é o mesmo indicado no edital para a reserva de vagas. Com essa medida, preser-se o princípio da aplicação da norma mais favorável. Duas hipóteses dimensionam e exemplificam o argumento: Hipótese um: O edital prevê o número de 100 (cem) cargos, destinando 20% (vinte por cento) de vagas reservadas, ou seja, 20 (vinte) cargos para pessoas com deficiência. Dos primeiros 40 (quarenta) candidatos convocados para a nomeação, aplicado o percentual de 20% (vinte por cento), 8 (oito) são os cargos a serem preenchidos com candidatos com deficiência, sendo o primeiro lugar ocupado com o candidato da lista geral e o segundo lugar com o candidato da lista especial, e assim sucessivamente. Em cada bloco de candidatos chamados para a nomeação deve existir a proporção corresponde de candidatos com deficiência, com base na alternância das listas geral e especial até completar as 20 (vinte) vagas reservadas. Hipótese dois: contrário senso para o mesmo exemplo, aplicado (equivocadamente) o percentual de 5% dos candidatos classificados para a nomeação, conforme consta do artigo 37, §1º, do Decreto nº 3.298/1999 (que é aplicável somente para aqueles casos em que a reserva de vagas previsto no edital for menor que 5%), o número de cargos a serem providos com candidatos com deficiência é de 5 (cinco). Portanto, em desfavor dos candidatos com deficiência e em violação ao princípio da aplicação da norma mais favorável. Em suma e para dar efetividade ao princípio do direito à igualdade material, os candidatos sem e com deficiência devem ser nomeados de forma alternada e proporcional, obedecida à ordem de classificação das listas geral (com todos os candidatos com e sem deficiência) e especial (somente com as pessoas com deficiência) e ao percentual da reserva de vagas do edital, que pode variar até 20%. Sendo o percentual da reserva de vagas inferior a 5%, aplica-se o percentual mínimo de 5% da norma regulamentadora para a nomeação. Sendo o percentual de reserva de vagas superior a 5% até 20%, aplica-se o mesmo percentual destinado para a reserva para compor a proporcionalidade exigida. As listas geral e especial deveriam ser geradas ao final do concurso público na forma prevista do revogado artigo 42, do Decreto nº 3.298/99. A primeira justificativa para a elaboração de duas listas em concursos públicos para candidatos com deficiência, observada a reserva de vagas de que tratam os artigos 37, VIII, da Constituição da República e o artigo 5º, da Lei nº 8.112/1990, é disciplinar o resultado de duas distintas competições: uma entre os candidatos com deficiência para as vagas que lhes são reservadas, eis que pode ocorrer a aprovação de número superior de pessoas com deficiência inscritas para o preenchimento da reserva; outra entre os candidatos aprovados tenham ou não deficiência. No caso de uma etapa do certame público ter sido concluída, composta ou não de fases, a publicação do resultado deve necessariamente ocorrer em duas listas (geral e especial) de forma a propiciar a convocação para a nomeação dos candidatos para a segunda etapa, ou para o curso de formação. Para tanto, basta que se conheça a relação de candidatos que alcançaram a nota mínima classificatória. É importante destacar que em cada fase do concurso público pode ser exigida nota mínima classificatória. Porém, na classificação final dos candidatos deve ser observada a nota mínima fixada para aprovação no concurso, lembrando-se que a colocação de cada candidato na classificação final dependerá do nível alcançado pelo conjunto de candidatos, traduzida pela a nota de corte. A segunda justificativa para a elaboração das duas listas, geral e especial, com as respectivas classificações de candidatos é a de atender a ordem de convocação para a nomeação ao correspondente número de cargos a serem preenchidos, inclusive os reservados, com a aplicação dos critérios da alternância e da proporcionalidade. A alternância e proporcionalidade são dois critérios indissociáveis para dar efetividade ao direito de acesso da pessoa com deficiência às vagas reservadas em concursos públicos, que ocorre por meio da nomeação, com a garantia de obediência pelo administrador público da ordem dos candidatos com deficiência classificados: a alternância ocorre entre as listas geral e especial. Nesse sentido já se manifestou o Ministro Gilmar Mendes ao acautelar mandado de segurança, publicado em 6/abril/2004, no qual se buscava garantir o local de lotação de candidata com deficiência: DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado por Aline Mancino da Luz Caixeta contra ato do Procurador-Geral da República “consubstanciado na lotação da impetrante na Procuradoria da República em Marabá/PA, sem a observância do critério da proporcionalidade e alternância entre o quantitativo de vagas destinado à ampla concorrência e o destinado a portadores de deficiência, violando, assim, direitos que a Constituição Federal e os atos regulamentares lhe asseguram.” (fl. 01). Invocando a Lei º 7.853, de 1989, e o Decreto nº 3.298, de 1999, sustenta-se que a aplicação desse critério em relação aos candidatos aprovados para o concurso implica a proporção de 19 para 1, assegurando-se “o direito de figurar como primeira colocada na lista relativa às vagas reservadas e, por via de consequência, ter o direito de escolha da sua lotação logo após o 19º colocado na listagem geral.” (fl. 7). Assevera que se o critério tivesse sido observado “a impetrante teria sido lotada na cidade do Rio de Janeiro, na sua primeira opção de lotação e é onde reside e faz o seu tratamento de reabilitação física, visto que, após o candidato colocado em 19º lugar, três deles foram lotados na mesma cidade: o 20º, 28º e o 35º.” (fl. 8) Requer liminar para ser determinada a sua lotação provisória na Procuradoria da República no Rio de Janeiro, sob o fundamento de que terá que assumir suas funções no próximo dia 29 de março. Diante dos fatos acima transcritos, entendo estarem presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora que autorizam a concessão da liminar. Defiro o pedido de liminar para determinar que a impetrante seja lotada, em caráter provisório, na Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, até o julgamento do presente writ. Para dar efetividade ao comando constitucional da reserva de cargos, a convocação dos candidatos de forma alternada e proporcional deve se iniciar com os candidatos da lista geral, passando-se ao primeiro da lista de candidatos com deficiência já no primeiro bloco de convocados para a segunda vaga, seja qual for o número de candidatos chamados e, respeitando-se o critério da proporcionalidade com base no percentual específico da reserva, se esta for superior a 5% ou o percentual mínimo de 5%, conforme já previa o revogado artigo37, parágrafo 1º, do Decreto nº 3.298/1999. Saliente-se que a previsão do artigo 37, parágrafo 1º, do Decreto nº 3.298/1999, visava a inibir os efeitos prejudiciais decorrentes do abuso do poder político ou discricionário do administrador público e, resultar na efetividade do cumprimento da reserva de vagas com a nomeação do candidato com deficiência classificado. O manejo das listas geral e especial deve ocorrer de forma alternada, iniciando-se pelo primeiro colocado da lista geral e passando, logo em seguida (o segundo lugar) para o primeiro colocado da lista especial, completando-se o preenchimento dos cargos com os candidatos da lista geral e especial, segundo o número proporcional, decorrente do percentual aplicado, de candidatos com deficiência. E, assim sucessivamente, sempre que definido pelo administrador público o momento de novas nomeações, quando se tratarem de diferentes períodos de nomeações. O critério da alternância das listas se corretamente aplicado preserva e garante a nomeação do candidato com deficiência classificado, prevenindo inclusive a prática da discriminação por motivo da deficiência. A discriminação por motivo de deficiência lembre-se, está definida no Artigo 2 da CDPD e significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro, incluído o direito de acesso a cargo ou emprego público. A CDPD ao tratar do direito ao trabalho e emprego, no Artigo 27, reconhece-o como direito da pessoa com deficiência e proíbe a discriminação baseada em qualquer forma de contratação, inclusive no setor público (alínea g, do Artigo 27), harmoniza-se com o comando constitucional que proíbe a discriminação no tocante a salário e critérios de admissão de trabalhadores com deficiência (artigo 7º, inciso XXXI, da Constituição da República) e, convalida norma de natureza penal que há muito considera crime a conduta de obstaculizar o acesso das pessoas com deficiência a cargos e empregos públicos. Portanto, deixar de nomear candidatos com deficiência, não observando as regras impostas pelas normas, implica em obstar o acesso de pessoa com deficiência a qualquer cargo e emprego público, em razão de sua deficiência. Essa conduta do administrador público se enquadra na tipificação de crime do inciso II, do artigo 8º, da Lei nº 7.853/1989, sob a nova redação do artigo 98 da lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, Lei nº 13.146/2015, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa a quem obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público, em razão de sua deficiência. Enfatize-se que do manejo das listas geral e especial de forma alternada, iniciando-se as nomeações pelo primeiro colocado da lista geral e passando-se, logo em seguida ao primeiro colocado com deficiência da lista especial para ser nomeado em segundo lugar, é a única prática que atende ao princípio da isonomia e aos critérios delineados na norma. E assim o é, também, em relação às nomeações para todos os demais provimentos dos cargos, observando-se o outro critério indissociável da proporcionalidade. O reconhecimento da obrigatoriedade de nomear proporcional e alternadamente os candidatos com deficiência encontra guarida, há mais de uma década, nas seguintes decisões da 3ª Turma do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, publicada em 18/outubro/2000 e, do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 29/novembro/2004, respectivamente: Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região, AC 248783, 3ª Turma, DJ 18/outubro/2000. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE FÍSICO. RESERVA DE VAGAS (CF, art. 37, VII). PRETERIÇÃO. 1. Na nomeação de candidatos aprovados em concurso público, não se pode considerar que as primeiras vagas se destinam a candidatos não deficientes e apenas as últimas a candidatos deficientes. Essa orientação representaria forma de discriminação expressamente vedada pela Constituição (art. 7º, XXXI). Para atender aos valores consagrados na Constituição é exatamente o raciocínio contrário que deve ser adotado. É manifesta a preocupação do constituinte em estabelecer cuidados especiais em favor dos deficientes: além da proibição de discriminá-los negativamente, a Constituição confere-lhes “discriminações positivas”, como meio para compensar a deficiência e criar, assim, condições mínimas de igualdade material com as demais pessoas (art. 24, XIV; art. 203, V; art. 227, § 2º; art. 244). 2. Segundo a orientação do STF, o artigo 37, VII da Constituição deve ser aplicado de forma que, na definição das vagas reservadas a deficientes, se o cálculo percentual resultar em número fracionado, impõe-se, sempre, o arredondamento para cima, mesmo que a fração seja inferior a meio (RE 227.299, Pleno, Minº Ilmar Galvão, julgado em 14.06.2000). 3. No caso concreto, o edital destinou 5% das vagas a deficientes físicos. Sendo dez as vagas, o provimento delas mediante a NOMEAÇÃO de dez candidatos todos não deficientes importou preterição de um DEFICIENTE. Superior Tribunal de Justiça, 5ª Turma, RMS 18.669 – RJ, relator Ministro Gilson Dipp, DJ 29/novembro/2004. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. ANALISTA JUDICIÁRIO. ESPECIALIDADE ODONTOLOGIA. CANDIDATO DEFICIENTE. PRETERIÇÃO. OCORRÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 37, § 2º DO DECRETO Nº 3.298/99. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. ALTERNÂNCIA ENTRE UM CANDIDATO DEFICIENTE E OUTRO NÃO, ATÉ QUE SE ATINJA O LIMITE DE VAGAS PARA OS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA ESTABELECIDO NO EDITAL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. [...] III- O candidato portador de deficiência física concorre em condições de igualdade com os demais não portadores, na medida das suas desigualdades. Caso contrário, a garantia de reserva de vagas nos concursos para provimento de cargos públicos aos candidatos deficientes não teria razão de ser. IV - No caso dos autos, o impetrante, primeiro colocado entre os deficientes físicos, deve ocupar uma das vagas ofertadas ao cargo de Analista Judiciário – especialidade Odontologia, para que seja efetivada a vontade insculpida no art. 37, § 2º do Decreto nº 3.298/99. Entenda-se que não se pode considerar que as primeiras vagas se destinam a candidatos não deficientes e apenas as eventuais ou últimas a candidatos deficientes. Ao contrário, o que deve ser feito é a nomeação alternada de um e outro, até que seja alcançado o percentual limítrofe de vagas oferecidas pelo Edital a esses últimos. Se houver candidato com deficiência aprovado em primeiro lugar na classificação geral, este não será computado para o provimento do cargo da reserva a ser cumprida. Para essa hipótese, o próximo candidato a ser convocado será aquele candidato com deficiência constante do rol da lista especial. Assim é que, diante de todas essas nuances, se questiona a nova previsão do parágrafo pelo artigo 8º do Decreto nº 9.508/2018, segundo a qual o administrador público deve publicar o resultado do concurso público ou do processo seletivo em lista única com a pontuação dos candidatos e a sua classificação, observada a reserva de vagas dos candidatos com deficiência. A novidade da lista única, no entanto, é equivocada porque a publicação dos candidatos com e sem deficiência em lista geral e os candidatos com deficiência em lista especial, segundo a ótica do decreto anterior, melhor contemplava a transparência do certame público, e permitia um controle aberto do rol de candidatos com deficiência classificados para a aplicação dos critérios de alternância e proporcionalidade, considerado o percentual de reserva. Embora o novo regulamento estabeleça no parágrafo 1º do artigo 8º que a nomeação dos candidatos aprovados deve seguir a ordem de classificação, mantendo os critérios de alternância e de proporcionalidade entre a classificação de ampla concorrência e da reserva para as pessoas com deficiência, entende-se ser indispensável a publicação da lista com os candidatos com deficiência classificados e assim demonstrar a lisura das distintas competições. Essas competições ocorrem, conforme já delineado acima, entre os candidatos com deficiência para as vagas que lhes são reservadas e outra entre os candidatos aprovados, tenham ou não deficiência. A lista única de aprovados serve para mostrar a ordem classificatória de todos os candidatos. As listas geral e especial servem para identificar quais são os candidatos com deficiência e proporcionar melhor acompanhamento da ordem de chamada para nomeação segundo os critérios de alternância e proporcionalidade e demonstrar o estrito cumprimento da reserva para as pessoas com deficiência. De outro lado, acertou o novo Decreto nº 9.508/2018 ao prever expressamente no parágrafo 2º do artigo 8º que a desclassificação, desistência ou qualquer outro impedimento de candidato ocupante de vaga reservada implicará a sua substituição pelo próximo candidato com deficiência classificado, desde que haja candidato com deficiência classificado. É comum constar dos editais a possibilidade de reversão das vagas destinadas às pessoas com deficiência para a classificação geral, cujos cargos não possam ser providos por falta de candidatos com deficiência classificados no concurso público. A previsão é correta e de acordo com os princípios que regem a Administração Pública, dentre os quais o da supremacia do interesse público. Por absoluta impossibilidade jurídica não se cumprirá naquele certame público a regra referente à reserva de cargos e empregos públicos. Destaque-se que a nomeação de empregado público da Administração Pública Indireta, composta por sociedade de economia mista e empresa pública, está diretamente ligada ao cumprimento da reserva real do artigo 93, da Lei nº 8.213/1991. Como se trata norma de ordem pública, de caráter cogente, até o cumprimento integral da reserva à qual está obrigada a empresa, o edital não deve trazer qualquer restrição de reserva de vagas (até 20%) em cada concurso público. Ao contrário, a previsão do edital deve ser clara no sentido de que o candidato com deficiência que alcançar a nota mínima de classificação será nomeado. Portanto, quando se trata da Administração Pública Indireta, e até que as empresas estejam cumprindo a reserva que determina a Lei nº 8.213/1991, estão dispensados os procedimentos de utilização das listas geral e especial para nomeação. Quanto ao cadastro reserva, durante o período de validade do concurso, trata-se de possibilidade decorrente da Portaria MP 450/2002, que permite à Administração Pública Direta e Indireta de listar candidatos em número até duas vezes o número de vagas previsto no edital. A medida atende ao interesse público e amplia o alcance do concurso público, sobretudo se forem considerados os gastos financeiros gerados para a sua consecução. A providência também garante que em caso de demissão ou aposentadoria de empregado público, por exemplo, seja possível, incontinenti, cumprir o comando do artigo 93, parágrafo 1º da Lei nº 8.213/1991 de contratação de outro trabalhador com deficiência. Na hipótese da formação do cadastro reserva, deve ser garantida aos candidatos com deficiência a observância da ordem de classificação, mantidos todas as demais obrigações, inclusive os critérios de alternância e proporcionalidade decorrentes das listas geral e especial de candidatos com deficiência e do percentual reservado em face da classificação obtida. Relativamente a concursos públicos que possibilitam aos candidatos elaborar o rol de opção de localidades onde estejam fixadas as vagas, é de extrema importância que se observe a alternância e proporcionalidade das duas listas (geral e especial de candidatos com deficiência), compatibilizando o cargo e as opções de forma a garantir a reserva de vagas em cada concurso público e o direito de escolha pelo candidato de seu lugar de lotação. Ao nomear o candidato com deficiência, o administrador público deve de antemão aferir a acessibilidade no local de lotação ou da contratação, de forma a cumprir todas as regras de acessibilidade inscritas nas Leis nºs 10.048/2000 e 10.098/2000, Decreto nº 5.296/2004 e normas técnicas da ABNT, além daquelas referentes às normas de saúde e segurança do ambiente de trabalho, de forma a receber de forma digna o novo servidor ou empregado público. O que não pode ocorrer é o administrador público, com a motivação de que somente determinada unidade de lotação ou contratação é acessível, preferir ali lotar o novo servidor ou empregado público ou, ao contrário, não lotá-lo em determinada unidade porque não é acessível. A acessibilidade é direito garantido constitucionalmente, conforme os artigos 227, parágrafo 2º e 244, da Constituição da República e, segundo a nova ordem da CDPD, no Artigo 9, é direito fundamental da pessoa com deficiência. ESTÁGIO PROBATÓRIO O servidor nomeado está obrigado a cumprir o estágio probatório, conforme o artigo 20, da Lei nº 8.112/1990, período em que suas competências, habilidades e capacidades para o exercício das atribuições e tarefas do cargo são avaliadas no que diz respeito à assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. O estágio probatório tem procedimentos próprios de acordo com cada carreira, em geral por um período de três anos (artigo 41, da Constituição da República), ao fim do qual implicará na estabilidade, ou não, do servidor no cargo de provimento efetivo da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional. Para o empregado público da Administração Pública Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista) o estágio probatório é de três meses, coincidente ao período de experiência previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pois referidas empresas estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos trabalhistas (artigo 173, parágrafo 1º, inciso II, da Constituição da República). Também haverá obrigatoriedade de estágio probatório, conforme previsão constitucional, pelo período de dois anos, para os cargos de provimento vitalício, como, por exemplo, os destinados aos Magistrados (artigo 95, inciso I, da Constituição da República) e Membros do Ministério Público (artigo 128, parágrafo 5º, inciso I, letra a, da Constituição da República). É no estágio probatório e no pleno exercício das funções, que o candidato com deficiência terá avaliada a sua competência, habilidade e capacidade para o desempenho do cargo ou emprego público, observados os pressupostos legais de assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade (artigo 20, Lei n º 8.112/1990) ou, segundo Hely Lopes Meirelles (2003, p.421): é o período de exercício do servidor durante o qual é observada e apurada pela Administração a conveniência ou não de sua permanência no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência, etc). Ao servidor ou empregado público com deficiência em estágio probatório, além da aferição das suas capacidades para o exercício do cargo ou emprego público, é necessário observar se os elementos de acessibilidade sugeridos pela equipe multiprofissional são suficientes e desde que o administrador público tenha providenciado a acessibilidade no local de trabalho e a adaptação razoável, quando necessária para cada caso requerido. É o que se pode interpretar do novo regulamento que prevê a acessibilidade e as adaptações para o “evento” estágio probatório, “respeitados os impedimentos ou as limitações do candidato com deficiência – inciso III do artigo 3º; inciso III, do artigo 5º, e artigo 9º do Decreto nº 9.508/2018, com as alterações do Decreto 9.546/2018 -: Decreto n° 9.508/2018, com as alterações do Decreto 9.546/2018 Art. 3º [...] III - a previsão de adaptação das provas escritas e práticas, inclusive durante o curso de formação, se houver, e do estágio probatório ou do período de experiência, estipuladas as condições de realização de cada evento e respeitados os impedimentos ou as limitações do candidato com deficiência; [...] Art. 5º O órgão ou a entidade da administração pública federal responsável pela realização do concurso público ou do processo seletivo de que trata a Lei nº 8.745, de 1993, terá a assistência de equipe multiprofissional composta por três profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências que o candidato possuir, dentre os quais um deverá ser médico, e três profissionais da carreira a que concorrerá o candidato. Parágrafo único. A equipe multiprofissional emitirá parecer que observará: [...] II - a natureza das atribuições e das tarefas essenciais do cargo, do emprego ou da função a desempenhar; III - a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas; [...] Art. 9º Os órgãos da administração pública federal direta e indireta, as empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão providenciar a acessibilidade no local de trabalho e a adaptação razoável, quando requerida, para o efetivo exercício laboral da pessoa com deficiência. As obrigações do administrador público, nesse aspecto, são claras i) as providencias de acessibilidade e adaptação razoável e o ii) respeito aos eventuais “impedimentos ou as limitações do candidato com deficiência”. Ou seja, o sucesso de um (a pessoa com deficiência) depende da realização do outro (o administrador público) pois os impedimentos e/ou limitações são superados pela completa entrega da acessibilidade e adaptação razoável, quando necessária. Com essa correta visão do Decreto nº 9.508/2018, sepulta-se definitivamente a antiga previsão em relação ao estágio probatório e uma das atribuições equipe multiprofissional que devia avaliar a compatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência. A impropriedade da antiga norma regulamentar (artigo 43, parágrafo 2º, do Decreto n º 3.298/1999) tinha a mesma origem da concepção equivocada de poderem ser excluídos da reserva determinados cargos e empregos públicos, em vista da, também equivocada, premissa de exigência de aptidão plena ou de incompatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência. Felizmente tais impropriedades foram revogadas expressamente pela LBI no artigo 34, parágrafo 3º, conforme as argumentações expostas no item referente às ATRIBUIÇÕES COMPATÍVEIS COM A DEFICIÊNICA E APTIDÃO PLENA. Ora, o candidato com deficiência já demonstrou a sua capacidade e venceu a competição do concurso público e, portanto, por disputar em igualdade de condições aos demais, deverá responder aos critérios de avaliação comuns a todos os demais servidores e empregados públicos em estágio probatório. Não poderá lhe ser exigido nada além do capitulado no artigo 20, da Lei nº 8.112/1990 (assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade). Portanto, não é obrigação da pessoa com deficiência demonstrar a compatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência porque a norma regulamentadora não pode criar obrigação inexistente na lei e, no caso, contrariar ao princípio constitucional do direito de ser igual. A única interpretação possível para o artigo 43, parágrafo 2º, do Decreto n º 3.298/1999 sempre foi no sentido de que no curso do estágio probatório a equipe multiprofissional que atua como apoio, fornecendo ao servidor ou empregado público com deficiência condições e elementos que propiciem a acessibilidade completa do ambiente de trabalho e a adaptação razoável, quando necessária para cada caso. A atenção e o apoio se dirigem para a pessoa com deficiência em relação às funções e tarefas do novo cargo ou emprego público, de forma a que ela possa demonstrar, em igualdade de condições, suas habilidades e competências produtivas. A equipe multiprofissional é o apoio indispensável durante o estágio probatório, com o objetivo de encontrar a solução para a realização das tarefas inerentes ao cargo ou emprego público, tarefas estas que necessitam ser cumpridas pelo servidor em estágio probatório, proporcionando-lhe condições de cumprimento do artigo 20, da Lei nº 8.112/1990. O proceder da equipe multiprofissional deve ser de orientação e supervisão durante o período de estágio probatório e, se necessário, apresentar soluções para que a pessoa com deficiência possa realizar as tarefas inerentes à função, ao cargo. Quando se tratar de uma pessoa cuja natureza da deficiência exige condições extraordinárias à já existente acessibilidade, parte-se para a adaptação razoável, na forma da definição da CDPD e da LBI (artigos 2 e 3º, respectivamente), observadas as necessidades individuais da pessoa com deficiência. O objetivo a ser atingido pela equipe multiprofissional é o de auxiliar o administrador público com soluções de elementos de acessibilidade e instrumentos próprios visando a proporcionar a adaptação das funções, das tarefas e do modo de fazê-las pela pessoa com deficiência e, assim, superar eventuais limitações ocasionadas pela deficiência. A Administração Pública deve garantir durante todo o período de estágio probatório que os apoios e os procedimentos especiais, além da tecnologia assistiva ou ajudas técnicas, estejam à disposição da pessoa com deficiência, de forma que ela possa demonstrar no exercício de suas funções o cumprimento dos requisitos exigidos pela Lei n º 8.112/1990 para o estágio probatório. Por último, lembre-se que a conduta do administrador público, ao deixar de dar cumprimento ao estágio probatório da pessoa com deficiência, pode ser enquadrada na tipificação de crime do inciso II, do artigo 8º, da Lei nº 7.853/1989, sob a nova redação do artigo 98 da LBI, com pena de reclusão de dois a cinco anos e multa a quem obstar o acesso de alguém a qualquer cargo público, em razão de sua deficiência. Uma vez verificada que houve adoção deliberada de critérios subjetivos para o indeferimento de inscrição, de aprovação e de cumprimento de estágio probatório em concursos públicos, poderá incidir a pena e a responsabilização patrimonial pessoal do administrado público pelos danos causados, conforme a linha traçada no parágrafo 2º do artigo 8º da Lei nº 7.853/1989, alterado pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (artigo 98). EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. ATRIBUIÇÕES A equipe multiprofissional, antes prevista no Decreto nº 3.298/1999 e agora no Decreto nº 9.508/2018, espelhou-se na Resolução nº 155/1996, do Conselho Federal de Justiça, especificamente no artigo 6º, que propunha fosse instituída uma equipe multidisciplinar, do órgão ou por ele credenciada, para realizar a avaliação da compatibilidade ou não da deficiência do candidato com o exercício do cargo, quando da convocação do candidato para a nomeação. O paradigma da equipe multiprofissional para atuar em concursos públicos é semelhante à equipe multiprofissional de saúde, criada em contraposição à visão de saúde fragmentada e ao modelo exclusivamente biológico, de doença. Esse novo modelo de atuação de diferentes profissionais em equipe propõe articular as diversas áreas do conhecimento biopsicossocial, interagir e alcançar soluções para pessoas ou grupo de pessoas, inclusive com alterações e adaptações dos processos de trabalho. A equipe multiprofissional, tanto do revogado artigo 43 e parágrafo 2º, do Decreto nº 3.298/1999, quanto do atual artigo 5º do Decreto nº 9.508/2018, tem o caráter de apoio (assistência, conforme a redação do artigo) ao administrador público e à pessoa com deficiência durante a realização de todas as fases do concurso público e de duração do estágio probatório. É composta por seis profissionais, sendo três profissionais capacitados e atuantes nas áreas de deficiências, um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato. O comando regulamentar de formação de equipe multiprofissional está em conformidade com um dos princípios gerais e de direito fundamental da CDPD que é a acessibilidade (Artigo 3). Referido princípio, em conjunto com os princípios da não discriminação e da igualdade de oportunidades, densamente composto de elementos técnicos de acessibilidade, como o tratamento diferenciado, a tecnologia assistiva ou ajuda técnica e o apoio, permitem à pessoa com deficiência alcançar autonomia para demonstrar sua capacidade de execução de atividades e tarefas inerentes ao cargo ou emprego público para o qual esteja sendo avaliada. Constituir a equipe multiprofissional, com atribuições definidas nas diferentes fases do concurso público e do estágio probatório, é obrigação (não é opção) da Administração Pública. Esse comando reflete a necessidade de apoio qualificado para tornar acessível para a pessoa com deficiência todas as fases do concurso público, inclusive o curso de formação e, posteriormente, o ambiente de trabalho e o modo de realização das tarefas durante o período do estágio probatório. As atribuições da equipe multiprofissional jungem-se aos princípios do amplo acesso aos cargos e empregos públicos (artigo 37, inciso I, da Constituição da República), à investidura em cargos e empregos públicos dependentes de concurso público de provas, segundo a natureza e a complexidade dos mesmos (37, inciso II, da Constituição da República), à reserva destinada às pessoas com deficiência (37, inciso VIII, da Constituição da República) e aos princípios da não discriminação e igualdade de tratamento e oportunidade (Artigo 5 da CDPD). Assim, o administrador público deverá designá-la tão logo deflagre o concurso público, exceto se não houver inscrição de candidatos com deficiência, ou serão desconstituídas se não houver candidatos com deficiência aprovados. A regra ao determinar que da equipe conste profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências (exemplo de psicólogo, assistente social, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional), dentre eles um médico, direciona sua atenção para a pessoa com deficiência que deve ser vista sob os ângulos relacionados à saúde integral. A atribuição principal, ao cabo, é observar a funcionalidade da pessoa na execução das tarefas ou, como está descrito no rol de atribuições (artigo 5º, Parágrafo Único, inciso III do Decreto nº 9.508/2018), a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas. Incluir três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato melhor qualifica o apoio que tem no corpo de servidores ou empregados públicos do órgão melhor condição de aferir a natureza das atribuições e tarefas de forma a, se necessário, adaptá-las segundo a necessidade de cada pessoa com deficiência. Ninguém conhece melhor sobre as tarefas intrínsecas de cada função senão os próprios servidores ou empregados públicos já ocupantes da carreira. O objetivo dessa construção é permitir que a equipe multiprofissional a partir da capacidade, do conhecimento e experiências de todos os seus integrantes, possam, ao final do período do estágio probatório, emitir parecer seguro sobre o servidor ou empregado público com deficiência. A norma tem também o propósito de evitar que uma só pessoa (segundo o modelo médico) condicione o resultado da avaliação prévia da deficiência em um parecer eliminatório do servidor ou empregado público com deficiência. A precaução é válida, pois atribuir à avaliação subjetiva de uma única pessoa o destino de outra pessoa viola a objetividade que deve permear qualquer concurso público, desde a fase inicial de inscrição, até às etapas mais avançadas e, no momento da efetivação do candidato no cargo ou emprego público. Não cabe ao médico unilateralmente, sequer à equipe multiprofissional previamente designada, manifestar-se na fase de inscrição sobre a compatibilidade das atribuições do cargo ou emprego público e a deficiência do candidato, sobretudo se se tratar de função com equivocada exigência de “aptidão plena”, pois também para essas funções não se pode restringir a participação da pessoa com deficiência, sob pena de ferimento ao princípio do direito à igualdade. O administrador público, a equipe multiprofissional, ou o médico unilateralmente, não têm a atribuição de determinar se pessoas com deficiência podem ou não se inscrever em concurso público para quem, segundo errônea concepção, os cargos ou empregos púbicos disponibilizados não guardam compatibilidade com a deficiência. Ora, se a Administração Pública está obrigada a que todo edital de concurso especifique as atribuições e tarefas essenciais dos cargos (antigo artigo 39, inciso II, Decreto nº 3.298/1999; e atual artigo 3º, inciso II do Decreto nº 9.508/2018) e, se a pessoa com deficiência participa do concurso público em igualdade de condições com os demais candidatos quanto ao conteúdo das provas, avaliação e critérios de aprovação (antigo artigo 41, incisos I e II, Decreto nº 3.298/1999; atual artigo 2º do Decreto nº 9.508/2018), será a nota alcançada – demonstração de conhecimento e capacidade - o elemento definidor de quem obterá classificação, vencendo as etapas do concurso. A pessoa com deficiência terá o período do estágio probatório para ser avaliada nos termos da Lei nº 8.112/1990 e demonstrar estar ou não em condições de desempenho de suas atribuições. Ao especificar as atribuições e tarefas dos cargos, a administração pública dará conhecimento sobre as exigências intrínsecas de cada função, dando oportunidade a todos, pessoas com e sem deficiência, para que delas tomem conhecimento e decidam por seguir e enfrentar eventuais obstáculos da carreira. O conteúdo das provas e exames – incluídas as provas físicas adaptadas - é que definirão os candidatos vencedores do certame público, quem alcançará nota mínima para a classificação e quem será eliminado. Portanto, é o conhecimento avaliado em provas escritas (adaptadas, quando necessário) e, o condicionamento físico a partir das provas físicias e de esforço (adaptadas, se necessário), que definirão os candidatos vencedores, podendo dentre eles estar ou não pessoa com deficiência. Em caso positivo, este candidato será avaliado durante o estágio probatório (ver a propósito o item ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DAS PROVAS. ADAPTAÇÃO DAS PROVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS E DO CURSO DE FORMAÇÃO). É considerada ilegal a prática de perícia médica individualizada, agravada com a conclusão de determinar a incontinenti eliminação do candidato, sequer permitindo sua participação no certame público. Uma sentença judicial de tribunal e um acórdão do supremo Tribunal de Justiça contrários a essa prática de perícia médica tornam o argumento mais sólido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Civil nº 160.581-5/7 Praia Grande/SP, Relator Juiz Paulo Franco, acórdão, de 6/2/2003. [...] embora a deficiência física do impetrante (deficiência auditiva e afasia) haja sido considerada incompatível com o emprego de ajudante de serviços gerais (fls 81), certo é que tal conclusão não foi precedida de motivação alguma, o que torna ineficaz, nessa parte, o parecer médico, conforme entendeu o Douto Magistrado sentenciante. Supremo Tribunal de Justiça. Agravo em recurso especial nº 1.213.386 - SP (2017/0307133-4), Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20/9/2018. Processual Civil e Administrativo. Agravo em Recurso Especial. Concurso Público. Professor de Educação Básica. Candidato portador de deficiência visual. Desclassificação decorrente de declaração de inaptidão em exame médico posterior à nomeação. Lei 7.853/1989 e Decreto 3.298/1999. Obrigatoriedade do Poder Público de assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos. Exame de compatibilidade que deve ocorrer durante o estágio probatório por equipe multiprofissional. Agravo no particular conhecido para dar provimento ao Recurso Especial. As atribuições da equipe multiprofissional comportam dois grandes eixos, um durante todas as fases do concurso público, e outro no período do estágio probatório. Seguindo o atual artigo 5º Parágrafo Único do Decreto nº 9.508/2018 (antigo artigo 43, do Decreto nº 3.298/1999) as atribuições consistem em: a) emitir parecer sobre as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição no concurso público ou no processo seletivo, a partir do instrumento de avaliação da deficiência, visando à composição da reserva de vagas. b) avaliar e propor ao administrador público em todas as fases do concurso público a adaptação das provas e seus locais de realização, e do curso de formação. c) avaliar e emitir parecer circunstanciado sobre a eficácia das medidas indicadas e implementadas, como necessárias às adaptações do ambiente de trabalho e da forma de cumprimento e execução das atividades e tarefas do cargo ou emprego público. d) avaliar e emitir parecer circunstanciado sobre a funcionalidade do candidato com deficiência frente às atribuições do cargo ou emprego público, em conjunto com os demais fatores de desempenho, tais como a assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade. O primeiro eixo de atribuições da equipe multiprofissional envolve o ato da inscrição e o tratamento diferenciado para a adaptação das provas e seus locais de realização e, o curso de formação. A equipe multiprofissional afere as informações apresentadas pelos candidatos com deficiência no ato da inscrição, a partir do instrumento de avaliação da deficiência, observada a nova sistemática do artigo 2º, da Lei 13.146/2015 que revogou a forma do documento consubstanciado em laudo médico (ver a propósito o item INSCRIÇÃO DE CANDIDATOS COM DEFICIÊNCIA. EXIGÊNCIAS), com o objetivo de apontar para o administrador público as providências de acessibilidade das provas e locais de realização das provas. Esclareça-se, de antemão, que é justificável exigir do candidato com deficiência, no ato da inscrição, a declaração da deficiência para o fim de análise dos requerimentos de tratamento diferenciado e a informação sobre a utilização de órtese ou prótese para atender à segurança do concurso público ou, conforme exposto no Inciso IV do Parágrafo Único do Decreto n 9.508/2018, a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ou de outros meios que utilize de forma habitual. A principal atribuição da equipe multiprofissional na primeira etapa do concurso público é a de aferir, no prazo previsto do edital, o pedido do candidato com deficiência ao tratamento diferenciado, direito constitucionalmente previsto e que está regulamentado no parágrafo 1º, do artigo 6º, do Decreto nº 5.296/2004 de forma não exaustiva (“o tratamento diferenciado inclui, dentre outros”), e a atual LBI (Lei nº 13.146/2015, artigo 9º) ao prever sobre a disponibilização de recursos, tanto humanos quanto tecnológicos, que garantam atendimento em igualdade de condições com as demais pessoas. Depois de proceder à aferição dos pedidos, a equipe multiprofissional indicará ao administrador público quais são os recursos de tecnologia assistiva ou ajuda técnica e de apoio solicitados que possibilitam a adaptação das provas, tal como discorrido no item ACESSIBILIDADE AO CONTEÚDO DAS PROVAS. ADAPTAÇÃO DAS PROVAS TEÓRICAS E PRÁTICAS E DO CURSO DE FORMAÇÃO. Ressalte-se, mais uma vez, que referidos elementos de tratamento diferenciado que levam à acessibilidade não podem ser negados ao candidato com deficiência, pois os mesmos potencializam a funcionalidade do candidato e proporcionam a autonomia desejada para a realização das provas. Para tanto, e baseando-se no comando da LBI, a equipe multiprofissional deverá lançar mão da legislação em vigor que traz conceitos e determina a utilização da tecnologia assistiva, ajuda técnica e apoio especial (Leis nº 10.048/2000 e nº 10.048/2000; Decretos nº 3.298/1999 e nº 5.296/2004 e, NBR 9050:2015), bem como a sua aplicação quando se trata, por exemplo, de elementos de mobilidade e equipamentos de saúde do artigo 19, parágrafo único do Decreto nº 3.298/1999; de acesso ao trabalho do artigo 35, parágrafo 3º, do Decreto nº 3.298/1999 e, de condições de acessibilidade do artigo 8º, inciso V, do Decreto nº 5.296/2004. Tais apoios e ajudas técnicas favorecem a autonomia da pessoa com deficiência de forma a melhorar a sua funcionalidade e alcançar a independência por meio de produtos, instrumentos, equipamentos, animais (cão-guia, por exemplo), ou sistemas fabricados para prevenir, compensar ou neutralizar qualquer impedimento decorrente da deficiência. Se o candidato com deficiência necessitar de tempo adicional para realizar a prova, pode requerê-lo apresentando a justificativa no prazo previsto também no edital. A justificativa deve, necessariamente, vir acompanhada de parecer emitido por equipe multiprofissional ou por profissional especialista da área de sua deficiência, conforme o parágrafos 2º do artigo 4º do Decreto nº 9.508/2018 e considerado o instrumento de avaliação da deficiência do artigo 2º da LBI. Os exemplos de tratamento diferenciado mais requeridos por candidatos com deficiência e que implicam na adaptação das provas são a magnificação de tela; prova em Braile; ledor e transcritor (que devem ser sempre devidamente preparados para ler e anotar, com proficiência, a matéria tratada na prova e respectiva resposta); prova ampliada com fontes tamanho 14, 18 e 24; intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras); sala de fácil acesso; mesa e cadeiras separadas; mesa para usuários de cadeira de rodas; computador com leitor de telas; computador para provas discursivas; prova em vídeo para Libras, português como segunda língua; sala com número reduzido de participantes; sala com iluminação adequada e sala destinada à amamentação. Cabe à equipe multiprofissional avaliar os locais de realização das provas, indicando ao administrador público que eles devem atender às normas técnicas (NBR), da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) relativas à acessibilidade da pessoa com deficiência, as NBR 9050:2015 e a NBR ISO 9396:1. O tratamento diferenciado a ser dispensado ao candidato com deficiência inclui o local da realização das provas, que precisa estar plenamente acessível, com condições de utilização dos espaços, mobiliários e equipamentos de forma segurança e autônoma, não descartada a assistência de terceiros. Os locais de realização das provas devem, preferencialmente, estar localizados em pontos da cidade com mobilidade e servidos de transporte coletivo acessível, além de ter acesso a estacionamento com vagas reservadas para pessoa com deficiência, o mais próximo possível do prédio/salas onde se realizar a prova. Não sendo possível atender a todas as regras de acessibilidade do local de provas, deverá ser providenciado que os candidatos com deficiência e/ou mobilidade reduzida, sejam acomodados em salas térreas, sem escadas e próximas a banheiros acessíveis com entrada independente. Em caso de períodos de espera para a entrada nas salas de realização das provas, é imprescindível que se ofereça local abrigado de sol, chuva e vento. Para a etapa do curso de formação valem todas as observações sobre acessibilidade, adaptações e tratamento diferenciado, a serem indicadas pela equipe multiprofissional (conforme a anterior previsão do artigo 39, inciso III e do artigo 43, parágrafo 1º, inciso IV, ambos do Decreto nº 3.298/1999; e atual inciso III do artigo 3º, inciso IV do Parágrafo Único do artigo 5º do Decreto nº 9.508/2018) e atendidas pela Administração Pública. Muitas vezes o curso de formação tem o caráter de capacitação para as futuras atribuições do cargo a ser exercido, a exigir maior empenho da equipe multiprofissional para as necessárias e obrigatórias adaptações com a disponibilização de todos os elementos de tratamento diferenciados - tecnologias assistiva, apoios e ajudas técnicas -, pois serão fundamentais para o êxito do candidato com deficiência na conclusão do curso e correspondente classificação final. O Segundo eixo de atribuições da equipe multiprofissional envolve o estágio probatório e a funcionalidade do candidato com deficiência, e as atribuições do cargo ou emprego público. Após ter sido nomeado para o cargo ou emprego público a pessoa com deficiência, agora na condição de servidor ou empregado público, fica sujeita ao processo de estágio probatório, no período de três anos, conforme determina a Emenda Constitucional nº 19, durante o qual a sua habilidade, competência e capacidade para o exercício das funções serão objetos de avaliação. Durante o estágio probatório serão observados fatores preponderantes para o bom desempenho do cargo ou emprego público como a assiduidade, a disciplina, a capacidade de iniciativa, a produtividade e a responsabilidade, na forma do artigo 20 da Lei n º 8.112/1990. A pessoa com deficiência deverá ter à sua disposição todos os elementos de tratamento diferenciado – acessibilidade, tecnologia assistiva, apoio, ajuda técnica - necessários para bem desempenhar suas tarefas. Somente com todas as condições devidamente implementadas é que se poderá acompanhar e avaliar a pessoa com deficiência frente às atribuições do cargo ou emprego público. Referidas condições envolvem necessariamente a realização de todas as etapas de acessibilidade no ambiente de trabalho e as necessárias adaptações das atividades e tarefas exigidas. Ressalte-se que o modo e os mecanismos para a consecução das atividades e tarefas inerentes ao cargo ou emprego público é que devem sofrer as devidas adaptações, de tal forma que a pessoa com deficiência demonstre sua capacidade integral de desempenho. A equipe multiprofissional, considerada como de imprescindível apoio, e é por meio dela que a Administração Pública deve utilizar para incluir de forma digna a pessoa com deficiência em seu ambiente de trabalho. A equipe multiprofissional é também responsável pela orientação do servidor em estágio probatório, ou do empregado público em contrato de experiência, de maneira que ele possa reportar as suas dificuldades na consecução das atividades e tarefas, sugerir outras formas eficazes de fazê-las e assim superar as limitações encontradas, seja no próprio ambiente onde desenvolve suas funções ou na forma de procedê-las. Igualmente no que diz respeito à comunicação e ao acesso às informações - que se não forem acessíveis se constituem em barreiras segundo a CDPD e a LBI -, indispensáveis para a compreensão de comandos para a realização de tarefas. A equipe multiprofissional deve atentar para as providências obrigatórias de acessibilidade a serem tomadas pela Administração Pública. Notadamente aquelas que dizem respeito à acessibilidade do ambiente físico de toda ordem (retirada de barreiras; construção de rampas e banheiros acessíveis, inclusive com entrada independente; sinalização; mobiliário adaptado, entre outros), visando a facilitar o acesso e contribuir para melhorar a capacidade funcional e a autonomia pessoal da pessoa com deficiência em estágio probatório. Também de ordem obrigatória e fundamental é a acessibilidade dos instrumentos, equipamentos, maquinários e utensílios que o servidor ou empregado público deverá utilizar para a realização de suas tarefas, os quais, se necessário, devem ser adaptados conforme o conceito de adaptação razoável. Cabe à equipe multiprofissional avaliar e concluir pela necessidade de adoção de procedimentos especiais, considerada a natureza da deficiência do servidor ou empregado público, quanto à possibilidade de jornada diária de trabalho variável, com o cumprimento de horários flexíveis de forma a alcançar a produtividade exigida pela Administração Pública. Lembre-se que os servidores e empregados públicos cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. O mesmo ocorre com o empregado público regido pelas regras de trabalho da CLT. As ajudas técnicas, os procedimentos e os apoios colocados à disposição do servidor ou empregado público com deficiência em estágio probatório, permitem à equipe multiprofissional proceder à análise curada do seu potencial de trabalho e, também, da maneira própria de execução das tarefas. A legitimidade da equipe multiprofissional em qualquer fase do concurso público e, principalmente, no estágio probatório com o parecer conclusivo ao qual está submetido o administrador público, é proporcional às suas atribuições (consideradas como apoio) efetivamente exercidas no interesse público e a favor do servidor ou empregado público com deficiência, permitindo-lhe ser inserido no âmbito da Administração Pública de forma digna e tendo respeitada sua autonomia e segurança. Se assim não for, o servidor ou empregado público em estágio probatório receberá tratamento diverso daquele sem deficiência, pois, além da obrigação legal de cumprir os pressupostos inerentes do estágio probatório demonstrando a assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade, deve suportar o ônus de uma equipe multiprofissional que não lhe concede o devido apoio. Há consequências para o administrador público com a obrigatória constituição da equipe multiprofissional porque o parecer desta, na forma do atual Parágrafo Único do artigo 5º do Decreto 9.508/2018, vincula o seu ato administrativo. Lembre-se que a teoria dos motivos determinantes está relacionada à prática de atos administrativos e impõe que, uma vez declarado o motivo do ato, este deve ser respeitado. Para que o ato administrativo tenha validade deve ser baseado na norma, ser verdadeiro e compatível com o resultado, ficando o administrador público a ele vinculado. Uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) ilustra um caso de rescisão do contrato de trabalho motivada pela inaptidão da empregada pública para a função. A decisão do TST está baseada na teoria dos motivos determinantes: Tribunal Superior do Trabalho. Processo nº TST-ARR-647-36.2012.5.10.0821, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, acórdão 4.ª Turma, DOU 20/11/2015. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA.EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. APROVAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO. CONTRATO DE EXPERIÊNCIA. DEFICIÊNCIA FÍSICA. DISPENSA MOTIVADA. Segundo a teoria dos motivos determinantes, a validade do ato administrativo motivado depende da verdade dos motivos alegados. No caso dos autos, o Regional registrou que a Reclamada motivou o ato de dispensa da Autora na sua inaptidão para o exercício das atribuições do cargo de atendente comercial para o qual foi aprovada em concurso público. E, tendo sido verificado que a inaptidão da empregada foi constatada sem que a Reclamada tivesse adotado as adaptações necessárias, nos termos do art. 39, III, do Decreto nºº 3.298/99, para que a empregada pudesse demonstrar a compatibilidade da sua deficiência física com as atribuições do cargo, as quais não seriam, a princípio, empecilho para o desempenho das respectivas funções, haja vista a prévia aprovação em concurso público e a submissão a exame pré-admissional, de caráter eliminatório, não se pode considerar que o período do contrato de experiência foi válido para a finalidade avaliativa proposta. Recurso de Revista não conhecido. A prática no âmbito da administração pública vem demonstrando o acerto da previsão de apoio de equipe multiprofissional, cuja organização interna pode ser exemplificada com o regimento interno do Ministério Público do Trabalho, Portaria nº 494/2015 publicada no Diário Oficial da União, Secção 1, de 22/julho de 2015: EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DO CONCURSO PÚBLICO PARA PROCURADOR DO TRABALHO REGIMENTO INTERNO Capítulo I DA FINALIDADE E DAS ATRIBUIÇÕES Art. 1º A Equipe Multiprofissional do Concurso Público para Procurador do Trabalho, tem como objetivo prestar assistência ao Presidente do Concurso e ao Corregedor-Geral do Trabalho, nas diferentes fases do certame, do curso de formação e do estágio probatório, respectivamente, observando a legislação que regulamenta os direitos das pessoas com deficiência. § 1º Compete à Equipe Multiprofissional manifestar-se sobre as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição, a saber: I- se a deficiência do candidato o autoriza a uma vaga reservada, segundo o conceito legal de deficiência; II- se o instrumento de avaliação da deficiência apresentado pelo candidato é eficaz, segundo a norma comprovadora da deficiência; III- os requerimentos de acessibilidade para a realização da prova; IV- a adequada disponibilização das tecnologias assistivas e a possibilidade de uso pelo candidato de equipamentos ou outros meios que habitualmente utilize, dentre outras: a. magnificação de tela; b. prova em Braile; c. ledor e transcritor, que devem ser sempre devidamente preparados; d. prova ampliada (tamanho 14, 18 e 24); e. intérprete da LIBRAS; f. sala de fácil acesso; g. mesa e cadeiras separadas; h. mesa para usuários de cadeira de rodas; i. computador com leitor de telas; j. computador para provas discursivas; k. prova em vídeo para LIBRAS, português como segunda língua; l. sala com número reduzido de participantes; m. sala com iluminação adequada; nº sala destinada à amamentação. V- se o requerimento de tempo adicional para a realização da prova é compatível com as necessidades do candidato; VI- a natureza da condição de saúde do candidato e os requerimentos de acessibilidade para a realização da prova. § 2º A Equipe Multiprofissional deverá avaliar as condições de acessibilidade dos locais de prova, inclusive, quanto à mobilidade urbana e o acesso a estacionamento, assim como a eficácia das tecnologias assistivas necessárias para o desempenho das atribuições do cargo durante o estágio probatório, observando: I- a natureza das atribuições e as tarefas essenciais do cargo; II- a implementação das condições de acessibilidade do meio ambiente de trabalho para a execução das tarefas; III- a adaptação razoável, segundo a necessidade de cada caso; IV- a análise da compatibilidade da deficiência e as funções a serem desenvolvidas após as adaptações necessárias. § 3º Considera-se adaptação razoável, segundo a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aquela ofertada aos candidatos com deficiência referente às necessidades decorrentes de suas características individuais, depois de atendidas as exigências legais e normativas relativas à acessibilidade em geral. Capítulo II DA COMPOSIÇÃO Art. 2º A Equipe Multiprofissional será composta de três profissionais capacitados nas áreas das deficiências, sendo um deles médico, e três membros da carreira do Ministério Público do Trabalho, sendo um deles Subprocurador-Geral do Trabalho, que a presidirá. § 1º Poderão ser chamados para compor a Equipe Multiprofissional, em tempo total ou parcial, profissionais da área da deficiência de notório saber. § 2º A Equipe Multiprofissional está diretamente ligada ao Procurador Geral do Trabalho durante a fase do concurso público e do curso de formação e ao Corregedor-Geral do Trabalho durante o estágio probatório. Capítulo III DO FUNCIONAMENTO Art. 3º A Equipe Multiprofissional se reunirá presencial ou virtualmente tantas vezes quanto necessárias para o adequado andamento do concurso público, do curso de formação e do acompanhamento do estágio probatório. Art. 4º As reuniões serão registradas em ata e disponibilizadas nos respectivos procedimentos. Art. 5º As deliberações serão tomadas por consenso. DISPOSIÇÃO FINAL Art. 6º Os casos omissos serão resolvidos pela Equipe Multiprofissional, levando em consideração os princípios da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e a legislação específica. ELIANE ARAQUE DOS SANTOS *Normas de Regência: Constituição da República; Decreto nº6.949/09 - Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; Lei nº 7.853/89; Decreto nº 3.298/99; Lei nº 8.112/90; Lei Complementar nº 75/93; Lei nº 10.048/00; Lei nº 10.098/00; Decreto nº 5.296/04; Normas de Acessibilidade da ABNT. A INSPEÇÃO MÉDICA É O EXAME ADMISSIONAL (ANAMNESE) Antes da posse, conforme determina o artigo 14, da Lei nº 8.112/1990, é obrigatória a prévia inspeção médica oficial, com julgamento de aptidão física e mental para o exercício do cargo. Trata-se do exame admissional (anamnese) e tem o caráter preventivo de rastreamento e de diagnóstico precoce de agravos à saúde relacionados ao trabalho do servidor ou empregado público, inclusive aqueles de natureza subclínica, assemelhando-se ao Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO, previsto na Portaria n º 3.214/1978 do Ministério do Trabalho e Emprego e, a NR-7, aplicada a todo trabalhador brasileiro. O exame médico admissional, segundo a regra geral, é obrigatório e compreende a avaliação clínica, abrangendo anamnese ocupacional e exame físico e mental, bem como exames complementares e, deve ser realizado antes que o trabalhador assuma as suas atividades, na forma dos itens 7.2.3, 7.4.1, 7.4.3.1, da NR-7, respectivamente. Com isso, pode-se constatar a pré-existência de alguma doença que possa justificar um pedido de aposentadoria, ficando aquela pessoa impedida de pleitear o benefício dela decorrente. Frise-se, mais uma vez, que a esfera de competência do médico cinge-se a estas avaliações e não deve estar relacionada a aferição da deficiência e o cargo a ser desempenhado. Durante muito tempo o administrador público praticou equivocada e sistematicamente a exclusão de candidatos classificados nas provas, ou mesmo do certame público antes da realização das provas. Consistia na avaliação pessoal do médico, ou de uma junta médica, de que o candidato com deficiência não teria condições para o exercício do cargo. A prática generalizou-se em toda a Administração Pública, baseada na Resolução nº 115/1994 do Conselho de Justiça Federal, que exigia dos candidatos com deficiência classificados, quando da investidura do cargo, a submissão à perícia médica, por junta médica oficial, com decisão de caráter terminativo “sobre a qualificação do candidato como deficiente ou não, e o grau de deficiência capacitante para o exercício do cargo” (Art. 7º, parágrafo 2º da Resolução nº 115/1994, do Conselho de Justiça Federal). A praxe deve ser a de submeter os candidatos aprovados em concurso público à avaliação médica prévia, exemplificada na seguinte hipótese de edital público: O candidato com deficiência aprovado no concurso será convocado para ser submetido à avaliação médica, por equipe multiprofissional do setor de saúde do órgão, que emitirá parecer, com a apreciação final do médico do trabalho, concluindo sobre a caracterização da deficiência, ou não, e sobre o grau de deficiência. A questão a ser realçada é de que não está proibida a avaliação médica prévia pela Administração Pública de candidato nomeado, pois visa a constatar as suas condições de saúde. A avaliação médica, no entanto, só é admissível se tiver a feição de exame admissional. Na hipótese, o médico ou a equipe multiprofissional do setor de saúde do órgão (que não é a mesma equipe multiprofissional com atribuições específicas prevista no artigo 43, do Decreto n º 3.298/1999) deverá emitir parecer atestando a saúde do servidor ou empregado público. SEXTA PARTE PROTEÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA EM CONCURSO PÚBLICO CAPÍTULO XII MANDADO DE SEGURANÇA É bastante comum o desconhecimento de candidatos com deficiência em relação à atitude a ser tomada quando seus direitos não estão previstos em edital de concurso público ou foram manifestamente violados pelo administrador público, responsável pelo certame. A pessoa com deficiência que constate seu direito individual, líquido e certo, violado poderá impetrar mandado de segurança contra o administrador público, nominado de autoridade coatora. O Mandado de Segurança está previsto na Constituição da República, no artigo 5º, inciso LXIX, sendo o meio colocado à disposição de toda pessoa física ou jurídica para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público. Por direito líquido e certo deve se entender o direito decorrente de norma constitucional ou legal que contém todos os requisitos e condições de aplicação, é, o “direito comprovado de plano” (Meirelles, 2001, p. 36). Se a existência do direito, que sempre decorre de um fato, for duvidosa ou não estiver delimitada na norma ou, se o seu exercício depender de situações e fatos não determinados (prova testemunhal ou pericial, por exemplo), não dá ensejo ao mandado de segurança. No âmbito do concurso público, o ato de autoridade passível de segurança é toda ação ou omissão do administrador público responsável pelo concurso público, que, com poder de decisão, pratica (ou determina a prática) de atos administrativos ilegais ou abusivos ou, omite direito causando lesão ao interessado. A demonstração do pressuposto da ilegalidade do ato para a concessão da segurança decorre especialmente do princípio da legalidade, inscrito no artigo 37, caput da Constituição da República, ao qual estão subordinados os atos do administrador público. O abuso de poder, por sua vez, decorre dá má utilização do poder discricionário pelo administrador público, ou seja, a sua liberdade de escolha, baseada na conveniência e oportunidade, para a prática do ato administrativo. Referido ato, não se esqueça, deve sempre atender ao princípio da legalidade e ao interesse público. Para os efeitos do mandado de segurança, estará caracterizada a ilegalidade por lesão a direito líquido e certo do candidato com deficiência, existentes (ou omitidos) em editais de concurso público quando, entre outros: a) indeferir inscrição de candidato com deficiência; b) submeter o candidato com deficiência a exame médico em período anterior às provas; c) eliminar candidato com deficiência após a realização de exame médico; d) impor ao candidato com deficiência sua inscrição na relação de candidatos com deficiência, não sendo esta sua escolha; e) não prever reserva de vagas de cargos ou empregos públicos no concurso público sobre o total de vagas disponibilizadas; f) não descrever as atividades dos cargos e empregos públicos; g) prever a reserva somente para alguns cargos ou empregos públicos, com exclusão explícita de outros, sob a justificativa de necessidade de aptidão plena ou incompatibilidade da função ao cargo ou emprego público; h) não fixar a reserva de vaga em determinada localidade sob a alegação de que a unidade do órgão é de difícil acesso; i) fixar a reserva de vaga em determinada unidade do órgão sob a justificativa de que é o único local acessível; j) indeferir pedido justificado de dilação de tempo para a realização da prova; k) indeferir pedido de atendimento diferenciado como adaptação da prova, segundo a necessidade do candidato e da deficiência declarada; l) não disponibilizar local acessível para a realização das provas; m) não publicar separadamente a lista geral e a lista com candidatos com deficiência; n) não convocar para nomeação, de forma alternada e proporcional, os candidatos com e sem deficiência, obedecidas a listas geral e de candidatos com deficiência; o) não prever a reserva mínima de 5% (este percentual deve atender ao percentual fixado para a reserva de vagas) dos candidatos classificados para o efeito de nomeação; p) alterar o local de lotação do candidato com deficiência em vista de não observar a ordem alternada e proporcional das listas referidas; q) deixar de observar a ordem de classificação, correspondente às duas listas, não compatibilizando a opção do candidato com deficiência pela localidade com a vaga disponível; r) preferir determinados locais de trabalho do órgão para a nomeação de candidatos com deficiência com a motivação de que o local é adaptado/acessível; s) nomear candidato com deficiência em vaga disponível diversa das opções marcadas pelo candidato; t) não constituir equipe multiprofissional para atendimento aos candidatos com deficiência em todas as fases do concurso público e para o período de estágio probatório; u) não tornar acessível o curso de formação, entre outros. Uma vez ciente da violação de seu direito, o candidato com deficiência, deve informar-se sobre quem é a autoridade responsável pelo concurso público. Após, delinear o objeto do mandado de segurança que deve voltar-se para a correção do ato (ou da omissão) da autoridade, considerado pelo impetrante como ofensivo ao seu direito líquido e certo, lembrando-se que o ato (ou a omissão) administrativo a ser atacado deve ser específico porque fere seu direito decorrente da norma vigente. Além de observar do prazo decadencial para impetrar o mandado de segurança que é de 120 dias contados ato violador do direito líquido e certo do candidato com deficiência, atente-se para os requisitos essenciais da ação, conforme os requisitos da petição inicial insertos nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Civil, sob pena de indeferimento da petição (artigo 321 do Código de Processo Civil). O impetrante deve acautelar-se e buscar a suspensão do ato. Para tanto, pedirá ao Juiz a suspensão do ato por liminar, demonstrando a relevância do direito a ser protegido e as consequências decorrentes da lesão ou, as consequências que advirão se a ameaça de violação ao direito consumar-se – é a existência do fumus boni iuris e periculum in mora, sob a anterior exigência do artigo 7º, inciso II da Lei nº 1.533/1951 e do atual 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009. Os Tribunais têm conduta uniforme na ratificação das sentenças: Tribunal de Justiça do Mato Grosso. 1ª Câmara Cível. AC 43258/2002, julgado em 9/junho/2003. Relator Desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho. REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO – RESERVA DE VAGAS – DEFICIENTE FÍSICO – PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL – ART. 37, VIII, CF, E ART. 2º DA LEI 6.862/97 – RECURSO IMPROVIDO – SENTENÇA RATIFICADA. Há de ser mantida sentença monocrática que em sede de mandado de segurança, resguarda ao impetrante a possibilidade de efetivar inscrição em concurso público, cujo edital foi omisso acerca da necessária reserva de vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais. Tribunal Justiça do Rio Grande do Sul. AC 7000346651, julgado em 7/março/2002. Relator Desembargador Augusto Otávio. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. MANDADO DE SEGURANÇA. Candidato portador de deficiência auditiva (leve a moderada) considerado inapto em exame admissional. Aprovação em todas as demais provas de concurso. Sentença de procedência. Edital silente quanto ao critério admissional aplicado. Aptidão para as funções a serem desempenhadas. Respeito ao princípio da proporcionalidade/razoabilidade. Recurso da CEEE desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de segurança 8482 DF (2002/0075633-8), Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. PODER JUDICIÁRIO. AFERIÇÃO DE PARÂMETROS DE LEGALIDADE. POSSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DO CARGO DE FISCAL FEDERAL AGROPECUÁRIO. EDITAL 1/2001. CRITÉRIO REGIONALIZADO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. OBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL DE VAGAS EM CADA TURMA DE CONVOCAÇÃO PARA O CURSO DE FORMAÇÃO. ART. 37, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 5º, § 2º, DA LEI 8.112/90. ART. 37, § 2º, DO DECRETO 3.298/99. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. É possível a impetração de mandado de segurança para aferir parâmetros de legalidade da Administração na aplicação das normas constitucionais, legais e do edital em concurso público. Hipótese em que não se aprecia aspectos relacionados à conveniência e oportunidade do ato administrativo. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada. 2. A Constituição Federal, em seu art. 37, inc. VIII assegura reserva de percentual de vagas aos candidatos portadores de deficiência para provimento de cargo ou emprego público. Nos termos do art. 5º, § 2º, Lei 8.112/90, o percentual máximo a ser observado é de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no certame. 3. No Concurso Público para Provimento de Vagas no Cargo de Fiscal Federal Agropecuário, regido pelo Edital 1/2001-MA, de 14/10/2001, foi reservado o percentual de 5% (cinco por cento) por especialidade/área aos portadores de deficiência e prevista a convocação dos candidatos aprovados na primeira etapa em 2 (duas) turmas para participação do Curso de Formação (segunda etapa). 4. Ante a peculiaridade desse certame, realizado de forma regionalizada e com a formação de 2 (duas) turmas distintas para a segunda etapa, mostra-se razoável a interpretação conferida pela Administração às regras do edital, ao determinar a observância do referido percentual em cada turma, separadamente. 5. Hipótese em que o impetrante, que concorreu às vagas destinadas aos não deficientes, embora tenha participado do Curso de Formação por força de liminar concedida nos Autos do MS 8.205/DF, deixou de ser nomeado porque convocados 3 (três) candidatos portadores de deficiência na segunda turma, considerando que o cálculo do percentual gerou a fração de 2,2 (dois vírgula dois) e, por força do Decreto 3.298/99, deve ser observado, nesses casos, o número inteiro subsequente. 6. Os portadores de deficiência figuram em lista própria de classificação em concurso público. Por conseguinte, não obstante possam atingir média inferior aos demais candidatos, e ainda serem convocados e nomeados, essa circunstância não demonstra, por si só, preterição. Precedente. 7. Segurança denegada. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário ARE 767932, publicado em 25/junho/2014. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DE DEFICIÊNCIA VISUAL. VAGA DESTINADA A CANDIDATOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. NECESSIDADE DO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279/STF. OFENSA À CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. 1. A deficiência visual, quando sub judice a controvérsia sobre a sua comprovação para preenchimento de vaga em concurso público, demanda a análise de normas infraconstitucionais e o reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Precedentes: AI 777.391-AgR, Rel. Minº Ellen Gracie, Segunda Turma, Dje 7/5/2010, ARE 768.402-AgR, Rel. Minº Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 20/2/2014 e ARE 658.703-AgR, Rel. Minº Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 21/8/2012. 2. O recurso extraordinário não se presta ao exame de questões que demandam revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, adstringindo-se à análise da violação direta da ordem constitucional. 3. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. 4. A violação ao princípio da reserva de plenário exige que a norma seja declarada inconstitucional ou tenha sua aplicação negada pelo Tribunal de origem, o que não ocorre no caso sub examine, onde a controvérsia foi solucionada com apoio na interpretação conferida pelo Tribunal a quo à norma infraconstitucional que disciplina a matéria. Precedente: AI 783.609-AgR, Rel. Minº Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 24/6/2011. 5. In casu, o acórdão extraordinariamente recorrido assentou: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR. FATO INCONTROVERSO. DEFICIÊNCIA FÍSICA. SÚMULA 377/STJ. 6. Agravo regimental DESPROVIDO. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, na forma do artigo 5º, inciso LXX, alínea b da Constituição da República. Interessa particularmente ao estudo o papel e as atribuições das associações civis que foram concebidas inicialmente para apoiar os movimentos sociais e as organizações populares comunitárias, com o objetivo de promoção da cidadania, defesa e proteção de direitos de segmentos sociais excluídos ou marginalizados, sempre com ênfase na educação, na saúde e na assistência social, sobretudo diante da ausência de políticas públicas de um Estado omisso. A primeira edição de norma dispondo sobre a constituição e o funcionamento de associações civis – com o fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade - foi em 1935 (Lei nº 91, de 28/agosto/1935), com duas normas regulamentadoras (Decretos nº 50.517, de 2/março/1961 e 60.931, de 4/julho/1967) e, mais tarde, a Lei nº 6.639, de 8/maio/1979 que introduziu a não remuneração dos cargos de diretoria e de conselhos fiscais. Diante da preocupação do regime ditatorial da época, as entidades associativas evoluíram em suas concepções para as atuais associações civis de assistência social. As associações civis sem fins lucrativos, contrariamente àquelas com fins econômicos, não distribuem seus superávits aos conselheiros, diretores e associados, aplicando integralmente os recursos captados na consecução de seus objetivos institucionais. No entanto, é comum as associações civis desenvolverem determinada atividade econômica para garantir o sustento da instituição, o que não significa dizer tenha ela fim econômico, pois tal atividade destina-se à sobrevivência da instituição e não o lucro de seus associados. Cita-se o exemplo da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE do Distrito Federal que para manter os cursos de profissionalização de jovens com deficiência intelectual, opta por comercializar os produtos das padarias e confeitarias, cujo lucro reverte para a manutenção dos próprios cursos. As associações de e para pessoas com deficiência, conforme a garantia constitucional inserida no artigo 5º, inciso XXI da Constituição da República, devidamente constituídas na forma da lei e, em efetivo funcionamento há pelo menos um ano, podem defender o direito individual lesado de seus associados, por ação ou omissão do administrador público responsável pelo concurso público. Nesse ponto, defende-se, reside uma das principais finalidades das associações de e para pessoas com deficiência: a defesa dos direitos de seus associados. A realização de tal mister, e outras atreladas aos objetivos de criação das associações, deve se ater às previsões do Código Civil, segundo os artigos 53 a 61. Para a postulação do direito das pessoas com deficiência candidatas a determinado concurso público a associação devem comprovar suas condições de associadas, não necessitando de autorização especial de assembleia geral. Basta a previsão em estatuto. Esta legitimação da entidade associativa, como substituto processual, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal pelo respeitável Ministro Ilmar Galvão (RE 141733-1 SP, Associação dos Servidores Públicos Municipais de Santo André e Prefeito Municipal de Santo André e Outro, de 7/março/95, publicado no Diário da Justiça de 1/setembro/95), citando Calmon Passos, se dá porque está “[...] em jogo direitos (individuais) de associados seus, direitos esses que guardam certo vínculo com os fins mesmos da entidade (interesse qualificador do vínculo associativo)”. O nexo como condição de agir da substituição processual deve estar evidenciado no interesse jurídico da associação de ou para pessoas com deficiência na defesa dos interesses violados dos associados no caso, eventuais candidatos com deficiência em concurso público. Essa forma coletiva de solução de controvérsia, além de primar pela economia processual, evita que repetidas ações individuais tenham resultados distintos em sentenças individuais. Arremata-se a proposição com a seguinte ementa do Supremo Tribunal Federal que entende a legitimação das organizações sindicais, entidades de classe e associações para o mandado de segurança coletivo quando estiver envolvido um direito dos associados: Supremo Tribunal Federal. RE 181.438-1/SP, Sindicato da Indústria de Artigos e Equipamentos Odontológicos, Médicos e Hospitalares do Estado de São Paulo e União Federal. Ministro Carlos Velloso, de 28/junho/96, publicado no Diário da Justiça de 4/outubro/96. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. OBJETO A SER PROTEGIDO PELA SEGURANÇA COLETIVA. C.F., art. 5º, LXX, ‘b’. I – A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. C.F., art. 5º, LXX. II – Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação. III – O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido na titularidade dos associados e que exista ele em razão das atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio da classe. IV – R.E. conhecido e provido. CAPÍTULO XIII AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O Ministério Público tem por atribuição buscar a satisfação dos interesses coletivos e difusos das pessoas com deficiência que, por meio de concurso público, objetivam integrar os quadros da Administração Pública Direta e Indireta. O administrador público, por sua vez, tem a obrigação de praticar, segundo os comandos constitucionais e legais, a adequada previsão da reserva de cargos e empregos, além de aceitar as inscrições de candidatos com deficiência e atender as solicitações de tratamento diferenciado e de adaptação das provas e dos locais de provas; compor as listas com a classificação de candidatos com e sem deficiência e, nomeá-los de forma alternada e proporcional, entre outros. É nesse contexto de pratica ou omissão de atos que atentam contra o interesse público que se opõe o Ministério Público. Na condição de instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (caput, do artigo 127 da Constituição da República), com legitimidade para propor a ação civil pública (artigo 129, inciso III, da Constituição da República), instrumento processual apto à defesa dos interesses metaindividuais, assim entendidos os difusos e coletivos, conforme o artigo 1º, inciso IV da Lei nº 7.347/1985, ou Lei da Ação Civil Pública (LACP). O artigo 3º, da Lei nº 7.853/1989 confirma a atribuição prevista na LACP e define serem as ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas com deficiência, podendo ser propostas pelo Ministério Público (além da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, associação constituída há mais de um ano, autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista e, a Defensoria Pública, incluída pela Lei nº 13.146/2015). Na terminologia do artigo 81, Parágrafo Único, da Lei nº 8.078/1990 ou o Código de Defesa do Consumidor (CDC), trata-se da defesa coletiva de interesses difusos, posto serem interesses transindividuais, de natureza indivisível cujos titulares são pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. A ação, ou a qualidade para agir, do Ministério Público justifica-se porque os interesses violados transcendem à esfera de um conflito individual de natureza reparatória, afetando uma universalidade de pessoas com deficiência não individualizáveis ou determináveis, configurando o interesse difuso dos candidatos às vagas oferecidas no concurso público porquanto: a) o interesse tutelado é indivisível e se constitui em bem jurídico que potencialmente pode ser usufruído por inúmeras pessoas com deficiência que, fundadas no princípio da igualdade de oportunidade, devem ter a garantia da reserva de vagas; a garantia de atendimento ao atendimento diferenciado com a realização das necessárias adaptações de prova e locais de prova; a garantia de elaboração de listas; a nomeação, dentre outros interesses; b) os titulares do interesse são indetermináveis, uma vez que não é possível individualizar as pessoas com deficiência interessadas em participar do concurso e que foram ofendidas com a prática irregular que gerou a lesão, tampouco as que deixaram de realizá-lo em razão das irregularidades apontadas no edital, ou seja, as pessoas com deficiência lesadas não poderão ser identificadas porque se encontram dispersas na sociedade; c) embora inexista relação jurídica direta entre os potenciais candidatos ao concurso público ou, entre eles e a Administração Pública, há uma relação comum que decorre da circunstância de fato. Além da reserva de vagas nos concursos públicos para as pessoas com deficiência e das condições daí decorrentes, tenha-se em conta que a ação, ou omissão, do administrador público traduz-se em conduta discriminatória no que diz respeito aos critérios de contratação das pessoas com deficiência, conduta esta vedada na Constituição da República, conforme os artigos 5º, caput e 7º, inciso XXXI da Constituição da República, e o artigo 4º da lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, Lei nº 13.146/2015. Percebe-se a qualidade difusa dos interesses porque não é possível identificar todas as pessoas com deficiência que foram discriminadas, ou que serão caso o Ministério Público não atue contra a prática. E mais, encontra-se na esfera de atribuições do Ministério Público a defesa da ordem jurídica, descrito na cabeça do artigo 127 da Constituição da República. Portanto, o Ministério Público está apto para atuar na defesa dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, constante do caput, do artigo 37 da Constituição da República principalmente quando o seu não cumprimento violar os interesses metaindividuais. A jurisprudência é favorável nesse sentido: Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, Ministro Herman Benjamin Processo REsp 1729214 , Publicado no DJe 23/novembro/2018. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RELEVÂNCIA SOCIAL. 1. “A jurisprudência desta Corte vem se sedimentando em favor da legitimidade ministerial para promover ação civil pública com vistas à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando na presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado ou diante da massificação do conflito em si considerado” (AgRg no REsp 1301154/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 19/11/2015). 2. Quanto à legitimidade ativa ad causam do Ministério Público, é inegável a sua atuação no presente caso, que tem em vista assegurar a observância dos princípios constitucionais na condução do certame público, levando à apreciação do Poder Judiciário ato administrativo supostamente em confronto com os princípios constitucionais e administrativos, ainda que assegurando, de forma coletiva, direitos de determinados candidatos. O concurso público de provas e títulos, como se sabe, é pilar central do sistema meritório vigente no Brasil, caracterizando uma das bases da República. 3. Recurso Especial não provido. Ao tratar da restauração de interesses lesados pela Administração Pública Indireta, relativamente às empresas públicas e sociedades de economia mista, em concurso público para o preenchimento de empregos públicos, portanto no âmbito da Justiça do Trabalho, a jurisprudência não é diferente ao conferir legitimidade ao Ministério Público do Trabalho: Tribunal Superior do Trabalho. TST-RR-702.000/2000.6, 5ª Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula, publicado no Diário da Justiça de 1/outubro/2002. RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA COLETIVA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. EMPRESA ESTATAL. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE AVALIAÇÃO PSICILÓGICA OU TESTE PSICOTÉCNICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Diferentemente do entendimento adotado pelas instâncias ordinárias, é manifesta a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar ação civil pública, de índole coletiva, proposta pelo Ministério Público do Trabalho em defesa da ordem jurídica trabalhista, visando à tutela dos direitos metaindividuais, isto é, dos interesses difusos dos interessados no acesso ao emprego público oferecido pela Ré. Esta, embora sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas (CF, art. 173, par. 1º, II), também está obrigada, como estatal, à observância do princípio da legalidade no que concerne à regulamentação do concurso público para provimento de seus empregos (CF, art. 37, caput). Esse controle jurisdicional não pode ser subtraído à Justiça do Trabalho, estando a sua competência definida na 2ª parte do art. 114 da Constituição Federal, ainda que o litígio tenha origem na fase pré-contratual, como nas hipóteses da Lei 9029/95, que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego. A Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75, de 20/maio/1993) delimita as atribuições do Ministério Público Federal, nos artigos 39 e 70 e do Distrito Federal e Territórios, artigos 151 e 178 na defesa dos direitos constitucionais do cidadão; as atribuições do Ministério Público do Trabalho, nos artigos 83 e 112 na defesa dos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, decorrentes das relações de trabalho. O mesmo ocorre, em leis específicas no âmbito dos Estados para o Ministério Público Estadual. A Constituição da República indica a cada integrante do Ministério Público da União à jurisdição competente para a atuação: Justiça Federal (artigo 109); Justiça do Trabalho (artigo 114); Justiça Estadual e do Distrito Federal e Territórios (artigo 125), e na forma da Constituição de cada Estado, respectivamente. Destaca-se proposição interessante conferida pela LACP da possibilidade de litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos na defesa dos interesses e direitos metaindividuais (artigo 5º, parágrafo 5º da LACP). Referida faculdade deve atender aos princípios da conveniência e oportunidade, tendo como objetivo a efetividade da entrega da prestação jurisdicional relativamente ao interesse lesado ou ameaçado de lesão. Entende-se, além disso, que a opção pelo litisconsórcio entre Ministérios Públicos vem creditar maior fortalecimento das atribuições de cada um, consolidando a unidade do Ministério Público da União. ATUAÇÃO EXTRAJUDICIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO Na esfera da atuação extrajudicial e na condição de promotor de direitos, cabe ao Ministério Público promover o inquérito civil para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, conforme o artigo 129, inciso III da Constituição da República. O conceito de inquérito civil segundo Hugo Nigro Mazzili (1999, p. 46) é uma investigação a cargo do Ministério Público “que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio órgão ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseja eventual propositura de ação civil pública ou coletiva”. A proposição de ação civil pública, no entanto, não depende exclusivamente do inquérito civil que, embora útil, “não é indispensável para isso: não constitui pressuposto processual para que o Ministério Público compareça em juízo” (Mazzili, 1999, p. 51). Além da prova em juízo, o inquérito civil, ao proporcionar elementos de certeza que indicam a existência de eventual irregularidade ou ilegalidade, poderá ser pano de fundo para o compromisso de ajustamento de conduta. Tal resultado só poderá ocorrer com o reconhecimento espontâneo do investigado quanto à prática irregular ou ilegal que lese ou ameace interesses. Firmado o compromisso, sua eficácia é de título executivo extrajudicial, devendo ser executado uma vez comprovado o descumprimento. Um exemplo de Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com concessionárias de serviço público para o cumprimento da reserva de postos de trabalho, ilustra o argumento: Ministério Público do Trabalho. Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta firmado no ICP nº 422/00, entre a Telegoias Celular S.A. e Outras (Relatório de Atividades do Ministério Público do Trabalho. Pessoa Portadora de Deficiência e Beneficiário Reabilitado Inseridos no Trabalho : 2001, p. 144-145). I – DAS OBRIGAÇÕES DE FAZER: CLÁUSULA PRIMEIRA – Cada uma das empresas comprometem-se a preencher, no prazo de 03 (três) meses, a partir da assinatura deste instrumento, o percentual previsto no artigo 36, do Decreto 3.298, de 21 de dezembro de 1999, com trabalhadores beneficiários da Previdência Social ou pessoas portadoras de deficiência habilitadas. CLÁUSULA SEGUNDA – As empresas comprometem-se, ainda, a não despedir, nos próximos quatro meses a contar da assinatura deste instrumento, os seus empregados beneficiários reabilitados que não mais se encontrem no período de estabilidade. CLÁUSULA TERCEIRA – A empresa compromete-se, ainda, a adequar o seu ambiente de trabalho às especificidades das deficiências dos empregados contratados, nos termos da lei. [...] III – DAS MULTAS PELO DESCUMPRIMENTO DO TERMO: CLÁUSULA SEXTA – Em caso de descumprimento da Cláusula Primeira as compromitentes pagarão uma multa equivalente a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada vaga não preenchida, independentemente de outras multas que porventura sejam cobradas por outros órgãos, tais como DRT e INSS, cuja valor será revertido ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – instituído pela Lei 7.998/70, ou em caso de extinção deste para o Fundo Federal instituído pelo Decreto no. 1.306, de 09.11.94. CLÁUSULA SÉTIMA – Em caso de descumprimento da Cláusula Segunda as compromitentes pagarão uma multa equivalente a R$ 2.000,00 (dois mil reais) por cada empregado despedido, independentemente de outras multas que porventura sejam cobradas por outros órgãos, tais como DRT e INSS, cujo valor será revertido ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – instituído pela Lei 7.998/70, ou em caso de extinção deste para o Fundo Federal instituído pelo Decreto no. 1.306, de 09.11.94. CLÁUSULA OITAVA – Em caso de descumprimento da Cláusula Terceira as compromitentes pagarão uma multa equivalente a R$ 500,00 (quinhentos reais) por cada obrigação (de adequação) descumprida, independentemente de outras multas que porventura sejam cobradas por outros órgãos, tais como DRT e INSS, cujo valor será revertido ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador – instituído pela Lei 7.998/70, ou em caso de extinção deste para o Fundo Federal instituído pelo Decreto no. 1.306, de 09.11.94. Também na área da atuação extrajudicial as respectivas esferas de competência devem ser observadas, nada obstando a atuação coordenada e em conjunto: do Ministério Público do Trabalho em relação à Administração Pública Indireta, que compreende as empresas públicas e sociedades de economia mista; do Ministério Público Federal na Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional de âmbito federal; do Ministério Público Estadual quanto à Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, no âmbito dos Estados e Municípios. A atuação conjunta e ordenada repita-se, consolida a unidade do Ministério Público da União. A atuação extrajudicial envolve-se na atribuição promocional do Ministério Público, que Carlos Henrique Bezerra Leite qualifica como sendo seu “papel primordial” e “verdadeira alavanca a propiciar o acesso da sociedade à justiça e ao Poder Judiciário em defesa dos valores maiores desenhados em nosso ordenamento jurídico” (Leite, 2001, p. 131). A ação promocional, ou atividade de ombudsman, é exercitada rotineiramente por meio da realização de audiências públicas e expedição de recomendações. Hugo Nigro Mazzilli durante a abertura do I Seminário Internacional Pessoa Portadora de Deficiência – Trabalhador Eficiente, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em 4/abril/2001, em São Paulo, ressaltou que dentre as atribuições do Ministério Público a mais peculiar é a de ombudsman dos interesses das pessoas com deficiência (in Relatório de Atividades, 2001, p. 67-75). A audiência pública para o Ministério Público, além de imprimir legitimidade para as suas ações, é dirigida observada a participação ordenada do público, que normalmente é formado pela sociedade civil organizada (associações, sindicatos) e pessoas físicas interessadas. Consiste basicamente no binômio: relevância da questão em discussão e efetividade dos resultados pretendidos, com foco no interesse público e na defesa dos interesses metaindividuais. Os temas são diversos: meio ambiente e meio ambiente do trabalho; direitos de crianças e adolescentes; direitos de pessoas com deficiência; direito de consumidores; direitos de trabalhadores, patrimônio público, entre outros. Para a realização da audiência pública o Membro do Ministério Público indicará a finalidade; permitirá o amplo debate de questão que afeta aos interesses metaindividuais; estabelecerá regras quanto à participação de autoridades, especialistas e interessados inscritos, bem como a forma de participação temporal da exposição; registro dos pronunciamentos, lavratura de ata e fornecimento de cópia aos interessados, além da publicação dos resultados. Duas são as formas de realização de audiências públicas: a) aquelas que objetivam a conclamar, mobilizar, ou até mesmo denunciar lesão a direitos, vinculando-se ou não a um procedimento administrativo, visando à articulação coordenada de interesses (exemplos da criação de fóruns; debate sobre matéria controvertida), ocasião em que o Ministério Público convida os parceiros interessados, comunicando a realização do ato para que a sociedade se disponha a participar. Essa forma de ação precedem reuniões anteriores com os interessados; b) aquelas decorrentes de Procedimentos Preparatórios e Inquéritos Civis que visam a coletar elementos para a formação de convicção do Membro do Ministério Público e, ao mesmo tempo, levar ao conhecimento dos interessados o posicionamento e a solução do ponto de vista legal, a fim de restabelecer interesses lesados ou ameaçados de lesão. Nesta hipótese, pode-se incluir a audiência pública para o compromisso de ajustamento de conduta. Qualquer que seja o fundamento para a audiência, os interessados diretos (investigados) serão notificados a comparecer. Verificam-se a existência de procedimentos para audiências públicas nas Casas Legislativas (artigo 58, parágrafo 2º, inciso II da Constituição da República), com previsão no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigo 255-258); no Poder Judiciário (artigo 9º da Lei nº 9.868/1999); na Administração Pública (artigo 31 da Lei nº 9.784/1999) e na Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo (artigo 28, inciso IV da Lei nº 8.625/1993). A segunda possibilidade de ação promocional do Ministério Público é a expedição de recomendações, situação em que se fixa prazo razoável para a adoção de providências, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como a respeitar os interesses e direitos dos cidadãos (artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar nº 75/1993). Seguem exemplos de recomendações remetidas a órgãos da administração pública direta e indireta para o cumprimento das regras de concurso público: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Recomendação nº 7, de 18/junho/2002, assinada pelo Promotor de Justiça Vandir da Silva Ferreira, publicada no DOU de 23/6/2002, p. 111. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, por meio do Promotor de Justiça signatário, em exercício na Promotoria de Defesa do Idoso e do Portador de Deficiência – PRODIDE, no uso de suas atribuições defesa dos direitos dos portadores de deficiência, previstas na Lei Complementar nº 75/93, e na Lei nº 7.853/89 e com base na justificação anexa que integra o presente ato, recomenda ao TCDF – tribunal de Contas do Distrito Federal – e ao CESPE – Centro de Seleção e de Promoção de Eventos – que, em relação ao Edital nº 1/2002 – TCDF-2, de 10 de junho de 2002, para o provimento de vagas no cargo de Analista de Finanças e Controle Externo e ao Edital nº 1/2002 – TCDF-3, de 10 de junho de 2002, para o provimento de vagas do cargo de Auditor, promovam as seguintes adaptações nos textos respectivos: 1) a inclusão de item prevendo, expressamente, o conceito de pessoa portadora de deficiência para o efeito de concorrer às vagas reservadas, adotando como parâmetro as definições constantes do art. 4º do Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.99; 2) a inclusão de item prevendo, expressamente, que se o resultado da aplicação do percentual de 20% (vinte por cento) for fração de número inteiro, o número de vagas reservado para portadores de deficiência deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente, ainda que seja apenas um, substituindo-se os itens 1.2.1 e 2.2.1 dos editais, respectivamente; 3) a inclusão de item definindo equipe multiprofissional, na forma prevista no art. 1º da Lei Distrital nº 160, de 01.09.91, ou no art. 43 do Decreto Federal nº 3.298, de 20.12.99, para o efeito de opinar sobre a compatibilidade da deficiência do candidato aprovado ao cargo a ser exercido, com previsão de fase recursal contra suas decisões; 4) a inclusão de item estabelecendo expressamente a composição e a competência das Juntas Médicas previstas, respectivamente, nos itens 1.2.2 e 2.2.2, alterando-se sua competência apenas para definir se o candidato é, ou não, portador de deficiência, com previsão de fase recursal contra suas decisões, ou atribuindo essa tarefa à equipe multiprofissional, instituída na forma do item 3 desta Recomendação inclusive quanto à presença de fase recursal. Caso, no prazo de 3 (três) dias úteis, a PRODIDE não receber comunicação do TCDF e do CESPE a respeito das providências tomadas, ou se estão não correspondem, infundadamente, aos termos da presente Recomendação, será imediatamente proposta a correspondente ação civil pública. Envie-se cópia aos órgãos e entidades envolvidos na defesa das pessoas portadoras de deficiência. Ministério Público do Trabalho. Recomendação nº 02/2002, de 9/9/2002 remetida a todos os órgãos da Administração Pública Indireta Federal, conforme decisão da Comissão de Estudos do Ministério Público do Trabalho para Inserção da Pessoa Portadora de Deficiência no Mercado de Trabalho, em 9/9/2002. Procedimento nº 0813000353-6, vol. IV. O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - Procuradoria Geral do Trabalho -, com fundamento no inciso VI, art. 129, da Constituição da República e art. 8o, inciso VII, da Lei Complementar nº 75, de 20/5/93, RECOMENDA a (órgãos da Administração Pública Federal Indireta) por meio de seu representante legal, quanto aos editais de concursos públicos, o seguinte: Considerando o disposto no inciso II do art. 37, da Constituição da República que condiciona o acesso a cargos e empregos públicos a aprovação prévia em concurso público de provas e provas e títulos, Considerando que, por previsão constitucional, é garantida a reserva de vagas às pessoas portadoras de deficiência, em percentual mínimo de 5% 1. Todo edital deverá conter os requisitos mínimos previstos no art. 39 do Decreto 3.298/99. 2. A inclusão de item prevendo, expressamente, o conceito de pessoa portadora de deficiência para o efeito de concorrer às vagas reservadas, adotando como parâmetro as definições constantes do art. 4º, do Decreto 3.298/99; 3. A inclusão de item prevendo, expressamente, que se o resultado da aplicação do percentual mínimo de 5% (cinco por cento) e máximo de 20% (vinte por cento) for fração de número inteiro, o número de vagas reservados para portadores de deficiência deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente, ainda que seja apenas um. 4. A inclusão de item definido equipe multiprofissional, na forma prevista no art. 43 do Decreto 3.298/99, com as atribuições ali previstas. 5. A inclusão de item prevendo expressamente que a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato será avaliada durante o estágio probatório. (art. 43, §2º do Decreto 3.298/99). ATUAÇÃO INTERVENIENTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO Cabe ao Ministério Público a intervenção obrigatória, na condição de fiscal da lei, nas ações civis públicas em que não for parte (artigo 5º, parágrafo primeiro 1º da LACP) e, coletivas e individuais (artigo 5º da Lei nº 7.853/1989) em que se discutam interesses relacionados à deficiência das pessoas. Lembre-se que a sentença que concluir pela carência ou improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, ou recurso de ofício, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal (artigo 4º, parágrafo 1º da Lei nº 7.853/1989). CAPÍTULO XIV MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS E O CONTROLE DOS CONCURSOS PÚBLICOS PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS A Constituição da República no artigo 71, inciso III define a competência dos Tribunais de Contas para apreciarem para fins de registro a legalidade dos atos de admissão de pessoal na Administração Direta e Indireta. Trata-se de controle exercido pelos Tribunais de Contas a incidir sobre a legalidade do concurso público realizado e a compatibilidade do candidato aprovado com os requisitos exigidos para a investidura no cargo ou emprego público. Estão excluídos dessa fiscalização apenas os atos de admissão de pessoal para cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração. A lei orgânica do Tribunal de Contas, Lei nº 8.443, de 16/junho/1992, repete a atribuição constitucional no artigo 1º, inciso V: Art. 1º Ao Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição Federal e na forma estabelecida nesta lei: V - apreciar, para fins de registro, na forma estabelecida no Regimento Interno, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público federal, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório; A fiscalização levada a efeito pelo Ministério Público de Contas e das Cortes de Contas, inicia-se logo após a publicação do edital do concurso publico, observando-se a existência dos requisitos de legalidade, sobretudo em relação à reserva de vagas para pessoa com deficiência. No caso de serem aferidas ilegalidades no edital de concurso público o Tribunal de Contas de ofício ou provocado pelo Ministério Público de Contas determinará sua imediata correção. Se a ordem do Tribunal de Contas para a adaptação do edital do concurso público à lei for desrespeitada pelo administrador público, será aplicada multa ao responsável, bem como a declaração da ilegalidade do certame público. Vencida a fase do concurso publico, as nomeações realizadas pela Administração Pública devem ser encaminhadas às Cortes de Contas para o respectivo registro. O registro, por sua vez, consiste na anotação do ato com a declaração do reconhecimento de sua legalidade pelo Tribunal de Contas. Para o registro dos atos de admissão, procede-se a formação de processo físico ou eletrônico, devidamente instruído com toda a documentação necessária à comprovação da legalidade da contratação. O Ministério Público de Contas deve se pronunciar sempre sobre tais atos de admissão de pessoal, na forma do artigo 81, inciso II da Lei nº 8.443/1992. É nesse contexto que se inclui a reserva vagas destinada à pessoa com deficiência, a comprovação de sua condição e demais atos decorrentes, inclusive a observância das regras de nomeação. O Tribunal de Contas ao verificar ilegalidade na tomada de posse ao cargo, ou admissão ao emprego público, declarará nulo o registro do ato e a suspensão do pagamento de vencimentos ou salários, respectivamente. Como todos os registros realizados pelas Cortes de Contas compõem um banco de dados com a individualização do servidor ou empregado público, é possível obter o número de pessoas com deficiência efetivamente nomeadas para o exercício de cargos e empregos públicos no âmbito dos órgãos da administração pública, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista para fins de estatística e, principalmente para a aferição, por parte do administrador público, do número efetivo de servidor e empregado público existente para decidir e determinar o percentual de reserva de vagas do concurso público. Lembre-se que a notícia da ilegalidade no edital de concurso público ou de violação à ordem de classificação para a nomeação poderá ser encaminhada por qualquer cidadão ou entidade da sociedade civil organizada ao Ministério Público de Contas e Tribunais de Contas. CAPÍTULO XV LEGITIMIDADE DAS ASSOCIAÇÕES PARA A AÇÃO CIVIL PÚBLICA As associações, assim como as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, podem propor a ação civil pública, devendo demonstrar o interesse de agir no caso concreto. Isso significa dizer que para ingressar em juízo, propondo a ação ou, na condição de colegitimada, a associação há que demonstrar que direta ou indiretamente o interesse (direito) lesado, ou ameaçado de lesão, relaciona-se com a sua condição (finalidade) de associação: é a chamada pertinência temática (Almeida, 2001, p. 112). A falta de correspondência direta entre os mesmos acarretará à associação a falta de interesse na tutela. As associações constituídas há mais de um ano, nos termos da lei civil, e que tenham entre suas finalidades institucionais a proteção das pessoas com deficiência poderão propor ação civil pública e medida cautelar. É o que se depreende da Lei da Ação Civil Pública, artigo 5º, incisos I e II e da Lei nº 7.853/1989 que dispõe sobre a integração das pessoas com deficiência no artigo 3º. Está contido no conceito de associação os sindicatos de classe, as cooperativas e outras entidades com finalidade associativa. Os incisos I e II e o parágrafo 4º do artigo 5º da LACP contêm requisitos que Hugo Nigro Mazzili (1998, p. 79) nomina de “representatividade adequada”, inserindo-os no rol de pressupostos processuais. Exige-se das associações em geral que dentre as suas finalidades esteja: a proteção do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo (artigo 5º, inciso II da LACP). No caso das associações de e para pessoas com deficiências, é óbvio que dentre as suas finalidades deve estar a proteção dos interesses da pessoa, requisito que deve estar claramente consignado em estatuto. Uma vez cumprida tal condição, dispensará a autorização por assembleia geral. O requisito do inciso I, do artigo 5º da LACP, exige que a associação exista há pelo menos um ano, observados, quanto à sua criação o Código Civil (artigos 53 a 61). A demonstração de cumprimento desse requisito para propor ação civil pública em defesa de seus associados é a garantia de aptidão da associação que, no entanto, poderá ser dispensada pelo juiz quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido, conforme o artigo 5º, parágrafo 4º da LACP, introduzido pelo artigo 113 do Código de Defesa do Consumidor. O dimensionamento dessa quebra de objetiva condição de constituição há mais de um ano, a cargo do exclusivo arbítrio do julgador, é proporcional ao interesse social de restabelecer os direitos violados das pessoas com deficiência. No caso específico de concurso público, revela-se com a satisfação do comando constitucional de direito à igualdade de tratamento e oportunidade de concorrer a cargos e empregos públicos. A LACP faculta o litisconsórcio no polo ativo da ação civil pública e enumera os legitimados ativos: o Poder Público e as associações que preenchem os pressupostos processuais, conforme o 5º, parágrafo 2º. Então, as associações poderão habilitar-se como litisconsorte de qualquer das partes, quando do ajuizamento da ação ou, posteriormente, como litisconsorte ulterior, quando adita a inicial para alterar ou ampliar o objeto do processo ou, ainda, como assistente litisconsorcial, quando mantém o pedido inicial (Mazzili, 1998, p.83). Seguindo a ordem da Lei nº 7.347/1985 qualquer co-legitimado ativo, incluída a associação, que desistir de forma infundada ou abandonar a ação, o Ministério Público ou outro legitimado, assumirá a titularidade ativa, de forma a garantir a prestação do interesse lesado. Ressalte-se, por fim, que a legitimidade da associação é para a proposição de ação e não para tomar dos interessados o compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, com previsão de multa cominatória e com eficácia de título executivo extrajudicial. A possibilidade de comprometer a parte ao ajustamento de conduta destina-se somente aos órgãos públicos legitimados, excluídas as entidades associativas (artigo 5º, parágrafo 6º da LACP). Almeja-se para o futuro que o manejo da ação civil pública por associações de e para pessoas com deficiência, na defesa e interesses lesados de seus associados, torne-se constante, como forma de fortalecimento do princípio fundamental de plena liberdade de associação (artigo 5º, incisos XVII, XVIII, XIX, XX e XXI da Constituição da República), visando à bem representar em juízo, ou fora dele, cumprindo com as finalidades para as quais foram constituídas. SÉTIMA PARTE CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS ESTADUAIS E MUNICIPAIS DE EMPRESAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA A Administração Pública sob a égide de leis estaduais, municipais ou distritais pode discriminar candidatos com deficiência ao prever (ou ao não prever) a reserva de vagas em concursos públicos ou fixar equivocadas regras de acesso aos cargos e empregos públicos. Se mal concebidas, referidas leis colidem com os comandos constitucionais e a atual Convenção das Pessoas com Deficiência (CDPD). Sem dúvida, a melhor prática é prevenir a discriminação institucional com leis estaduais e municipais bem formuladas, porém isso nem sempre ocorre. Uma vez promulgadas, ao administrador público cabe cumpri-las seguindo o princípio da legalidade. O controle difuso de constitucionalidade visando a corrigir o rumo de distorcidas leis tem sido eficiente, pois evita a pratica discriminatória e sopesa os elementos essenciais para a validade do edital de concurso público. Daí porque, introduz-se o presente capítulo baseado em estudo elaborado para o livro Novos direitos e diversificação de tutelas: O Direito e o Processo do Trabalho em Movimento, organizado por Christiana D’arc Damasceno Oliveira (no prelo). Os casos apresentados e as conclusões decorrem da ação coordenada e exitosa do Ministério Público do Trabalho no Estado de São Paulo, obviamente no âmbito das relações de trabalho da Administração Pública Indireta e soluções judiciais no foro trabalhista. CAPITULO XVI A COMPETÊNCIA DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE PESSOA COM DEFICIÊNCIA E CONCURSO PÚBLICO E O PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO DA CDPD A competência para legislar sobre direitos e garantias das pessoas com deficiência é tema relevante na relação Estado e Sociedade e permite que na hipótese de inexistência de previsão de lei federal seja possível supri-la por meio de legislação específica no âmbito dos Estados e Municípios. A atribuição constitucional de legislar sobre direito, proteção e garantia de direitos das pessoas com deficiência que, necessariamente envolve o acesso a cargos e empregos públicos, está nos artigos 23, 24 e 30 da Constituição da República e não deve confrontar-se com o princípio de não discriminação do Artigo 3, alínea b da CDPD, norma de natureza constitucional. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para proteger e garantir os direitos das pessoas com deficiência, conforme o artigo 23, inciso II da Constituição da República: Constituição da República Art. 23 - É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; A União, os Estados e o Distrito Federal concorrem em atribuição para legislar sobre a proteção e a inclusão das pessoas com deficiência, na dicção do artigo 24, inciso XIV da Constituição da República: Constituição da República Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] XIV – proteção e integração social das pessoas com deficiência. É permitido ao legislador estadual e distrital diante da ausência de normas gerais de competência da União legislar de forma plena para atender as suas peculiaridades (parágrafos 1º e 3º do artigo 24 da Constituição da República), expedindo inclusive as normas gerais faltantes limitadas ao âmbito de seu território e, ainda, de forma suplementar poderá legislar sobre normas gerais de competência da União (parágrafo 2º do artigo 24 da Constituição da República): Constituição da República Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. Lembre-se que a superveniência de lei federal que trata de normas de caráter geral suspende a eficácia de lei estadual que discipline o mesmo tema em contrário (parágrafo 4º do artigo 24 da Constituição da República): Constituição da República Art. 24 – Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia de lei estadual no que lhe for contrário. Aos Municípios também cabe legislar sobre a inclusão da pessoa com deficiência de forma suplementar (artigo 30, inciso II da Constituição da República), tendo o cuidado para não ferir e não limitar os comandos constitucionais, as leis e normas infralegais estadual e federal. Constituição da República Art. 30 - Compete aos Municípios: [...] II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; Dentre as variadas atribuições do estado, uma delas é a competência para legislar sobre o concurso público, modelo constitucional e democrático de acesso aos cargos e empregos da Administração Pública. Consolida, ao mesmo tempo, o comando constitucional de livre acesso (artigo 37, inciso II da Constituição da República) de todos os brasileiros que atendam as exigências da lei e aos princípios da Administração Pública concernentes à legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade dos atos. O Supremo Tribunal Federal a partir do ano de 1993 redirecionou a conduta do administrador público da administração pública direta e indireta para a formulação do concurso público: Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 21.322-1/DF, Relator Ministro Paulo Brossard, publicado no Diário da Justiça de 22/outubro/1993. CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS. ADMINISTRAÇAO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E FUNDACIONAL. ACESSIBILIDADE. CONCURSO PÚBLICO. A acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros, nos termos da Lei e mediante concurso público é princípio constitucional explícito, desde 1934, art. 168. Embora cronicamente sofismado, mercê de expedientes destinados a iludir a regra, não só foi reafirmado pela Constituição, como ampliado, para alcançar os empregos públicos, art. 37, I e II. Pela vigente ordem constitucional, em regra, o acesso aos empregos públicos opera-se mediante concurso público, que pode não ser de igual conteúdo, mas há de ser público. As autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista estão sujeitas à regra, que envolve a administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Sociedade de economia mista destinada a explorar atividade econômica está igualmente sujeita a esse princípio, que não colide com o expresso no art. 173, §1º. Exceções ao princípio, se existem, estão na própria Constituição. Especificamente quanto à previsão constitucional da reserva de percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas com deficiência e a definição dos critérios de admissão (artigo 37, inciso VIII da Constituição da República) também contam com interpretação consolidada no Supremo Tribunal Federal (RE 227.299-1 MG, Relator Ministro Ilmar Galvão, de 14/junho/2000), indicando a necessidade de se estabelecer no âmbito da administração pública a reserva de cargos e empregos públicos, tendo como pressuposto o total de cargos e empregos públicos. Para as relações de trabalho interessam as autarquias, as sociedades de economia mista e as empresas públicas que exploram atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços. Orientam-se no artigo 173, parágrafo 1º da Constituição da República que lhes fixa os regimes civil, comercial, tributário e o regime jurídico de seu pessoal, não excepcionando a regra geral do artigo 37, inciso II, o que significa dizer estarem obrigadas ao concurso público e a todas as normas dele decorrentes. A formalização do contrato de trabalho por sua vez efetiva-se com a aplicação da legislação trabalhista, inclusive quanto ao conceito de empresa do artigo 14 para a incidência do percentual de reserva de cargos do artigo 93, ambos da Lei nº 8.213/1991, que define o Plano de Benefícios da Previdência Social. Conhecida como lei dos servidores públicos, na qual se apoiam a maioria das leis estaduais e municipais, a Lei nº 8.112/1990 disciplina somente parte do comando constitucional determinando que à pessoa com deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo, em igualdade de condições com os demais candidatos, para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência, sendo-lhe reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso (artigo 5º, parágrafo 2º). A Lei nº 8.112/1990 serve de exemplo para os Estados e Municípios, porém i) não fixou o percentual de reserva destinada às pessoas com deficiência sobre o número total dos cargos e empregos públicos existentes em cada órgão - a reserva real - de forma que em cada concurso público referida reserva pudesse ser preenchida e, com isso, no futuro vir a ser cumprida a discriminação positiva do artigo 37, inciso VIII da Constituição da República; ii) discrimina a pessoa com deficiência ao deixar ao alvedrio do administrador público indicar quais os cargos são compatíveis com a deficiência. Assim o mau exemplo da lei geral contribui para perpetuar a discriminação de pessoas. Embora os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detenham a atribuição legislativa para tratar da reserva de cargos e empregos em órgãos da administração pública direta e indireta e todos os procedimentos que afetam o concurso público visando a preencher as lacunas existentes na lei federal, eles próprios (os estados, municípios e distrito federal) discriminam as pessoas com deficiência quando da formulação de suas leis respectivas. A discriminação praticada pela Administração Pública tem dupla natureza: é direta porque a lei que prevê uma malversada reserva desatende aos comandos constitucionais, às convenções internacionais, às leis e aos regulamentos federais; é institucional e indireta, pois por meio de suas equivocadas previsões não permite o potencial acesso aos cargos usurpando os direitos das pessoas com deficiência. Porém, a maior ignomínia desse ato discriminatório praticado pelo Estado, e que se repete a cada concurso público, está no fato de que a proposta de lei seguiu os trâmites legislativos, ou seja, foi de iniciativa do próprio executivo (governador, prefeito), foi discutida e aprovada por representantes do povo que não se atentaram para o fato e, finalmente foi sancionada pelo executivo. O que se constata é que em todo o território nacional há leis estaduais e municipais discriminatórias em relação ao acesso ao concurso público por pessoas com deficiência que não preveem, ou preveem equivocadamente a reserva de cargos e empregos públicos; tem falta de regramentos, ou equivocados regramentos sobre concursos públicos e de acesso aos cargos e empregos públicos da Administração Pública Direta e Indireta no âmbito estadual, municipal ou distrital. Não obstante isso, o administrador público está adstrito ao comando de referidas leis estadual/municipal/distrital por estar obrigado a cumpri-las em decorrência do princípio da legalidade. Pois bem, mais uma vez é necessário reportar-se à CPDP que no Artigo 27, item 1, letra a, proíbe a discriminação baseada na deficiência, seguindo a orientação do princípio insculpido no Artigo 5º, item 2, com a garantia de igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. O princípio da não discriminação baseada na deficiência constante da CPDP adere ao comando constitucional já existente de proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência, do artigo 7º, inciso XXXI da Constituição da República. A lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência, Lei nº 13.146/2015 no artigo 4º pugna que nenhuma pessoa com deficiência sofrerá nenhuma espécie de discriminação porque tem igual direito à igualdade de oportunidades. CAPÍTULO XVII A NORMA MAIS FAVORÁVEL (Leis n° 7.853/1989 e 8.112/1990; Decretos n° 3.298/1999 e 5.296/2004) O princípio da não discriminação (Artigo 3, item b) e a definição de discriminação baseada na deficiência (Artigo 2) da CPDP, além da proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência (artigo 7º, inciso XXXI da Constituição da República) e o artigo 4º da Lei nº 13.146/2015, devem inspirar o administrador quando da formulação de leis que contenham regras destinadas à previsão de reserva de cargos e outros procedimentos relacionados ao concurso público. Os parâmetros das Leis nº 8.112/1990 e nº 7.853/1989 estão regulamentados pelo Decreto nº 3.298/1999, com as alterações da LBI, Lei 13.146/2015, e são atualmente as normas mais favoráveis e que melhor atendem o direito de acesso das pessoas com deficiência ao cargo e/ou emprego público em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. A maioria das regras existentes para os concursos públicos estavam no Decreto nº 3.298/1999, artigos 39 a 44, e foram revogados pelo Decreto nº 9.508/2018, cujos temas centrais estão abordados na parte correspondente ao CONCURSO PÚBLICO. Quando a composição de regras do edital de concurso público foge da concepção das normas gerais mais favoráveis e se baseia em leis estaduais, municipais ou distritais discriminatórias apresentam-se duas hipóteses para a tentativa de solução visando a preservar o direito das pessoas com deficiência ao acesso a cargos e empregos públicos: a via administrativa que permite a revisão do ato pelo administrador público; a via judicial em ações individuais ou coletivas, ou por meio de ação civil pública visando ao controle difuso da lei proposta pelo Ministério Público. SOLUÇÃO ADMINISTRATIVA A Administração Pública em toda sua atividade está adstrita aos comandos da lei, deles não se podendo afastar sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. É o que bem explicam Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 65) e o festejado mestre Hely Lopes Meirelles (2007, p. 87), respectivamente: Segundo o princípio da legalidade, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite; no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles (1989:78) e corresponde ao que já vinha explícito no art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: ‘a liberdade consiste em fazer tudo àquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei. A legalidade, como princípio de administração (Constituição da República, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Uma lei estadual, municipal ou distrital que contraria princípios e direito de acesso da pessoa com deficiência ao concurso público imprime sem dúvida um dilema ao administrador público em razão do princípio da legalidade. Porém, se é o princípio da legalidade a guiar o administrador público quando da elaboração do edital de concurso público é lógico afirmar que o conjunto da legislação federal e local deverão ser consideradas. Daí porque defender-se que o administrador público estadual, municipal ou distrital ao se deparar com normas de natureza discriminatória e/ou impeditivas de acesso aos cargos e empregos públicos tem o dever de rejeitá-las, respaldando-se no preceito constitucional e na norma federal que aborda o tema e/ou no princípio de aplicação da norma mais favorável. O argumento é válido baseado na própria concepção constitucional de divisão das atribuições entre as diferentes instâncias (municipal, estadual e federal) tratadas nos artigos 23, 24 e 30 da Constituição da República. Se a norma estadual, municipal ou distrital fere princípios constitucionais, administrativos e regras federais por óbvio não deverá aplicada. SOLUÇÃO JUDICIAL. APLICAÇÃO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL COM BASE NA TEORIA DO CONGLOBAMENTO A aplicação da norma mais favorável ao efetivo cumprimento da reserva de vagas em concurso público para pessoas com deficiência também se opera como solução do conflito no qual se deve analisar a eficácia de norma estadual, municipal ou distrital frente à norma federal mais benéfica. Não há controvérsia no âmbito da doutrina e da jurisprudência trabalhista quanto à aplicação do princípio da norma mais favorável na hipótese de existência de conflitos de normas. Os doutrinadores Plá Rodriguez (1994, p. 54), Amauri Mascaro Nascimento (2008, p.305-306) e Mauricio Godinho Delgado (2004, p.85), respectivamente, são unânimes nesse sentido: [...] a aplicação deste princípio provoca uma espécie de quebra lógica no problema da hierarquia das fontes, que altera a ordem resultante do modelo, no qual as fontes se harmonizam em razão da importância do órgão de que provêm (Plá Rodriguez). De um modo geral, é possível dizer que, ao contrário do direito comum, em nosso direito, a pirâmide que entre as normas se forma terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei federal ou as convenções coletivas de modo imutável. O vértice da pirâmide da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor (Nascimento). [...] informa esse princípio que, no processo de aplicação e interpretação do Direito, o operador jurídico situado perante um quadro de conflito de regras ou de interpretações consistentes a seu respeito deverá escolher aquela mais favorável ao trabalhador, a que melhor realize o sentido teleológico essencial do Direito do Trabalho (Delgado). A aplicação da norma mais favorável em relação à pessoa com deficiência efetiva o comando do artigo 7º, inciso XXXI da Constituição de República que proíbe qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. Some-se a isso a proibição de não discriminação baseada na deficiência do Artigo 27, item 1, letra a da CDPC, em questões relacionadas com os critérios adotados desde a contratação (inclusive a decorrente de concurso público) até a ascensão profissional, o que está também ordinariamente previsto na Lei nº 13.146/2015, artigo 34, parágrafo 3º: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 34, § 3º É vedada restrição ao trabalho da pessoa com deficiência e qualquer discriminação em razão de sua condição, inclusive nas etapas de recrutamento, seleção, contratação, admissão, exames admissional e periódico, permanência no emprego, ascensão profissional e reabilitação profissional, bem como exigência de aptidão plena. Tais fundamentos, lastreados em comandos constitucionais, bastam para a aplicação da norma mais favorável uma vez identificado o conjunto normativo mais benéfico com base na teoria do conglobamento. A teoria do conglobamento que tem sua origem no direito italiano é um método inteligente de interpretação e é utilizado quando da existência de conflito entre normas a serem aplicadas ao contrato de trabalho, situação em que tais normas não se fracionam. Dentro do mesmo universo temático cada preceito normativo é apreendido integralmente e, da análise o operador extrai o conjunto normativo mais favorável que solucionará o conflito não para uma só pessoa ou um só trabalhador, mas sim para um grupo de pessoas ou uma categoria profissional, proporcionando o equilíbrio social desejado. É o que escreve Delgado (2010, p. 185): O encontro da regra mais favorável não se pode fazer mediante uma separação tópica e casuística de regras, acumulando-se preceitos favoráveis ao empregado e praticamente criando-se ordens jurídicas próprias e provisórias em face de cada caso concreto – como resulta do enfoque proposto pela teoria da acumulação. Ao contrário, o operador jurídico deve buscar a regra mais favorável enfocando globalmente o conjunto de regras componentes do sistema, discriminando, no máximo, os preceitos em função da matéria, de modo a não perder, ao longo desse processo, o caráter sistemático da ordem jurídica e os sentidos lógico e teleológico básicos que sempre devem informar o fenômeno do Direito (teoria do conglobamento). Além das razões objetiva e cientifica para a adoção do método baseado na teoria do conglobamento conforme indicado pela doutrina, o fato é que no âmbito do direito do trabalho há muito se adota o princípio da norma mais favorável baseado no referido método. Trata-se da Lei nº 7.064, de 1982, que disciplina a situação de empregados brasileiros contratados ou transferidos para prestarem serviços no exterior. O artigo 3º, inciso II, determina a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria. Também no âmbito do direito coletivo do trabalho a aplicação do princípio (norma mais favorável) e do método (teoria do conglobamento) está presente no artigo 620 da CLT, que dispõe sobre a prevalência das condições estabelecidas em convenção coletiva quando mais favoráveis àquelas previstas em acordo coletivo. A jurisprudência não foge à regra e está consolidada da mesma forma ao afirmar a teoria do conglobamento para a solução de controvérsias: Tribunal Superior do Trabalho. E-RR - 70940-09.2002.5.21.0002, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Diário da Justiça de 26/outubro/2007, Acesso http://www.jus.br em 31/8/2012. EMBARGOS INTERPOSTOS ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. REAJUSTE SALARIAL E ABONO. PREVALÊNCIA DO ACORDO COLETIVO – ADOÇÃO DA TEORIA DO CONGLOBAMENTO. [...] Os Reclamantes, inativos, pleitearam o pagamento do reajuste salarial e o abono único fixados na Convenção Coletiva firmada entre a Federação Nacional dos Bancos - FENABAN e os sindicatos dos bancários, com base no Regulamento de Pessoal do Banco, que assegurou aos jubilados o mesmo reajustamento salarial concedido aos empregados, em atividade. O Banco negou o reajuste vindicado pelos Autores, com fundamento no Acordo Coletivo firmado entre o Reclamado e seus empregados, estabelecendo garantia de emprego em detrimento do aludido reajuste salarial e abono único fixados na convenção coletiva. O acórdão embargado rejeitou o pedido dos Autores, sob o fundamento de que os empregados, em atividade, não tiveram reajuste salarial, não se justificando o que pretendido, sobre a complementação de aposentadoria. Concluiu que não ocorreu ofensa ao artigo 620 da CLT, restando prejudicada a postulação de aplicação da norma mais favorável, tendo em vista a teoria do conglobamento. Um dos princípios do Direito do Trabalho é o da aplicação da norma mais favorável ao empregado. No entanto, deve ser compreendido de forma sistemática, ou seja, considerando-se o contexto em que inserida a norma. Da mesma forma que as instâncias ordinárias, a jurisprudência desta Corte firma-se no sentido de que o artigo 620 da CLT revela a teoria do conglobamento, pela qual as normas são consideradas e interpretadas em conjunto, e não da forma isolada, pretendida pelo Recorrente. No mesmo sentido, cito os seguintes precedentes: COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - REAJUSTE SALARIAL E ABONO PREVISTOS EM CONVENÇÃO COLETIVA NÃO PREVALÊNCIA SOBRE DISPOSIÇÃO DE ACORDO COLETIVO TEORIA DO CONGLOBAMENTO EXEGESE DO ART. 620 DA CLT. 1. O art. 620 da CLT fala em prevalência das condições estabelecidas em convenção coletiva, quando mais favoráveis àquelas previstas em acordo coletivo. O uso do plural leva ineludivelmente à conclusão de que o legislador não se afastou da teoria do conglobamento, segundo a qual cada instrumento normativo deve ser considerado no seu todo e não cláusula a cláusula, isoladamente. 2. O fundamento racional da teoria (as boas razões de Norberto Bobbio para a positivação do Direito) está no fato de que as condições de trabalho estatuídas em instrumento normativo são objeto de negociação global, na qual determinada vantagem é concedida pela empresa ou sindicato patronal como compensação pela não inclusão de outra, de tal forma que o conjunto das condições de trabalho e remuneração passa a ser aceitável por ambas as partes. 3. Pinçar isoladamente, de instrumentos normativos diversos, as cláusulas mais benéficas para o empregado ou reputar inválidas cláusulas flexibilizadoras de direitos concernentes à remuneração ou jornada (passíveis de flexibilização, na esteira do art. 7º, VI, XIII e XIV, da CF), olvidando que a cláusula vantajosa ou desvantajosa para o empregado somente é instituída em face de compensação com outras vantagens ou desvantagens, seria quebrar o equilíbrio negocial, desestimulando a concessão de vantagens alternativas, desconsideradas em face do que se consubstanciaria em superlativo protecionismo por parte do Estado-Juiz (destaquei – TST-RR-1.015/2002-003-06-00.1, rel. Minº Ives Gandra Martins Filho, publicado no DJ de 11/11/2005). CONVENÇÃO COLETIVA E A NÃO PREVALÊNCIA SOBRE CLÁUSULA CONSTANTE EM ACORDO COLETIVO - EXEGESE DO ART. 620 DA CLT. Pretende o Reclamante, na inicial, o reajuste de 5,5% da complementação de aposentadoria e o pagamento de abono único previstos na Convenção Coletiva de Trabalho de 2001/2002, celebrada entre a FENABAN e os sindicatos bancários. O cerne da discussão é a prevalência da Convenção Coletiva sobre o Acordo Coletivo celebrado. No caso em tela, a teoria do conglobamento impede a aplicação do comando inserido no art. 620 da CLT, pois o Acordo Coletivo, dada a sua especificidade à peculiar situação dos empregados do BANESPA (período de transição pós-privatização), tornou-se mais benéfico aos referidos empregados que a Convenção Coletiva na qual se respaldam as pretensões do Autor. Ainda sob o prisma da teoria do conglobamento vale observar que o Reclamante não requer a aplicação integral da Convenção Coletiva em detrimento do Acordo Coletivo. Limita seu pedido a cláusulas específicas pinçadas na Convenção Coletiva de Trabalho. Recurso de Revista conhecido e não provido (TST-RR-1.013/2002-074-15-00.0, Rel. Minº José Simpliciano Fernandes, 2ª Turma, in DJ de 15/04/05). Têm-se, ainda, os seguintes julgados: TST-RR-357/2002-085-15-00.6, Rel. Minº Ives Gandra Martins Filho, 4ª Turma, in DJ de 22/10/04; TST-RR-1.287/2003-038-03-00.2, Rel. Minº Ives Gandra Martins Filho, 4ª Turma, in DJ de 04/03/05; TST-RR-1.009/2002-074-15-00.2, Rel. Minº José Simpliciano Fernandes, 2ª Turma, in DJ de 08/04/05; TST-RR-108/2002-002-20-00.6, Rel. Minº Vantuil Abdala, 3ª Turma, in de 15/10/04. Pelo exposto, nego provimento aos Embargos. Assim de acordo com a teoria do conglobamento adotada pelo legislador, seguida pela doutrina e consolidada na jurisprudência, sempre se aplica a norma mais favorável aos trabalhadores, devendo ser afastada a incidência de norma que em seu conjunto é menos benéfica. Quanto ao concurso público a norma (Leis nº 7.853/1989 e 8.112/1990) e o regulamento (Decreto nº 3.298/1999) federais ainda são os mais avançados e permitem, se devidamente interpretados e aplicados, o acesso da pessoa com deficiência a cargos e empregos públicos sem discriminação por motivo da deficiência. O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS ESTADUAL E MUNICIPAL Sempre que a norma estadual, municipal ou distrital, concernente à reserva de vagas em concurso público é desfavorável, adota-se a regra que prevê em seu conjunto melhores condições de acesso de pessoas com de deficiência. As normas em questão e que servem de parâmetro são a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD); a lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência (estatuto da pessoa com deficiência), Lei nº 13.146/2015, que traça inovações referentes à acessibilidade e adota ordinariamente todos os fundamentos da CDPD; a Lei nº 7.853/1989 e o Decreto que a regulamentou nº 3.298/1999, seguido das alterações do Decreto nº 5.296/2004, posto que contêm os principais elementos e os mecanismos necessários a permitir o cumprimento efetivo do comando constitucional de reserva de vagas para pessoas com deficiência em concursos públicos. Verificada a existência de discriminação de pessoas com deficiência baseada em regras erigidas em edital de concurso público que decorrem de normas estadual, municipal ou distrital em desacordo com as normas federais, cabe ao Ministério Público perquirir e buscar a adequada solução. Se as tentativas de solução por ajustamento não lograrem êxito, a via judicial a ser seguida é a indicada por meio do controle da constitucionalidade da lei. Observada a atribuição específica, o controle por meio da ação direta de inconstitucionalidade de lei previsto no artigo 103, da Constituição de República, tem como objeto principal e único a declaração de inconstitucionalidade com força de coisa julgada material e com eficácia erga omnes: Supremo Tribunal Federal. Adi n° 1.230-4 DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, publicado no Diário da Justiça de 6/setembro/2001 AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DISTRITO FEDERAL. LEI Nº783, DE 26.10.94, ARTIGOS 9º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO E 10. Dispositivos legais que resultaram em ofensa ao princípio da indispensabilidade do concurso público, consagrado no artigo 37, II, da Constituição Federal. Procedência da ação. De outra parte está o controle difuso da constitucionalidade da lei inquinada por meio da ação civil pública visando a impedir, com a declaração incidenter tantum, a aplicação do ato estadual ou municipal inconstitucional. Nessa fórmula difusa de controle o pedido de não aplicação da lei inconstitucional é simples prejudicial da postulação principal e conterá também o pedido de adaptação do edital de concurso pública às regras gerais da legislação mais benéfica. A viabilidade da ação e legitimidade do Ministério Público é incontestável conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a declaração incidental na ação civil pública: Supremo Tribunal Federal. Rcl 1.733-SP – Medida Liminar, Relator Ministro Celso de Melo, Publicado no Diário da Justiça de 1/Dezembro/2000 AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO PREJUDICIAL. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA. DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STF. O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina. Stf – 2ª Turma, Re 227159/GO, Relator Ministro Néri da Silveira, Publicado no Diário da Justiça de 17/Maio/2002 Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. 2. Acórdão que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que “nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local”. 4. Reconhecida a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério Público. Em relação à proteção dos direitos e garantias das pessoas com deficiência, a legitimidade do Ministério Público do Trabalho é incontestável segundo os fundamentos gerais que regem a ação (artigos 127 e 129, inciso I da Constituição da República; artigo 83, inciso III da Lei Complementar nº 75/1993; artigo 5º, inciso I da Lei nº 7.347/1985) e, notavelmente o artigo 3º da Lei nº 7.853/1989 com a nova redação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência: Lei n° 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência Art. 3º As medidas judiciais destinadas à proteção de interesses coletivos, difusos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis das pessoas com deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos Estados, pelos Municípios, pelo Distrito Federal, por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, por autarquia, por empresa pública e por fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção dos interesses e promoção de direitos das pessoas com deficiência. CONTROLE DIFUSO DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI: CASOS COHAB/SP, USP/SP E CESP/SP O controle difuso da constitucionalidade de leis estaduais e municipais vem ocorrendo no âmbito do Tribunal do Trabalho da 2º Região, São Paulo, que reconhece a legitimidade do Ministério Público do Trabalho e provê as ações civis públicas ajuizadas com a finalidade compelir a Administração Pública Estadual e Municipal a adaptar os futuros editais de concursos públicos para admissão de seus empregados à legislação federal prevista na Lei nº 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99, no sentido de: definir o percentual de vagas destinadas para a reserva; caracterizar, conceituar ou definir a pessoa com deficiência; aplicar o percentual de reserva de vagas nos casos em que resultar número fracionado; constituição da equipe multiprofissional e as regras para o cumprimento do estágio probatório e prever a adaptação das provas do concurso público. 1º Caso. O pedido do Ministério Público do Trabalho em São Paulo de aplicação de norma mais favorável em ação civil pública foi ajuizado em face da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP. A Lei Municipal nº 13.398/2002, na qual se baseou o administrador público para elaborar e publicar o edital público de concurso público prevê o arredondamento do percentual da reserva de vagas para pessoas com deficiência somente se a fração obtida for superior a 0,5, contrariamente ao disposto no artigo 37, parágrafo 2º, do Decreto nº 3.298/1999 que determina o arredondamento sob qualquer resultado e, submete o candidato com deficiência à prévia avaliação médica para a aferição da compatibilidade da deficiência com o cargo almejado, sem observar o comando de avaliação das habilidades da pessoa com deficiência por equipe multiprofissional no curso do estágio probatório, conforme os termos dos artigos 43 e 44, do Decreto nº 3.298/1999: Ação Civil Pública. Ministério Público do Trabalho e Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP. Procuradoras do Trabalho Adelia Augusto Domingues e Denise Lapolla de Paula Aguiar Andrade. Processo nº 01474-2006, 6ª VT/SP I – seja declarada incidentalmente, no bojo desta ação civil pública, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.398/2002 que rege os editais de concurso da Ré; II – seja a Ré condenada a adequar todos os futuros editais de concursos que promover à legislação federal mais benéfica, qual seja a Lei 7.853/89, regulamentada pelo Decreto 3.298/99, alterado pelo Decreto 5.296/04, assegurando-se que todas as normas de proteção ali previstas sejam inseridas nos editais, conforme determinado pelo art. 39 do Decreto 3298/99. A 6ª Vara Federal do Trabalho de São Paulo decidiu o pedido formulado pelo MPT: 6ª Vara Federal do Trabalho de São Paulo. Processo nº 01474-2006, publicado em 27/julho/2007. Juíza do Trabalho Luciana Cuti de Amorim julgar PROCEDENTE O PEDIDO do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, a fim declarar, de forma incidental, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.398/2002, bem como a condenar a ré CIA METROPOLITANA DE HABITAÇÃO DE SÃO PAULO COHAB a adequar todos os futuros editais de concursos que promover à legislação federal mais benéfica, qual seja, Lei nº 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº 3298/99, alterado pelo Decreto 5296/04, assegurando-se que todas as normas de proteção ali previstas sejam inseridas nos editais, conforme determinado pelo art. 39 do Decreto 3298/99. A sentença foi confirmada em sede de recurso ordinário com o reconhecimento da legitimidade do MPT e a adaptação das regras do concurso público, conforme a legislação federal mais favorável, no caso a Lei nº 7.853/1989 e o Decreto nº 3.298/1999, quanto à definição da deficiência e a forma de aplicação do percentual da reserva, nos seguintes termos: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região/SP. RO/TRT/SP/01474.2006.006.02.00-0, 6ª VT/SP, Ac. 20090212317, de 25/3/2009, Recorrente Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB/SP, Recorrido Ministério Público do Trabalho – PRT, Juiz Relator Américo Carnevalle. www.trtsp.jus.br, Acesso em 31/8/2012 Diante do dispositivo legal supracitado, não resta dúvida de que o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade e interesse para o ajuizamento de ação civil pública, visando à defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos, especialmente aqueles assegurados especificamente aos trabalhadores no art. 7º itens I a XXXIV e respectivo parágrafo único, da C.F., e explicitados na legislação infraconstitucional, mas de cunho coletivo, e que a Justiça do Trabalho é competente para instruir e julgar essa espécie de ação civil pública. Na hipótese dos autos, a pretensão do autor tem por finalidade compelir a ré a adequar todos os futuros editais de concursos públicos para admissão de empregados que promover, à legislação federal, Lei nº 7.853/89, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99, para fins de definição dos portadores de deficiência, e da forma de aplicação do percentual de reserva de vagas, para os portadores de deficiência, nos casos em que resultar número fracionado, e para tanto, que seja reconhecida incidentalmente a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.398/2002, que vem sendo utilizada pela ré para reger os editais de concurso. Constata-se, pois, na espécie, que a ação tem por finalidade a defesa de interesses coletivos, com vistas ao cumprimento de direitos sociais por parte da ré, em conformidade com normas federais, que dispõem sobre direitos sociais, destinados a proteção dos portadores de deficiência, e que a questão referente à declaração de inconstitucionalidade da lei municipal é alegada e consequentemente apreciada incidentalmente. Assim, na hipótese dos autos não há óbice para a apreciação incidental da inconstitucionalidade da lei municipal em questão nesta ação civil pública, porque tem por finalidade a defesa de uma coletividade de trabalhadores portadores de deficiência, porém somente perante a ré, que embora se trate de empresa pública, é pessoa jurídica de direito privado, se sujeitando ao regime jurídico próprio das empresas privadas, conforme disposto no art. 173 da C.F. Dessa forma, a sentença declarando incidentalmente a inconstitucionalidade da referida lei, uma vez transitada em julgado, produzirá efeitos para determinada situação concreta, e somente em relação à ré, continuando, pois, a lei em vigor para terceiros, que não participaram da relação jurídica processual, de modo que seus efeitos, embora beneficiem toda a coletividade de portadores de deficiência, porém somente em relação a ré, e não em relação a outros entes públicos ou privados. A par disso, a ação não foi ajuizada em face da pessoa jurídica de direito público que editou a lei, que no caso é o Município de São Paulo, para se concluir como sustentado pela recorrente, que estaria sendo feito pedido de declaração de inconstitucionalidade in abstrato, com efeito, erga omnes, mascarado de declaração incidental, para se reconhecer a competência do Supremo Tribunal Federal, para conhecimento da ação, e, em consequência, se reconhecer a ilegitimidade do autor e a incompetência da Justiça do Trabalho. Para espancar qualquer dúvida a respeito, a Lei nº 7.853 de 24.10.89, supra referida, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, que o Autor postula seja aplicada a espécie, no seu artigo 3º, contém expressa previsão quanto à propositura de ação civil pública, destinada a proteção de interesses coletivos ou difusos das pessoas portadoras de deficiência. Assim sendo, é de se reconhecer a adequação da presente Ação Civil Pública para o que se postula, e a competência da Justiça do Trabalho, bem como a legitimidade e interesse do autor, posto não se tratar de matéria afeta a ensejar a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 103 da C.F., e, portanto, é também desnecessário o chamamento ao processo do Município de São Paulo, editor da lei municipal em questão, não se vislumbrando, pois, a inexistência de nulidade. 2º Caso. No mesmo sentido é a decisão no processo RO/TRT/SP/01037.2007.051.02.00-1, em sede de recurso ordinário em ação civil pública, da 51ª Vara Federal do Trabalho, tendo como recorrente a Universidade de São Paulo (USP) e recorrido o Ministério Público do Trabalho. A lei complementar estadual na qual se baseava a USP para a elaboração de seus editais de concurso público relativamente à reserva de vagas para pessoas com deficiência, contrapunha-se à regra geral mais favorável e com condições efetivas de acesso da pessoa com deficiência aos cargos, ou seja, o Decreto nº 3.298/99 que regulamenta a Lei nº 7.853/1989. O quadro permite melhor comparar as previsões em discussão: Lei Complementar Estadual nº 683/1992 Lei nº 8.112/1990 Art. 1º O provimento de cargos e empregos públicos, nos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, obedecido o princípio do concurso público de provas ou de provas e títulos, far-se-á com reserva do percentual de até 5% (cinco por cento) para pessoas portadoras de deficiências. Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público: §2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso. §3º As frações decorrentes do cálculo do percentual de que trata esse artigo só serão arredondadas para o número inteiro subsequente quando maiores ou igual a cinco. Decreto n° 3.298/1999, regulamento da Lei n° 7.853/1989 Art. 37 §1º O candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de cinco por cento em face da classificação obtida. §2º Caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente. Art. 3º No prazo de 5 (cinco) dias contados da publicação das listas de classificação, os portadores de deficiência aprovados deverão submeter-se à perícia médica, para verificação da compatibilidade de sua deficiência como exercício das atribuições do cargo ou emprego. §2º Quando a perícia concluir pela inaptidão do candidato, constituir-se-á, no prazo de cinco dias, junta médica para nova inspeção, da qual poderá participar profissional indicado pelo interessado. §5º Não caberá qualquer recurso da decisão proferida pela junta médica. Art. 43 O órgão responsável pela realização do concurso terá a assistência de equipe multiprofissional composta de três profissionais capacitados e atuantes nas áreas das deficiências em questão, sendo um deles médico, e três profissionais integrantes da carreira almejada pelo candidato. §1º A equipe multiprofissional emitirá parecer observando: I - as informações prestadas pelo candidato no ato da inscrição; II - a natureza das atribuições e tarefas essenciais do cargo ou da função a desempenhar; III - a viabilidade das condições de acessibilidade e as adequações do ambiente de trabalho na execução das tarefas; IV - a possibilidade de uso, pelo candidato, de equipamentos ou outros meios que habitualmente utilize; e V - a CID e outros padrões reconhecidos nacional e internacionalmente. §2º A equipe multiprofissional avaliará a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato durante o estágio probatório. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região/SP manteve a sentença de primeiro grau, adotou o princípio da norma mais favorável e confirmou a aplicação da regra geral disposta na lei federal: Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região/SP. RO/TRT/SP/01037.2007.051.02.00-1, 51ª V, Recorrente Universidade de São Paulo, Recorrido Ministério Público do Trabalho, Juíza Relatora Maria José Bighetti Ordoño Rebello. www.trtsp.jus.br Acesso em 31/8/2012 A Constituição Federal de 1988 outorgou à União Federal, aos Estados e ao Distrito Federal a competência concorrente para legislar sobre a proteção e integração das pessoas portadoras de deficiência física. No exercício da competência concorrente, cabe à União Federal editar normas de cunho geral, e aos Estados e Distrito Federal, cabe editar normas específicas sobre a matéria. No particular, pretende a recorrente, que o percentual mínimo definido pelo Decreto 3.298/99, alterado pelo Decreto 5.296/04 não seja aplicado nos seus editais de seleção, uma vez há legislação estadual específica, com outra forma de cálculo de reserva de vaga. Entretanto as normas contidas no referido Decreto são apenas a regulamentação da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, que define o percentual mínimo de reserva de vagas em concursos públicos. Vale lembrar ainda que é competência privativa da União, prevista no artigo 22, I, da Constituição Federal legislar sobre Direito do Trabalho. Por fim, os princípios do Direito do Trabalho, mais especificamente o princípio da norma mais favorável e o princípio protetor, orientam no sentido de manter válido o quanto disposto pela União, uma vez que mais benéficos ao concursando, ou seja, àquele que visa à obtenção de um trabalho na administração pública. Sendo assim, sob qualquer ângulo que se examine a questão, não há como dar guarida às razões da recorrente, mantendo assim, irretocável a sentença de piso. Mantenho. 3º Caso. Com o escopo de fazer aplicar as regras mais favoráveis constantes no Decreto nº 3.298/1999 foi também ajuizada ação civil pública com pedido de declaração incidenter tantum de inconstitucionalidade da Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 683/1992, em relação à empresa São Paulo Transporte S/A – SPTRANS. O edital de concurso público baseado na lei referida foi alterado para atender às regras do Decreto nº 3.298/1999, dentre elas a de adaptar o conceito de pessoa com deficiência, aplicar o percentual de fração do cálculo da reserva para o primeiro numero inteiro, estabelecer a equipe multiprofissional que aferirá o candidato com deficiência no curso (do estágio probatório) do contrato de experiência, excluindo definitivamente a prévia e equivocada concepção de pessoa com deficiência e compatibilidade de funções. A ação resultou em acordo judicial homologado nos seguintes termos: 74ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP PROCESSO: 02586-2007-074-02-00-7 AUTOR Ministério Público do Trabalho RÉU São Paulo Transporte S/A (SPTRANS) Em 12 de março de 2008, na sala de audiências da MM. 74ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP, sob a presidência da Exma. Juíza Lucy Guidolin Brisolla Neves, realizou-se audiência relativa ao processo identificado em epígrafe. Às 09h23min, aberta a audiência, foram, de ordem da Exma. Juíza do Trabalho, apregoadas as partes. Compareceram os procuradores, Srs. Adelia Augusto Domingues e Daniel Augusto Gaiotto. Presente a preposta do réu, Sra. Vera Lucia Wiezel Ban, acompanhada da advogada, Dra. Marluce Maria de Paula, OAB nº 187877 /SP, que junta, neste ato, carta de preposição, procuração, estatuto constitutivo e ata da assembleia geral. CONCILIADOS A ré compromete-se a cumprir os temos seguintes: 1. Relativamente ao concurso/processo seletivo previsto no edital nº 1/2007, que prevê o preenchimento de vagas para motorista, médico, auditor, agente de informação e auxiliar administrativo 1, em andamento, a Ré apresentou documentação demonstrando que, a par de os editais não terem obedecido às regras do Decreto 3298/99, não ocorreu prejuízo à coletividade de pessoas com deficiência, já que as inscrições indeferidas decorreram da falta de apresentação de documentação (laudo médico) necessária para a participação do certame como pessoa com deficiência. Ainda, as pessoas com deficiência que participaram da primeira fase foram reprovadas, com exceção de três, que se encontram aguardando o desfecho do concurso para serem contratados, nas funções de médico e motorista; 2. Com relação ao concurso público/processo seletivo público, também em andamento, relativo ao edital nº 02/07, com a finalidade de preenchimento de vagas de agente de fiscalização, agente de monitoramento e auxiliar de inspeção veicular, a ré compromete-se a observar os termos do Decreto 3.298/99 com relação à verificação da compatibilidade entre a deficiência e a função a ser exercida, ou seja, deverá a compatibilidade entre a deficiência e a função a ser exercida ser verificada durante o prazo de experiência pela equipe multiprofissional competente, nos termos do art. 43, § 2º do Decreto nº 3.298/99. 2.1. Relativamente aos candidatos reprovados no exame médico específico realizado em 07 de março passado, a Ré compromete-se a, na hipótese de apresentação de recurso administrativo, submeter os recorrentes a novo exame médico específico para comprovação da deficiência nos termos do Decreto 3298/99. 3. Com relação aos concursos públicos/processos seletivos públicos futuros, a Ré assume as seguintes obrigações: a. compromete-se a fazer constar em todo edital de concurso os requisitos mínimos previstos nos incisos I a IV, artigo 39 do Decreto 3.298/99; b. compromete-se a prever expressamente no edital o conceito de pessoa portadora de deficiência para efeito de concorrer às vagas reservadas, adotando-se como parâmetro as definições do artigo 4º, incisos I a V, do Decreto 3.298/99, com as modificações do D. 5296/2004; c. compromete-se a prever expressamente no edital que, se o resultado da aplicação do percentual for fração de número inteiro, o número de vagas reservados para portadores de deficiência deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subsequente, ainda que seja apenas um; d. compromete-se a observar o disposto no artigo 43 do Decreto 3.298/99, ou seja, o órgão responsável pela realização do concurso/processo seletivo público terá a assistência de equipe multiprofissional, com as atribuições previstas no dispositivo mencionado; e. compromete-se a prever expressamente no edital de concurso/processo seletivo público que a compatibilidade entre as atribuições do cargo e a deficiência do candidato será avaliada durante o contrato de experiência/estágio probatório, pela citada equipe multiprofissional, na forma do disposto no parágrafo 2º, do artigo 43, do Decreto 3.298/99; f. compromete-se a observar que o percentual de vagas reservadas deve ser distribuído em todas as carreiras, cujos empregos serão preenchidos mediante concurso público/processo seletivo público, sem exceção de qualquer cargo a ser disponibilizado; g. compromete-se a observar que a publicação do resultado final do concurso/processo seletivo público deverá ser feita em duas listas, contendo a primeira, a pontuação de todos os candidatos, inclusive a dos portadores de deficiência, e a segunda, somente a pontuação destes últimos, conforme disciplina o artigo 42 do Decreto 3.298/99. h. compromete-se a observar no momento da contratação, que devem ser chamados sequencial e alternadamente os candidatos das duas listas. A contratação deverá iniciar-se com o primeiro candidato da lista geral, passando-se ao primeiro da lista especial e assim sucessivamente, seja qual for o número de chamados, aplicando-se sempre a regra do artigo 37, parágrafo 2º, do Decreto 3.298/99. Os candidatos da lista especial serão chamados até esgotar-se o percentual da reserva legal, quando então as vagas serão destinadas apenas aos candidatos da lista geral. Caso o concurso seja destinado a apenas uma vaga, esta deve ser preenchida pelo candidato que consta em primeiro lugar na lista geral. O candidato portador de deficiência aprovado e cuja classificação permita que seja chamado na primeira convocação, mesmo sem a reserva, não deve ser computado para a reserva a ser cumprida naquele concurso, passando-se ao próximo candidato aprovado da lista especial. i. compromete-se a criar a equipe multiprofissional, de que trata o artigo 43 do Decreto 3.298/99. À Comissão não deve ser atribuída à declaração de incompatibilidade entre as atribuições do cargo ou emprego público e as deficiências do candidato. A compatibilidade deve ser analisada durante o contrato de experiência. A Comissão deverá apenas declarar as adaptações e instrumentos necessários (ledores, recursos de informática, adaptação arquitetônica, noções de língua de sinais, entre outros), para que o servidor/empregado portador de deficiência possa bem desempenhar suas funções. j. compromete-se a observar que todas as provas devem ter conteúdo que priorize as funções que efetivamente serão desempenhadas. Assim, em concursos/processos seletivos públicos que exijam testes físicos, estes devem ser realizados com as adaptações possíveis que não descaracterizem o conteúdo das provas, permitindo-se a qualquer pessoa o direito de inscrever-se e participar do exame de seleção; k. compromete-se a garantir à pessoa portadora de deficiência, durante o contrato de experiência para o desempenho de suas atividades, apoios técnicos de que trata o artigo 19, inciso VIII, do Decreto 3.298/99, ainda que esse apoio exija o auxílio de outro servidor/empregado, como, no caso do ledor para o servidor com deficiência visual. l. compromete-se a observar após o preenchimento das vagas contidas no edital, a reserva de vagas para as pessoas portadoras de deficiência, em caso de surgimento de novas vagas no decorrer do prazo de validade do concurso/processo seletivo público; m. compromete-se a observar que o concurso público/processo seletivo público só poderá ser homologado após a solução de quaisquer incidentes relativos aos candidatos portadores de deficiência. 4. A Ré comprovará o cumprimento das obrigações perante o Ministério Público do Trabalho, nos autos do Procedimento Preparatório 6939/2004, juntando os três primeiros editais de concurso a ser realizado a partir desta data. 5. O Ministério Público compromete-se a comunicar nos autos da Ação civil Pública eventual descumprimento do acordo. Homologo o acordo. Fixo multa diária pelo descumprimento da obrigação assumida de R$ 500,00. Custas pelo reclamante, calculadas sobre o valor do acordo, R$ 10.000,00, no importe de R$ 200,00. A ré deverá recolher em até 10 dias, sob pena de execução. Arquivem-se. Audiência encerrada às 9h47. Cientes. Nada mais. Lucy Guidolin Brisolla Neves, Juíza do Trabalho. Em conclusão, afirma-se que a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de dimensão e natureza constitucional é um novo paradigma internacional que coloca a pessoa com deficiência como centro da norma e na condição de titular de uma situação jurídica definida. Define a natureza das deficiências e outros elementos importantes para as relações de emprego e trabalho e se fundamenta no princípio da não discriminação baseada na deficiência. Deve ser respeitada na sua integralidade porque está incorporada ao sistema jurídico nacional com status de norma constitucional. Da constatação de que em todo o território nacional há leis estaduais e municipais discriminatórias em relação às pessoas com deficiência que não preveem, ou preveem equivocadamente a reserva de cargos e empregos públicos; têm poucas regras, falta de regras, ou equivocadas regras de concursos públicos e de acesso aos cargos e empregos públicos da Administração Pública Direta e Indireta no âmbito estadual e municipal, é fundamental agir para reverter o funesto quadro procedendo ao controle difuso da constitucionalidade de leis estaduais e municipais por meio de ação civil pública, com a declaração incidenter tantum de não aplicação do ato estadual ou municipal inconstitucional, cuja legitimidade é do Ministério Público do Trabalho. O pedido de aplicação da norma federal mais favorável, prevista na Lei nº 7.853/1989, regulamentada pelo Decreto nº 3.298/99, com as alterações do Decreto nº 5.296/2004, poderá ser no sentido de definir o percentual de vagas destinadas para a reserva; caracterizar, conceituar ou definir a pessoa com deficiência; aplicar o percentual de reserva de vagas nos casos em que resultar número fracionado; prever a equipe multiprofissional e as regras para o cumprimento do estágio probatório e, outros que eventualmente se choquem com a regra geral. Às pessoas com deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo e empregos públicos em igualdade de condições com os demais candidatos. Para tanto, as regras do concurso público devem ser claras, baseadas em leis não discriminatórias, tendo por base a lei federal mais favorável (Lei nº 7.853/1989 e Decretos nº 3.298/1999 e 5.296/2004), sobretudo no que diz respeito ao comando constitucional da definição do percentual da reserva de vagas; da definição de pessoa com deficiência; da descrição de tarefas do cargo; da constituição de equipe multiprofissional e adaptação das provas do concurso público. O administrador público estadual, municipal ou distrital ao se deparar com normas de natureza discriminatória e/ou impeditivas de acesso de pessoas com deficiência aos cargos e empregos públicos tem o dever de rejeitá-las, respaldando-se no preceito constitucional (artigo 7º, inciso XXXI da Constituição da República; Artigo 27, item 1, letra a da CDPD) e na norma federal (Lei nº 7.853/1989 e Decretos nº 3.298/1999 e 5.296/2004) que abordam o tema e, no princípio de aplicação da norma mais favorável. 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DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES MENTAIS (Resolução n° 2856, de 20/dezembro/1971, ONU) A Assembleia Geral, Consciente do compromisso assumido pelos Estados Membros, na Carta das Nações Unidas, de agir em conjunto ou separadamente, em cooperação com a Organização, com vista a promover a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento económico e social, Reafirmando a sua fé nos direitos humanos e liberdades fundamentais e nos princípios da paz, da dignidade e valor da pessoa humana e da justiça social, proclamados na Carta, Recordando os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos e da Declaração dos Direitos da Criança, bem como as normas já estabelecidas em prol do progresso social nas constituições, convenções, recomendações e resoluções da Organização Internacional do Trabalho, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, da Organização Mundial de Saúde, do Fundo das Nações Unidas para a Infância e de outras organizações competentes, Sublinhando que a Declaração sobre Progresso e Desenvolvimento Social proclamou a necessidade de proteger os direitos e de garantir o bem-estar e a reabilitação das pessoas em situação de desvantagem física ou mental, Tendo presente a necessidade de ajudar as pessoas com deficiência mental a desenvolver as suas potencialidades nas mais variadas áreas de atividade e de promover a sua integração, tanto quanto possível, na vida normal, Consciente de que certos países, na sua atual fase de desenvolvimento, apenas podem desenvolver esforços limitados neste sentido, Proclama a presente Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais e apela à ação nacional e internacional para assegurar que a mesma seja utilizada como base comum e enquadramento de referência para a proteção desses direitos: 1. A pessoa deficiente mental tem, na máxima medida possível, os mesmos direitos que os demais seres humanos. 2. A pessoa deficiente mental tem direito a cuidados médicos e tratamentos físicos adequados, bem como à educação, formação, reabilitação e orientação que lhe permitam desenvolver ao máximo as suas capacidades e aptidões. 3. A pessoa deficiente mental tem direito à segurança económica e a um nível de vida decente. Tem o direito de realizar um trabalho produtivo ou de exercer qualquer outra atividade útil na máxima medida possível das suas capacidades. 4. Sempre que possível, a pessoa deficiente mental deve viver com a sua própria família ou com pais adoptivos e deve participar de diferentes formas na vida da comunidade. A família com a qual vive deve receber assistência. Se o tratamento numa instituição se tornar necessário, deve ser prestado em ambientes e outras circunstâncias tão próximos quanto possível dos da vida normal. 5. A pessoa deficiente mental tem direito a um tutor qualificado caso tal seja necessário para proteger o seu bem-estar e os seus interesses pessoais. 6. A pessoa deficiente mental tem direito à proteção contra a exploração, os maus tratos e os tratamentos degradantes. Se acusada de qualquer delito, tem direito a beneficiar de um processo justo com pleno reconhecimento do seu grau de responsabilidade face às respectivas faculdades mentais. 7. Sempre que as pessoas deficientes mentais não possam, devido à gravidade da sua deficiência, exercer efetivamente todos os seus direitos ou caso se torne necessário restringir ou negar alguns destes direitos ou todos eles, o procedimento utilizado para tal restrição ou negação de direitos deverá conter salvaguardas jurídicas adequadas contra todas as formas de abuso. Este procedimento deverá basear-se numa avaliação da capacidade social da pessoa deficiente mental efetuada por peritos qualificados e deverá ser sujeito à revisão periódica e ser susceptível de recurso para autoridades superiores. 2. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS DEFICIENTES (Resolução n° 3447, de 9/dezembro/1975, ONU) A Assembleia Geral, Consciente do compromisso assumido pelos Estados Membros, na Carta das Nações Unidas, de agir em conjunto ou separadamente, em cooperação com a Organização, com vista a promover a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento económico e social, Reafirmando a sua fé nos direitos humanos e liberdades fundamentais e nos princípios da paz, da dignidade e do valor da pessoa humana e da justiça social, proclamados na Carta, Recordando os princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem, dos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, da Declaração dos Direitos da Criança e da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais, bem como as normas já estabelecidas em prol do progresso social nas constituições, convenções, recomendações e resoluções da Organização Internacional do Trabalho, da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, da Organização Mundial de Saúde, do Fundo das Nações Unidas para a Infância e de outras organizações competentes, Lembrando também a resolução 1921 do Conselho Econômico e Social, de 6 de maio de 1975, sobre a prevenção da deficiência e a reabilitação das pessoas deficientes, Sublinhando que a Declaração sobre Progresso e Desenvolvimento Social proclamou a necessidade de proteger os direitos e de garantir o bem-estar e a reabilitação das pessoas em situação de desvantagem física ou mental, Tendo presente a necessidade de prevenir as deficiências físicas e mentais e de ajudar as pessoas deficientes a desenvolver as suas potencialidades nas mais variadas áreas de atividade e de promover a sua integração, tanto quanto possível, na vida normal, Consciente de que certos países, na sua atual fase de desenvolvimento, apenas podem desenvolver esforços limitados neste sentido, Proclama a presente Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes e apela à ação nacional e internacional para assegurar que a mesma seja utilizada como base comum e enquadramento de referência para a proteção desses direitos: 1. A expressão “pessoa deficiente” designa qualquer pessoa incapaz de satisfazer por si própria, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida normal individual e/ou social, em resultado de deficiência, congénita ou não, nas suas faculdades físicas ou mentais. 2. As pessoas deficientes gozarão todos os direitos consagrados na presente Declaração. Estes direitos serão concedidos a todas as pessoas deficientes sem exceção alguma, qualquer que seja, e sem qualquer distinção ou discriminação com base na raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, condição económica, nascimento ou qualquer outra situação que se aplique, quer à própria pessoa deficiente, quer à sua família. 3. As pessoas deficientes têm o inerente direito ao respeito da sua dignidade humana. As pessoas deficientes, independentemente da origem, natureza e gravidade das suas incapacidades e deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que os seus concidadãos da mesma idade, o que implica, primeiro que tudo, o direito a gozar uma vida digna, tão normal e plena quanto possível. 4. As pessoas deficientes têm os mesmos direitos civis e políticos que os demais seres humanos; o parágrafo 7 da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais aplica-se a qualquer eventual limitação ou supressão desses direitos para as pessoas com deficiência mental. 5. As pessoas deficientes têm direito a medidas destinadas a permitir-lhes alcançar a maior autonomia possível. 6. As pessoas deficientes têm direito a tratamento médico, psicológico e funcional, incluindo dispositivos protésicos e ortopédicos, a reabilitação médica e social, a educação, formação e reabilitação profissional, a apoio, aconselhamento, serviços de colocação e outros serviços que lhes permitam desenvolver ao máximo as suas capacidades e aptidões e acelerem os seus processos de integração ou reintegração social. 7. As pessoas deficientes têm direito à segurança económica e social e a um nível de vida decente. Têm o direito, de acordo com as suas capacidades, a obter e conservar um emprego ou a exercer uma atividade útil, produtiva e remunerada, e a aderir a associações sindicais. 8. As pessoas deficientes têm direito a que as suas necessidades especiais sejam tidas em conta em todas as fases do planeamento económico e social. 9. As pessoas deficientes têm direito a viver com as suas famílias ou com pais adoptivos e a participar em todas as atividades sociais, criativas ou recreativas. Nenhuma pessoa deficiente será sujeita, no que diz respeito à sua residência, a um tratamento diferenciado não exigido pela sua situação ou pela melhoria que possa derivar de um tratamento diferenciado. Caso seja indispensável à permanência de uma pessoa deficiente num estabelecimento especializado, o ambiente e as condições de vida nele existentes serão tão aproximados quanto possível dos da vida normal de uma pessoa da sua idade. 10. As pessoas deficientes serão protegidas contra toda a exploração, todos os regulamentos e todos os tratamentos de natureza discriminatória, abusiva ou degradante. 11. As pessoas deficientes terão a possibilidade de se socorrerem de apoio jurídico qualificado caso tal apoio se revele indispensável para a proteção da sua pessoa ou dos seus bens. Caso seja instaurado um processo judicial contra uma pessoa deficiente, o procedimento legal aplicado terá plenamente em conta a sua condição física e mental. 12. É reconhecida a utilidade da consulta às organizações de pessoas deficientes em todas as matérias relativas aos direitos destas pessoas. 13. As pessoas deficientes, suas famílias e comunidades serão plenamente informadas, por todos os meios adequados, acerca dos direitos consagrados na presente Declaração. 3. NORMAS GERAIS SOBRE EQUIPARAÇÃO DE OPORTUNIDADES (Resolução 48/96, de 20/dezembro/1993, ONU) Os Países-Membros cientes da promessa feita, na Carta das Nações Unidas, para a ação conjunta e ação separada em cooperação com a Organização para promover padrões de vida mais altos, pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social, Reafirmando o compromisso com os direitos humanos e as liberdades fundamentais, a justiça social e a dignidade e o valor da pessoa humana, proclamado na Carta, Lembrando particularmente os padrões internacionais sobre direitos humanos, estabelecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Salientando que esses instrumentos proclamam que os direitos ali reconhecidos devem ser igualmente garantidos a todas as pessoas indiscriminadamente, Lembrando a Convenção dos Direitos da Criança, que proíbe a discriminação com base na deficiência e requer medidas especiais para garantir os direitos das crianças com deficiência, e a Convenção Internacional sobre a proteção dos Direitos de Todos os trabalhadores Migrantes e Membros de Suas Famílias, que provê algumas medidas protetoras contra a deficiência, Lembrando também as medidas da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra Mulheres para garantir o direito de meninas e mulheres com deficiência, Considerando a Declaração dos Direitos de Pessoas Deficientes, a Declaração dos Direitos de Pessoas com Deficiência Mental, a Declaração de Progresso e Desenvolvimento Social, os Princípios para a Proteção de Pessoas com Doença Mental e para a Melhoria dos Cuidados de Saúde Mental, e outros instrumentos relevantes adotados pela Assembleia Geral, Considerando também as relevantes convenções e recomendações adotadas pela Organização Internacional do Trabalho, com referência particular à participação em emprego sem discriminação para pessoas com deficiência, Cientes das relevantes recomendações e do trabalho da Organização das Nações Unidas para a educação, Ciência e Cultura, em particular a Declaração Mundial sobre Educação para Todos, da Organização Mundial de Saúde, do Fundo das Nações Unidas para a Infância e de outras organizações, Considerando o compromisso assumido pelos Países-Membros relativamente à proteção do ambiente, Cientes da devastação causada por conflitos armados e deplorando o uso de recursos escassos para a produção de armas, Reconhecendo que o Programa Mundial de Ação relativo às Pessoas com Deficiência e a definição ali contida de equiparação de oportunidades representam a sincera aspiração da comunidade internacional no sentido de fazer com que aqueles vários instrumentos e recomendações internacionais sejam de significância prática e concreta, Reconhecendo que o objetivo da Década das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas (1983-1992) para implementar o Programa Mundial de Ação ainda é válido e requer ação urgente e continuada, Lembrando que o Programa Mundial de Ação baseia-se em conceitos igualmente válidos em países em desenvolvimento e países industrializados, Convencidos de que são necessários esforços intensificados para se conseguir o usufruto pleno e igualitário dos direitos humanos e a participação das pessoas com deficiência na sociedade, Reenfatizando que as pessoas com deficiência e seus pais, que as pessoas com deficiência e seus pais, guardiões, defensores e organizações precisam ser parceiros ativos com os Países-Membros no planejamento e implementação de todas as medidas que afetam seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, Em cumprimento à resolução 1990/26 do Conselho Econômico Social e baseando-se nas medidas específicas, necessárias para a obtenção, por pessoas com deficiência, de igualdade com outras, enumeradas em detalhes no Programa Mundial de Ação, Adotaram as normas sobre Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência abaixo delineadas, a fim de: a. Salientar que toda ação no campo de deficiência pressupõe conhecimento e experiência adequados sobre as condições e necessidades especiais das pessoas com deficiência; b. Enfatizar que o processo, através do qual todo aspecto da organização da sociedade se torne acessível para todos, é um objetivo básico do desenvolvimento socioeconômico; c. Delinear aspectos essenciais das políticas sociais no campo da deficiência, incluindo, se apropriado, o estímulo ativo à cooperação técnica e econômica; d. Fornecer modelos para o processo de tomada de decisões políticas necessárias para a conquista de oportunidades iguais, tendo em mente os níveis técnicos e econômicos bem distintos, o fato de que o processo precisa refletir a compreensão perspicaz do contexto cultural dentro do qual ele ocorre e o papel crucial das pessoas com deficiência nesse contexto; e. Propor mecanismos nacionais para colaboração íntima entre os Países-Membros, os organismos do sistema das Nações Unidas, outros órgãos intergovernamentais e as organizações de pessoas com deficiência; f. Propor um mecanismo eficaz para monitorar o processo por meio do qual os Países-Membros procurem conseguir a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência. I - Requisitos para a Igualdade de Participação Norma 1. Conscientização Os Países-Membros devem adotar medidas para conscientizar a sociedade sobre pessoas com deficiência, seus direitos, suas necessidades, sua potencialidade e sua contribuição. 1. Os Países-Membros devem garantir que as autoridades responsáveis distribuam informações atualizadas sobre programas e serviços disponíveis para pessoas com deficiência, suas famílias, profissionais do campo e o público em geral. As informações para pessoas com deficiência devem ser apresentadas em forma acessível. 2. Os Países-Membros devem iniciar e apoiar campanhas informativas pertinentes a pessoas a pessoas com deficiência e políticas de deficiência, veiculando a mensagem de que as pessoas com deficiência são cidadãos com os mesmos direitos e deveres que os outros, justificando assim medidas para remover todos os obstáculos à sua participação plena. 3. Os Países-Membros devem estimular os meios de comunicação de massa a apresentarem de maneira positiva as pessoas com deficiência, veiculando a mensagem de que as pessoas com deficiência são cidadãos, com os mesmos direitos e deveres que os outros, justificando assim medidas para remover todos os obstáculos à sua participação plena. 4. Os Países-Membros devem garantir que os programas de educação do público reflitam em todos os seus aspectos o princípio de participação plena e igualdade. 5. Os Países-Membros devem convidar pessoas com deficiência e suas famílias e organizações para participarem de programas de educação do público relativos a assuntos de deficiência. 6. Os Países-Membros devem estimular as empresas do setor privado a incluírem questões de deficiência em todos os aspectos de sua atividade. 7. Os Países-Membros devem iniciar e promover programas destinados a aumentar o nível de consciência das pessoas com deficiência no que se refere a seus direitos e potencial. Maior autoconfiança e empowerment (uso do poder pessoal) ajudarão as pessoas com deficiência a aproveitar as oportunidades a elas disponíveis. 8. A conscientização deve ser uma parte importante na educação de crianças com deficiência e em programas de reabilitação. As pessoas com deficiência poderiam também ajudar-se mutuamente na conscientização através de atividades de suas organizações. 9. A conscientização deve fazer parte da educação de todas as crianças e deve ser um componente dos cursos de treinamento de professores e do treinamento de todos os profissionais. Norma 2. Cuidados médicos Os Países-Membros devem garantir a prestação de cuidados médicos eficazes para pessoas com deficiência. 1. Os Países-Membros devem trabalhar para a provisão de programas conduzidos por equipes multidisciplinares de profissionais para a detecção precoce, avaliação e tratamento de impedimentos. Isto poderia reduzir ou eliminar efeitos incapacitantes. Tais programas devem garantir a participação plena de pessoas com deficiência e suas famílias no nível individual e de organizações de pessoas com deficiência no nível de planejamento e avaliação. 2. Os agentes comunitários locais devem ser treinados para participar em áreas tais como detecção precoce de impedimentos, a provisão de atenção primária e encaminhamento a serviços apropriados. 3. Os Países-Membros devem garantir que as pessoas com deficiência, particularmente bebês e crianças, recebam o mesmo nível de cuidados médicos dentro do mesmo sistema com outros membros da sociedade. 4. Os Países-Membros devem garantir que todo o pessoal médico e paramédico seja adequadamente treinado e equipado para dar cuidados médicos a pessoas com deficiência e que esses profissionais tenham acesso a métodos de tratamento e tecnologia relevantes. 5. Os Países-Membros devem garantir que o pessoal médico, paramédico e outros sejam adequadamente treinados a fim de que eles não ofereçam orientação inadequada aos pais, restringindo, assim, as opções de seus filhos. Este treinamento deve ser um processo contínuo e deve basear-se nas últimas informações disponíveis. 6. Os Países-Membros devem garantir que as pessoas com deficiência recebam tratamentos e medicamentos regulares que possam necessitar para preservar ou melhorar seu nível de funcionamento. Norma 3. Reabilitação Os Países-Membros devem garantir a prestação de serviços de reabilitação para pessoas com deficiência a fim de que elas atinjam e mantenham seu nível ótimo de independência e funcionamento. 1. Os Países-Membros devem desenvolver programas nacionais de reabilitação para todos os grupos de pessoas com deficiência. Tais programas devem basear-se nas necessidades individuais reais de pessoas com deficiência e nos princípios de participação plena e igualdade. 2. Tais programas devem incluir uma ampla gama de atividades, tais como treinamento em habilidades básicas para melhorar ou compensar uma função afetada, aconselhamento de pessoas com deficiência e suas famílias, desenvolvimento da autoconfiança e serviços ocasionais tais como avaliação e orientação. 3. Todas as pessoas com deficiência, incluindo as portadoras de deficiências severas e/ou múltiplas, que requerem reabilitação, devem ter acesso a ela. 4. As pessoas com deficiência e suas famílias devem poder participar no planejamento e organização de serviços de reabilitação a elas relacionadas. 5. Todos os serviços de reabilitação devem estar disponíveis na comunidade local onde residem as pessoas com deficiência. No entanto, em alguns casos, a fim de se atingir um certo objetivo de treinamento, podem ser organizados cursos especiais de reabilitação com tempo limitado em forma residencial, onde forem apropriados. 6. Pessoas com deficiência e suas famílias devem ser estimuladas a se envolver na reabilitação, por exemplo, como professores, instrutores ou conselheiros treinados. 7. Os Países-Membros devem basear-se na experiência das organizações de pessoas com deficiência ao formularem ou avaliarem programas de reabilitação.   Norma 4. Serviços de apoio Os Países-Membros devem garantir o desenvolvimento e a prestação de serviços de apoio, incluindo aparelhos assistivos para pessoas com deficiência, a fim de ajudá-las a aumentar seu nível de independência em sua vida diária e exercer seus direitos. 1. Os Países-Membros devem garantir a provisão de aparelhos e equipamentos assistivos, serviços de atendentes pessoais e intérpretes, de acordo com as necessidades de pessoas com deficiência, como medidas importantes para se atingir a equiparação de oportunidades. 2. Os Países-Membros devem apoiar o desenvolvimento, a produção, a distribuição e o serviço de conserto de aparelhos e equipamentos assistivos e a disseminação de conhecimentos a respeito deles. 3. Para conseguir isto, deve ser utilizado o conhecimento técnico geralmente disponível. Em Países-Membros onde haja indústria de alta tecnologia, esse conhecimento deve ser utilizado plenamente para melhorar o padrão e eficácia dos aparelhos e equipamentos assistivos. É importante estimular o desenvolvimento e a produção de aparelhos simples e baratos, usando, quando possível, materiais locais e meios de produção locais. As próprias pessoas com deficiência poderiam ser envolvidas na produção desses aparelhos. 4. Os Países-Membros devem reconhecer que todas as pessoas com deficiência que necessitem aparelhos assistivos devem Ter acesso aos mesmos, incluindo acessibilidade financeira. Isto pode significar que os aparelhos e equipamentos assistivos devem ser providos gratuitamente ou por preços suficientemente baixos para que pessoas com deficiência ou suas famílias possam comprá-los. 5. Em programas de reabilitação para a provisão de aparelhos e equipamento assistivos, os Países-Membros devem considerar os requisitos especiais de meninas e meninos com deficiências no que se refere ao design, durabilidade e adequação dos aparelhos e equipamentos assistivos à idade das crianças. 6. Os Países-Membros devem apoiar o desenvolvimento e a prestação de programas de atendentes pessoais e serviços de intérpretes, especialmente para pessoas com deficiências severas e/ou múltiplas. Tais programas aumentariam o nível de participação das pessoas com deficiência na vida diária em casa, no trabalho, na escola e durante as atividades de lazer. 7. Os programas de atendentes pessoais devem ser projetados de tal maneira que as pessoas com deficiência que os utilizem tenham influência decisiva na forma como esses programas são prestados. II. Áreas-Alvo para a Igualdade de Participação Norma 5. Acessibilidade Os Países-Membros devem reconhecer a importância geral da acessibilidade no processo de equiparação de oportunidades em todas as esferas da sociedade. Para as pessoas com deficiência de qualquer tipo, os Países-Membros devem (a) introduzir programas de ações destinadas a tornar acessível o ambiente físico; e (b) adotar medidas que ofereçam acessos à informação e comunicação. Acesso ao ambiente físico 1. Os Países-Membros devem iniciar medidas que removam os obstáculos à participação no ambiente físico. Tais medidas devem desenvolver padrões e diretrizes e considerar a promulgação de leis para garantir a acessibilidade a várias áreas da sociedade, tais como moradia, edifícios, serviços de transportes públicos e outros meios de transporte, ruas e outros ambientes externos. 2. Os Países-Membros devem garantir que os arquitetos, engenheiros civis e outros profissionais envolvidos no projeto de construção do ambiente físico tenham acesso a informações adequadas sobre política de deficiência e providências necessárias à acessibilidade. 3. Os requisitos da acessibilidade devem ser incluídos no projeto e construção do ambiente físico desde o início do processo de projeto. 4. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas quando estiverem sendo desenvolvidos padrões e normas de acessibilidades. Elas devem também ser envolvidas no nível local desde a etapa do planejamento inicial dos projetos de construção pública, garantindo, assim, a máxima acessibilidade. Acesso à informação e comunicação 1. As pessoas com deficiência e, quando adequado, suas famílias e defensores, devem ter acesso a informações completas sobre diagnósticos, direitos, serviços e programas disponíveis em todas as etapas. Tais informações devem ser apresentadas em forma acessível para pessoas com deficiência. 2. Os Países-Membros devem desenvolver estratégias para tornar acessíveis os serviços de informação e documentação para diferentes grupos de pessoas com deficiência. Devem ser utilizados o braile, os serviços de gravação em fita, impressão em letras de tamanho grande e outras tecnologias apropriadas devem ser utilizadas para dar às pessoas com impedimento auditivo ou dificuldade de compreensão o acesso a informações faladas. 3. Consideração deve ser dada ao uso da língua de sinais na educação de crianças surdas, em suas famílias e comunidades. Serviços de intérpretes da língua de sinais devem ser prestados para facilitar a comunicação entre pessoas surdas e outras. 4. Consideração deve também ser dada às necessidades de pessoas com outras deficiências de comunicação. 5. Os Países-Membros devem estimular a mídia, especialmente a televisão, o rádio e os jornais, para tornarem acessíveis os seus serviços. 6. Os Países-Membros devem garantir que os novos sistemas de serviços e dados informatizados oferecidos ao público em geral sejam originalmente acessíveis ou sejam adaptados para se tornarem acessíveis a pessoas com deficiência. 7. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas quando estiverem sendo desenvolvidas medidas para tornar acessíveis os serviços de informação.   Norma 6. Educação Os Países-Membros devem reconhecer o princípio da igualdade de oportunidades primárias, secundárias e terciárias para crianças, jovens e adultos com deficiências, em ambientes inclusivos. Eles devem garantir que a educação das pessoas com deficiência seja uma parte integrante do sistema educacional. 1. As autoridades da educação comum são responsáveis pela educação de pessoas com deficiência em ambientes inclusivos. Elas devem garantir que a educação de pessoas com deficiência seja uma parte integrante do planejamento educacional nacional, do desenvolvimento de currículo e da organização escolar. 2. A educação em escolas comuns pressupõe a provisão de intérpretes e outros serviços de apoio adequados. Serviços adequados de acessibilidade e de apoio, projetados para atender às necessidades de pessoas com diferentes deficiências, devem ser prestados. 3. Grupos de pais e organizações de pessoas com deficiência devem ser envolvidos no processo de educação em todos os níveis. 4. Em Países-Membros onde a educação é compulsória, ela deve ser fornecida a meninas e meninos com todos os tipos e todos os níveis de deficiências, incluindo as mais severas. 5. Atenção especial deve ser dada às seguintes áreas: Crianças muito pequenas com deficiências; Crianças pré-escolares com deficiências; Adultos com deficiências, particularmente mulheres. 6. Para acomodar medidas educacionais para pessoas com deficiência em escolas comuns, os Países-Membros devem: Ter uma política claramente formulada, compreendida e aceita pelas escolas e pela comunidade em geral; Permitir flexibilidade, acréscimo e adaptação curriculares; Fornecer materiais de qualidade, treinamento contínuo de professores e professores de apoio. 7. A educação inclusiva e os programas baseados na comunidade devem ser vistos como abordagens complementares no fornecimento de educação e treinamento economicamente viáveis para pessoas com deficiência. Os programas nacionais baseados na comunidade devem estimular as comunidades a usarem e desenvolverem seus recursos para oferecer educação local a pessoas com deficiência. 8. Em situações onde o sistema escolar comum ainda não atenda adequadamente às necessidades de todas as pessoas com deficiência, pode ser considerada a educação especial. Esta deve objetivar o preparo dos alunos para sua educação no sistema escolar comum. A qualidade dessa educação deve refletir os mesmos padrões e aspirações aplicáveis à educação comum e deve vincular-se intimamente com ela. No mínimo, alunos com deficiências devem ter acesso à mesma porcentagem dos recursos educacionais que se destina aos estudantes sem deficiências. 9. Os Países-Membros devem visar à integração gradual de serviços de educação especial na educação comum. Reconhece-se que, em alguns casos, a educação especial pode ser considerada hoje a forma mais apropriada de educação para alguns alunos com deficiências. 10. Devido às necessidades específicas de comunicação de pessoas surdas e surdo-cegas, sua educação pode ser melhor oferecida em escolas para surdos ou em classes ou unidades especiais de escolas comuns. Sobretudo na etapa inicial, atenção especial precisa ser focalizada na instrução que leve em conta as diferenças culturais a fim de que as pessoas surdas ou surdo-cegas consigam uma comunicação eficaz e máxima independência.   Norma 7. Emprego Os Países-Membros devem reconhecer o princípio do empowerment (uso de poder pessoal) das pessoas com deficiência para exercerem seus direitos humanos, particularmente no campo do emprego. Tanto nas zonas rurais quanto nas urbanas, elas precisam ter oportunidades iguais para emprego produtivo e lucrativo no mercado de trabalho. 1. As leis e regulamentações no campo do trabalho precisam não discriminar contra pessoas com deficiência e precisam não erguer obstáculos ao emprego delas. 2. Os Países-Membros devem apoiar ativamente a inclusão de pessoas com deficiência no emprego aberto. Este apoio ativo pode ocorrer através de uma série de medidas, tais como o treinamento profissional, o esquema de cotas voltadas ao incentivo, o emprego reservado ou designado, os empréstimos ou subvenções para pequenas empresas, os contratos exclusivos ou direitos prioritários de produção, as isenções tributárias, o cumprimento de contrato ou outro tipo de assistência técnica ou financeira para empresas que empreguem funcionários com deficiências. 3. Os Países-Membros também devem estimular empregadores a fazerem adaptações razoáveis para acomodar pessoas com deficiência. 4. Os programas de ação dos Países-Membros devem incluir:  a) Medidas para projetar e adaptar locais de trabalho e recintos de trabalho de tal maneira a se tornarem acessíveis para pessoas com diferentes deficiências; b) Apoiar o uso de novas tecnologias e o desenvolvimento e produção de aparelhos assistivos, ferramentas e equipamentos, bem como medidas para facilitar o acesso a tais aparelhos e equipamentos para pessoas com deficiência a fim de lhes facilitar a obtenção e a manutenção de emprego; c) Provisão de treinamento e colocação adequados e apoio contínuo, do tipo serviço de atendentes pessoais e de intérpretes. 5. Os Países-Membros devem iniciar e apoiar campanhas de conscientização do público para superar atitudes negativas e preconceitos em relação aos funcionários com deficiência. 6. Em sua capacidade como empregadores, os Países-Membros devem criar condições favoráveis para o emprego de pessoas com deficiência no setor público. 7. Os Países membros, as organizações de trabalhadores e os empregadores devem cooperar para garantir políticas justas de recrutamento e promoção, condições de emprego, níveis de pagamento, medidas para melhorar o ambiente de trabalho a fim de evitar lesões e impedimentos, além de medidas para a reabilitação de empregados que tenham adquirido lesões no emprego. a) A meta sempre deve ser a de que as pessoas com deficiência consigam emprego no mercado de trabalho aberto. Para pessoas com deficiência cujas necessidades não possam ser atendidas no emprego aberto, pequenas unidades de emprego protegido ou emprego apoiado podem ser uma alternativa. É importante que a qualidade de tais programas seja avaliada em termos de sua relevância e suficiência no fornecimento de oportunidades para que as pessoas com deficiência consigam emprego no mercado de trabalho. b) Medidas devem ser adotadas para incluir pessoas com deficiência em programas de treinamento e emprego nos setores privado e informal. 8. Os Países-Membros, as organizações de trabalhadores e os empregadores devem cooperar com as organizações de pessoas deficientes no que se refere a todas as medidas para criar oportunidades de treinamento e emprego, incluindo horários flexíveis, trabalho com meio período, partilha de trabalho, emprego autônomo e serviços de atendentes pessoais para trabalhadores com deficiência. Norma 8. Manutenção de renda e seguro social Os Países-Membros são responsáveis pela provisão de seguro social e manutenção de renda para pessoas com deficiência. 1. Os Países-Membros devem garantir a provisão de adequado suporte de renda a pessoas que, devido à deficiência ou a fatores relacionados a ela, perderam ou tiveram uma redução temporária em sua renda ou tiveram negadas as oportunidades de emprego. Os Países-Membros devem garantir que a provisão de suporte leve em conta os custos frequentemente incorridos por pessoas com deficiência e suas famílias como resultado da deficiência. 2. Em países onde existam seguridade social, seguro ou outros esquemas de bem-estar social ou eles venham sendo desenvolvidos para a população em geral, os Países-Membros devem garantir que tais sistemas não excluam e nem discriminem contra as pessoas portadoras de deficiência. 3. Os Países-Membros também devem garantir a provisão de suporte de renda e proteção de seguridade social para pessoas que cuidam de um portador de deficiência. 4. Os sistemas de seguridade social devem incluir incentivos para restaurar a capacidade de ganho de renda de pessoas com deficiência. Tais sistemas devem fornecer ou contribuir para a organização, o desenvolvimento e o financiamento do treinamento profissional. Eles devem, também, ajudar nos serviços de colocação. 5. Programas de seguridade social também devem incentivar pessoas com deficiência a buscarem emprego para estabelecer ou restabelecer sua capacidade de ganho de renda. 6. Suporte de renda deve ser mantido enquanto durarem as condições incapacitantes de modo a não desestimular a procura de emprego por parte das pessoas com deficiência. Ele só deve ser reduzido ou eliminado quando estas pessoas atingirem renda adequada e segura. 7. Os Países-Membros, quando a seguridade social for provida em grande parte pelo setor privado, devem estimular as comunidades locais, as organizações de bem-estar e as famílias a desenvolverem providências de autoajuda e incentivos para o emprego ou atividades relacionadas ao emprego, para pessoas com deficiência.   Norma 9. Vida familiar e integridade pessoal Os Países-Membros devem promover a participação plena de pessoas deficientes na vida familiar. Eles devem promover o direito destas pessoas à integridade pessoal e assegurar para que as leis não discriminem contra pessoas com deficiência quanto às relações sexuais, ao casamento e a paternidade/maternidade. As pessoas com deficiência devem ter a possibilidade de viver com suas famílias. 1. Os Países-Membros devem estimular a inclusão, no aconselhamento familiar, de módulos apropriados a respeito de deficiências e seus efeitos sobre a vida familiar. Às famílias que têm uma pessoa deficiente devem estar disponíveis os serviços de atendentes pessoais e de cuidados de repouso. 2. Os Países-Membros devem remover todas as barreiras desnecessárias para pessoas que desejam criar ou adotar uma criança ou um adulto com deficiência. 3. Às pessoas com deficiência não deve ser negada a oportunidade de experienciar a sua sexualidade, de ter relações sexuais e de experienciar a paternidade/maternidade. Considerando que pessoas com deficiência podem encontrar dificuldades em casar-se e formar uma família, os Países-Membros devem estimular a disponibilidade do necessário aconselhamento. As pessoas com deficiência devem ter o mesmo acesso que as outras aos métodos de planejamento familiar, bem como às informações, pelos meios acessíveis, sobre o funcionamento sexual do seu corpo. 4. Os Países-Membros devem promover medidas que mudem as atitudes negativas para com o casamento, a sexualidade e a paternidade/maternidade das pessoas com deficiência, especialmente de moças e mulheres deficientes, atitudes essas que ainda predominam na sociedade. A mídia deve ser estimulada a desempenhar um importante papel na remoção de tais atitudes negativas. 5. As pessoas com deficiência e suas famílias necessitam ser plenamente informadas sobre a tomada de precauções contra o abuso sexual e outras formas de abuso. As pessoas com deficiência são particularmente vulneráveis ao abuso na família, na comunidade ou em instituições e necessitam ser instruídas sobre como evitar a ocorrência de abusos, reconhecer quando houver abusos e denunciar tais atos.   Norma 10. Cultura Os Países-Membros devem garantir que pessoas com deficiência sejam incluídas em atividades culturais e possam participar nelas numa base igualitária. 1. Os Países-Membros devem garantir às pessoas com deficiência a oportunidade de usar o seu potencial criativo, artístico e intelectual, não só para seu benefício, mas também para o enriquecimento de sua comunidade, situada em zonas urbanas ou rurais. Exemplos de tais atividades são a dança, a música, a literatura, o teatro, as artes plásticas, a pintura e a escultura. Particularmente nos países em desenvolvimento, deve ser dada ênfase às formas de artes tradicionais e contemporâneas, tais como marionetes, recitação e narração de histórias. 2. Os Países-Membros devem promover a acessibilidade para eventos e serviços culturais, tais como teatros, museus, cinemas e bibliotecas, e a disponibilidade dos mesmos para pessoas com deficiência. 3. Os Países-Membros devem iniciar o desenvolvimento e a utilização de arranjos técnicos especiais para tornar acessíveis a pessoas com deficiência a literatura, os filmes e os teatros. Norma 11. Recreação e esportes Os Países-Membros devem tomar medidas para garantir que pessoas com deficiência tenham oportunidades iguais para recreação e esportes. 1. Os Países-Membros devem iniciar medidas para tornar acessíveis às pessoas com deficiência os locais de recreação e esportes, hotéis, praias, estádios, quadras esportivas, etc. Tais medidas devem abranger a participação, a informação e os programas de treinamento e o apoio ao pessoal dos programas de recreação e esportes, incluindo projetos para desenvolver métodos de acessibilidade. 2. As autoridades de turismo, as agências de viagens, os hotéis, as organizações voluntárias e outras entidades envolvidas em organizar atividades recreativas ou oportunidades de viagem devem oferecer seus serviços a todas as pessoas, levando em consideração as necessidades especiais das pessoas com deficiência. Deve ser provido um adequado treinamento para ajudar neste processo. 3. As organizações esportivas devem ser estimuladas a desenvolver oportunidades para a participação de pessoas deficientes nas atividades esportivas. Em alguns casos, medidas de acessibilidade arquitetônica são suficientes para abrir oportunidades para essa participação. Em outros casos, serão necessários esquemas especiais ou jogos especiais. Os Países-Membros devem apoiar a participação de pessoas com deficiência em eventos nacionais e internacionais. 4. As pessoas com deficiência que participem de atividades esportivas devem ter acesso às instruções e aos treinamentos de qualidade igual àqueles de outros participantes. 5. Os organizadores de esportes e recreação devem consultar as organizações de pessoas com deficiência quando desenvolverem seus serviços para pessoas deficientes.   Norma 12. Religião Os Países-Membros devem estimular medidas para a igualdade de participação por pessoas com deficiência na vida religiosa de suas comunidades. 1. Os Países-Membros devem estimular, em consultoria com as autoridades religiosas, medidas para eliminar a discriminação e tornar as atividades religiosas acessíveis a pessoas com deficiência. 2. Os Países-Membros devem estimular a distribuição de informações sobre questões relativas à deficiência para instituições e organizações religiosas. Os Países-Membros devem também estimular autoridades religiosas a incluírem informações sobre políticas de deficiência no treinamento para profissões religiosas, assim como em programas de educação religiosa. 3. Eles devem também estimular a acessibilidade da literatura religiosa para pessoas com impedimentos sensoriais. 4. Os Países-Membros e/ou organizações religiosas devem consultar organizações de pessoas com deficiência ao desenvolverem medidas para a igualdade de participação nas atividades religiosas. III - Medidas de Implementação Norma 13. Informação e pesquisa Os Países-Membros assumem a responsabilidade final pela coleta e disseminação de informações sobre as condições de vida das pessoas com deficiência e promovem pesquisa abrangente sobre todos os aspectos, incluindo os obstáculos que afetem a vida das pessoas deficientes. 1. Os Países-Membros devem, em intervalos regulares, coletar estatísticas específicas por sexo e outras informações sobre as condições de vida das pessoas deficientes. Tal coleta de dados pode ser conduzida em conjunto com censos nacionais e pesquisas domiciliares e pode ocorrer em íntima colaboração, entre outros, com universidades. 2. Os Países-Membros devem considerar o estabelecimento de um banco de dados sobre deficiência, que incluiria estatísticas sobre programas e serviços disponíveis, bem como sobre diferentes grupos de pessoas com deficiência. Eles devem lembrar-se da necessidade de proteger a privacidade individual e a integridade pessoal. 3. Os Países-Membros devem iniciar e apoiar programas de pesquisa sobre questões sociais, econômicas e de participação que afetam a vida das pessoas com deficiência e suas famílias. Tais pesquisas devem incluir estudos sobre as causas, os tipos e a frequência das deficiências, a disponibilidade e a eficácia dos programas existentes e a necessidade de desenvolver e avaliar os serviços e as medidas de apoio. 4. Os Países-Membros devem desenvolver e adotar uma terminologia e os critérios para a realização de levantamentos nacionais, em cooperação com as organizações de pessoas com deficiência. 5. Os Países-Membros devem facilitar a participação de pessoas com deficiência na coleta de dados e na pesquisa. Para realizar tal pesquisa, os Países-Membros devem estimular particularmente o recrutamento de pessoas deficientes qualificadas. 6. Os Países-Membros devem apoiar a troca de constatações de pesquisa e experiências. 7. Os Países-Membros devem adotar medidas para disseminar informações e conhecimentos sobre deficiência para todos os níveis políticos e administrativos dentro dos âmbitos nacional, regional e local. Norma 14. Formulação de políticas e planejamento Os Países-Membros devem garantir a inclusão de aspectos de deficiência na formulação de todas as relevantes políticas e no planejamento nacional. 1. Os Países-Membros devem iniciar e planejar políticas adequadas para pessoas com deficiência no nível nacional e estimular e apoiar ações nos níveis estadual e municipal. 2. Os Países-Membros devem envolver organizações de pessoas com deficiência em toda tomada de decisão sobre planos e programas relativos a pessoas com deficiência ou que afete sua condição econômica e social. 3. As necessidades e preocupações das pessoas com deficiência devem ser incorporadas nos planos de desenvolvimentos geral e não tratadas separadamente. 4. A responsabilidade final dos Países-Membros pela situação das pessoas deficientes não desobriga os outros da sua responsabilidade. Qualquer pessoa encarregada de serviços, atividades ou prestação de informações na sociedade deve ser estimulada a aceitar a responsabilidade de tornar tais programas disponíveis a pessoas com deficiência. 5. Os Países-Membros devem facilitar o desenvolvimento de programas e medidas para pessoas com deficiência por parte das comunidades locais. Uma forma de fazer isso pode ser o desenvolvimento de manuais ou listas de verificação e o fornecimento de programas de treinamento para a equipe local.   Norma 15. Legislação Os Países-Membros têm a responsabilidade de criar as bases legais para medidas a fim de atingir os objetivos de participação plena e igualdade para pessoas com deficiências. 1. A legislação nacional, que incorpora os direitos e obrigações dos cidadãos, deve incluir os direitos e obrigações das pessoas com deficiência. Os Países-Membros têm o dever de capacitar pessoas deficientes para exercerem seus direitos, incluindo os direitos humanos, civis e políticos, numa base igualitária com outros cidadãos. Os Países-Membros devem garantir o envolvimento de organizações de pessoas com deficiência no desenvolvimento da legislação nacional pertinente aos direitos de pessoas deficientes, assim como na avaliação contínua dessa legislação. 2. Ações legislativas talvez sejam necessárias para remover condições que possam afetar adversamente a vida de pessoas com deficiência, incluindo molestação e vitimização. Deve-se eliminar qualquer medida discriminatória contra essas pessoas. A legislação nacional deve estipular sanções apropriadas nos casos de violação dos princípios de não discriminação. 3. A legislação nacional pertinente a pessoas deficientes pode aparecer de duas formas diferentes. Os direitos e obrigações podem ser incorporados na legislação geral ou contidos em legislação especial. A legislação especial para pessoas com deficiência pode ser estabelecida de várias maneiras: Promulgando leis separadas lidando exclusivamente com assuntos de deficiência. Incluindo assuntos de deficiência dentro de leis sobre tópicos específicos; Mencionando pessoas com deficiência especificamente nos textos que servem para interpretar leis existentes. Uma combinação dessas diferentes abordagens pode ser conveniente. Medidas de ação afirmativa podem também ser consideradas. 4. Os Países-Membros podem considerar o estabelecimento de mecanismos formais de queixas estatutárias a fim de proteger os interesses das pessoas com deficiência.   Norma 16. Políticas econômicas Os Países-Membros têm a responsabilidade financeira por programas e medidas nacionais que criem oportunidades iguais para pessoas com deficiência. 1. Os Países-Membros devem incluir assuntos de deficiência nos orçamentos regulares de todos os órgãos governamentais nacionais, estaduais e municipais. 2. Os Países-Membros, as organizações não governamentais e outros órgãos interessados devem interagir para determinar os meios mais eficazes de apoiar projetos e medidas relevantes para pessoas com deficiência. 3. Os Países-Membros devem pensar no uso de medidas econômicas (empréstimos, isenções, tributárias, concessões designadas, fundos especiais etc.) para estimular e apoiar a igualdade de participação das pessoas deficientes na sociedade. 4. Em muitos Países-Membros, pode ser aconselhável estabelecer um fundo de desenvolvimento pertinente à deficiência, que poderia apoiar vários projetos-piloto e programas de autoajuda nas comunidades.   Norma 17. Coordenação do trabalho Os Países-Membros são responsáveis pelo estabelecimento e fortalecimento de comitê nacional de coordenação, ou órgão semelhante, para servir como um centro nacional para assuntos de deficiência. 1. O comitê nacional de coordenação ou órgão semelhante deve ser permanente e baseado em regulamentações legais e administrativas apropriadas. 2. Uma combinação de representantes de organizações particulares e públicas tem mais probabilidade de conseguir uma composição intersetorial e multidisciplinar. Os representantes poderiam vir de ministérios do governo, organizações de pessoas com deficiência e organizações não governamentais. 3. As organizações de pessoas deficientes devem ter influência considerável no comitê nacional de coordenação para garantir que seus interesses sejam devidamente transmitidos. 4. O comitê nacional de coordenação deve ter autonomia e recursos suficientes para cumprir suas responsabilidades em relação às suas capacidades de tomada de decisão. Ele deve reportar-se ao mais alto nível governamental.   Norma 18. Organizações de pessoas com deficiência Os Países-Membros devem reconhecer o direito de as organizações de pessoas com deficiência representarem essas pessoas nos níveis nacional, estadual e municipal. Os Países-Membros devem também reconhecer o papel consultivo das organizações de pessoas com deficiência na tomada de decisões sobre assuntos de deficiência. 1. Os Países-Membros devem estimular e apoiar economicamente e de outras maneiras a formação e o fortalecimento de organizações de pessoas com deficiência, membros de sua família e/ou defensores. Os Países-Membros devem reconhecer que essas organizações têm um papel a desempenhar no desenvolvimento da política para assuntos de deficiência. 2. Os Países-Membros devem estabelecer comunicação contínua com organizações de pessoas deficientes e garantir sua participação no desenvolvimento de políticas governamentais. 3. O papel das organizações de pessoas com deficiência poderia ser o de identificar necessidades e prioridades, participar no planejamento, implementação e avaliação de serviços e medidas relativos à vida de pessoas com deficiência, além de contribuir para a conscientização do público e defender mudanças. 4. Como instrumentos de autoajuda, as organizações de pessoas com deficiência fornecem e promovem oportunidades para o desenvolvimento de habilidades em vários campos, apoio mútuo entre membros e partilha de informações. 5. As organizações de pessoas com deficiência poderiam realizar seu papel consultivo de muitas formas diferentes, tais como: ter representação permanente em diretorias de entidades subvencionadas pelo governo, fazer parte de comissões públicas e fornecer conhecimento especializado em diferentes projetos. 6. O papel consultivo de organizações de pessoas com deficiência deve ser contínuo a fim de desenvolver e aprofundar a troca de pontos de vista e informações entre os Países-Membros e as organizações. 7. As organizações devem ser permanentemente representadas no comitê nacional de coordenação ou órgão semelhante. 8. O papel de organizações locais de pessoas com deficiência deve ser desenvolvido e fortalecido de modo a garantir que elas influenciem nos assuntos tratados no nível comunitário. Norma 19. Treinamento de pessoal Os Países-Membros são responsáveis pela garantia, em todos os níveis, do adequado treinamento de pessoal envolvido no planejamento e prestação de programas de serviços relativos a pessoas com deficiência. 1. Os Países-Membros devem garantir que todas as autoridades que fornecem serviços no campo da deficiência deem treinamento adequado a seu pessoal. 2. No treinamento de profissionais no campo da deficiência, assim como na provisão de informações sobre deficiência em programas gerais de treinamento, o princípio de participação plena e igualdade deve estar adequadamente refletido. 3. Os Países-Membros devem desenvolver programas de treinamento consultando organizações de pessoas deficientes e pessoas com deficiência devem ser envolvidas como professores, instrutores ou consultores em programas de treinamento de pessoal. 4. O treinamento de agentes comunitários é de grande importância estratégica, sobretudo em países em desenvolvimento. Ele deve envolver pessoas com deficiência e incluir o desenvolvimento de valores, competência e tecnologia adequados, assim como habilidades que possam ser praticadas por pessoas com deficiência, seus pais, familiares e membros da comunidade.   Norma 20. Monitoramento e avaliação nacionais de programas de deficiência na implementação das Normas Os Países-Membros são responsáveis pelo monitoramento e avaliação contínuos da implementação de programas e serviços nacionais relativos à equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência. 1. Os Países-Membros devem avaliar periódica e sistematicamente os programas pertinentes à deficiência e disseminar tanto as bases quanto os resultados dessas avaliações. 2. Os Países-Membros devem desenvolver e adotar uma terminologia e critérios para a avaliação de programas e serviços relacionados à deficiência. 3. Tais critérios e terminologia devem ser desenvolvidos em íntima cooperação com organizações de pessoas deficientes desde as primeiras fases de conceituação e de planejamento. 4. Os Países-Membros devem participar na cooperação internacional a fim de desenvolver padrões comuns para a avaliação nacional no campo da deficiência. Os Países-Membros devem estimular a participação do comitê nacional de coordenação. 5. A avaliação dos vários programas no campo da deficiência deve começar na fase de planejamento, de modo a se poder avaliar a eficácia geral na consecução de seus objetivos de política.   Norma 21. Cooperação técnica e econômica Os Países-Membros, tanto os industrializados quanto aqueles em desenvolvimento, têm a responsabilidade de cooperar na melhoria das condições de vida de pessoas com deficiência em países em desenvolvimento e adotar medidas para essa melhoria. 1. As medidas para conseguir a equiparação de oportunidades para pessoas deficientes, incluindo refugiados com deficiências, devem ser integradas nos programas gerais de desenvolvimento. 2. Tais medidas precisam estar integradas em todas as formas de cooperação técnica e econômica, bilateral e multilateral, governamental e não governamental. Os Países-Membros devem levantar questões de deficiência nas discussões sobre tal cooperação com seus parceiros. 3. Quando do planejamento e revisão de programas de cooperação técnica e econômica, deve-se dar atenção especial aos efeitos de tais programas sobre a situação das pessoas com deficiência. É da máxima importância consultar pessoas deficientes e suas organizações em quaisquer projetos de desenvolvimento a elas destinados. Elas devem ser diretamente envolvidas no desenvolvimento, implementação e avaliação de tais projetos. 4. As áreas prioritárias para a cooperação técnica e econômica devem incluir: O desenvolvimento de recursos humanos através do aperfeiçoamento de talentos, habilidades e potencialidades de pessoas com deficiência e da iniciação de atividades de geração de empregos de e para pessoas com deficiência; O desenvolvimento e a disseminação de tecnologias apropriadas e conhecimentos técnicos pertinentes à deficiência. 5. Os Países-Membros são também estimulados a apoiar a formação e o fortalecimento de organizações de pessoas com deficiência. 6. Os Países-Membros devem adotar medidas para melhorar o conhecimento dos assuntos de deficiência entre trabalhadores envolvidos em todos os níveis da administração de programas de cooperação técnica e econômica.   Norma 22. Cooperação internacional Os Países-Membros participarão ativamente na cooperação internacional pertinente a políticas para a equiparação de oportunidades para pessoas com deficiência.  1. Dentro das Nações Unidas, as agências especializadas e outras organizações intergovernamentais interessadas, os Países-Membros devem participar no desenvolvimento de uma política relativa à deficiência. 2. Sempre que adequado, os Países-Membros devem apresentar aspectos de deficiência nas negociações gerais pertinentes a padrões, trocas de informações, programas de desenvolvimento etc. 3. Os Países-Membros devem estimular e apoiar a troca de conhecimento e experiência entre: Organizações não governamentais interessadas em assuntos de deficiência; Instituições de pesquisa e pesquisadores individuais envolvidos na questão da deficiência; Representantes de programas de campo e de grupos profissionais na área da deficiência. Organizações de pessoas com deficiência; Comitê nacional de coordenação. 4. Os Países-Membros devem garantir que as Nações Unidas e as agências especializadas, assim como todos os órgãos intergovernamentais e interparlamentares, nos níveis mundial e regional, incluam em seu trabalho as organizações mundiais e regionais de pessoas com deficiência.  IV. Mecanismo de Monitoramento 5. O propósito de um mecanismo de monitoramento é o de promover a implementação eficaz das Normas. O mecanismo auxiliará cada País-Membro na avaliação do nível de implementação das Normas e na medição do progresso. O monitoramento deve identificar obstáculos e sugerir medidas adequadas que contribuam para a plena implementação das Normas. O mecanismo de monitoramento reconhecerá as características econômicas, sociais e culturais existentes em cada País-Membro. A prestação de serviços consultivos e a troca de experiências e informações entre os Países-Membros devem constituir também um importante elemento. 6. As Normas deverão ser monitoradas dentro da estrutura das sessões da Comissão de Desenvolvimento Social. Um Relator Especial com relevante e extensa experiência em assuntos de deficiência e em organizações internacionais deverá ser indicado e, se necessário, remunerado com recursos extraorçamentários, durante três anos para monitorar a implementação das Normas. 7. As organizações internacionais de pessoas deficientes com status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social e as organizações que representem pessoas deficientes que ainda não formaram suas organizações devem ser convidadas a criar entre elas um grupo de peritos no qual essas organizações deverão ser a maioria, levando em conta os diferentes tipos de deficiência e a necessária distribuição geográfica equitativa, para ser consultado pelo Relator Especial e, quando adequado, pelo Secretariado. 8. O grupo de peritos será estimulado pelo Relator Especial a examinar, aconselhar e fornecer feedback e sugestões sobre a promoção, a implementação e o monitoramento das Normas. 9. O Relator Especial deverá enviar um conjunto de perguntas aos Países-Membros, entidades do sistema das Nações Unidas e organizações intergovernamentais e não governamentais, incluindo organizações de pessoas com deficiência. O conjunto de perguntas deve abordar planos de implementação das Normas nos Países-Membros. As perguntas devem ser seletivas por natureza e abranger um certo número de normas específicas para uma avaliação profunda. Ao preparar as perguntas, o Relator Especial deve consultar o grupo de peritos e o Secretariado. 10. O Relator Especial deverá procurar estabelecer um diálogo direto não apenas com os Países-Membros, mas também com organizações não governamentais locais, buscando seus pontos de vista e comentários sobre qualquer informação a ser incluída nos relatório. O Relator Especial deverá prestar serviços consultivos quanto à implementação e ao monitoramento das Normas, além de assistência no preparo de respostas para o conjunto de perguntas. 11. O Departamento de Coordenação de Política e Desenvolvimento Sustentável do Secretariado, como ponto central das Nações Unidas sobre questões de deficiência, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e outros órgãos e mecanismos do sistema das Nações Unidas, tais como as comissões regionais e agências especializadas e reuniões interagências, deverão cooperar com o Relator Especial na implementação e no monitoramento das Normas no nível nacional. 12. O Relator Especial, auxiliado pelo Secretariado, deverá preparar relatórios a serem submetidos à Comissão de Desenvolvimento Social em suas trigésima quarta e trigésima quinta sessões. Ao preparar tais relatórios, o Relator deve consultar o grupo de Peritos. 13. Os Países-Membros devem estimular o comitê nacional de coordenação ou órgão semelhante a participar da implementação e do monitoramento. Como ponto central nos assuntos de deficiência no nível nacional, o comitê deve ser estimulado a estabelecer procedimentos para coordenar o monitoramento das Normas. As organizações de pessoas com deficiência devem ser estimuladas a se envolverem ativamente no monitoramento do processo em todos os níveis. 14. Se recursos extraorçamentários forem disponíveis, deve-se criar um ou mais cargos de consultor inter-regional sobre as Normas para prestar serviços diretos aos Países-Membros, incluindo: A organização de seminários nacionais e estaduais de treinamento sobre o conteúdo das Normas; O desenvolvimento de diretrizes para auxiliar em estratégias para implementação das Normas; A disseminação de informações sobre as melhores práticas relativas à implementação das Normas. 15. Em sua trigésima quarta sessão, a Comissão de Desenvolvimento Social deve estabelecer um grupo de trabalho aberto com o intuito de examinar o relatório do Relator Especial e fazer recomendações sobre a maneira de melhorar as aplicações das Normas. Ao examinar o relatório do Relator Especial, a Comissão através de seu grupo de trabalho aberto, deverá consultar organizações internacionais de pessoas com deficiência e agências especializadas, de acordo com as normas 71 e 76 das normas de procedimento das comissões funcionais do Conselho Econômico e Social. 16. Em sua sessão após o término do mandato do Relator Especial, a Comissão deve examinar a possibilidade de renovar esse mandato indicando um novo Relator Especial ou considerar um outro mecanismo de monitoramento, e deve fazer recomendações adequadas ao Conselho Econômico e Social. 17. Os Países-Membros devem ser estimulados a contribuírem para o Fundo Voluntário das Nações Unidas sobre Deficiência a fim de que se promova a implementação das Normas. 4. DECLARAÇÃO DE SALAMANCA PRINCÍPIOS, POLÍTICA E PRÁTICA EM EDUCAÇÃO ESPECIAL, de 1994 Reconvocando as várias declarações das Nações Unidas que culminaram no documento das Nações Unidas “Normas Gerais de Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiências”, o qual demanda que os Estados assegurem que a educação de pessoas com deficiências seja parte integrante do sistema educacional. Notando com satisfação um incremento no envolvimento de governos, grupos de advocacia, comunidades e pais, e em particular de organizações de pessoas com deficiências, na busca pela melhoria do acesso à educação para a maioria daqueles cujas necessidades especiais ainda se encontram desprovidas; e reconhecendo como evidência para tal envolvimento a participação ativa do alto nível de representantes e de vários governos, agências especializadas, e organizações intergovernamentais naquela conferência Mundial. 1. Nós, os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88 governos e 25 organizações internacionais em assembleia aqui em Salamanca, Espanha, entre 7 e 10 de junho de 1994, reafirmamos o nosso compromisso para com a Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e urgência de providências de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados. 2. Acreditamos e Proclamamos que: Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, Toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas, Sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades, Aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, Escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas proveem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. 3. Nós congregamos todos os governos e demandamos que eles: Atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais. Adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam fortes razões para agir de outra forma. Desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em países que possuam experiências de escolarização inclusiva. Estabeleçam mecanismos de participação e descentralizados para planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e adultos com necessidades educacionais especiais. Encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades educacionais especiais. Invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva. Garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação, incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas. 4. Nós também congregamos a comunidade internacional, em particular, nós congregamos governos com programas de cooperação internacional, agências financiadoras internacionais, especialmente as responsáveis pela Conferência Mundial em Educação para Todos, UNESCO, UNICEF, UNDP e o Banco Mundial a endossar a perspectiva de escolarização inclusiva e apoiar o desenvolvimento da educação especial como parte integrante de todos os programas educacionais; As Nações Unidas e suas agências especializadas, em particular a ILO, WHO, UNESCO e UNICEF a reforçar seus estímulos de cooperação técnica, bem como reforçar suas cooperações e redes de trabalho para um apoio mais eficaz à já expandida e integrada provisão em educação especial; As organizações não governamentais envolvidas na programação e entrega de serviço nos países; A reforçar sua colaboração com as entidades oficiais nacionais e intensificar o envolvimento crescente delas no planejamento, implementação e avaliação de provisão em educação especial que seja inclusiva; UNESCO, enquanto a agência educacional das Nações Unidas; A assegurar que educação especial faça parte de toda discussão que lide com educação para todos em vários foros; A mobilizar o apoio de organizações dos profissionais de ensino em questões relativas ao aprimoramento do treinamento de professores no que diz respeito à necessidade educacionais especiais. A estimular a comunidade acadêmica no sentido de fortalecer pesquisa, redes de trabalho e o estabelecimento de centros regionais de informação e documentação e da mesma forma, a servir de exemplo em tais atividades e na disseminação dos resultados específicos e dos progressos alcançados em cada país no sentido de realizar o que almeja a presente Declaração, A mobilizar FUNDOS através da criação (dentro de seu próximo Planejamento a médio prazo, 1996-2000) de um programa extensivo de escolas inclusivas e programas de apoio comunitário, que permitiriam o lançamento de projetos piloto que demonstrassem novas formas de disseminação e o desenvolvimento de indicadores de necessidade e de provisão de educação especial. 5. Por último, expressamos nosso caloroso reconhecimento ao governa da Espanha e à UNESCO pela organização da Conferência e demandamos realizarem todos os esforços no sentido de trazer esta Declaração e sua relativa Estrutura de Ação da comunidade mundial, especialmente em eventos importantes tais como o Tratado Mundial de Desenvolvimento Social (em Kopenhagen, em 1995) e a Conferência Mundial sobre a Mulher (em Beijing, em 1995). Adotada por aclamação na cidade de Salamanca, Espanha, neste décimo dia de junho de 1994. 5. CARTA PARA O TERCEIRO MILÊNIO, de 1999 (aprovada no dia 9/setembro/1999, em Londres/Inglaterra, na Assembleia Governativa da REHABILITATION INTERNATIONAL) Os direitos humanos básicos são ainda rotineiramente negados a segmentos inteiros da população mundial, nos quais se encontram muitos dos 600 milhões de crianças, mulheres e homens que têm deficiência. Nós buscamos um mundo onde as oportunidades iguais para pessoas com deficiência se tornem uma consequência natural de políticas e leis sábias que apoiem o acesso a plena inclusão em todos os aspectos da sociedade. O progresso científico e social no século 20 aumentou a compreensão sobre o valor único e inviolável de cada vida. Contudo, a ignorância, o preconceito, a superstição e o medo ainda dominam grande parte das respostas da sociedade à deficiência. No Terceiro Milênio, nós precisamos aceitar a deficiência como uma parte comum da variada condição humana. Estatisticamente, pelo menos 10% de qualquer sociedade nascem com ou adquirem uma deficiência; e aproximadamente uma em cada quatro famílias possui uma pessoa com deficiência. Nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, nos hemisférios norte e sul do planeta, a segregação e a marginalização têm colocado pessoas com deficiência no nível mais baixo da escala socioeconômica. No século 21, nós precisamos insistir com os mesmos direitos humanos e civis tanto para pessoas com deficiência como para quaisquer outras pessoas. O século 20 demonstrou que, com inventividade e engenhosidade, é possível estender o acesso a todos os recursos da comunidade, ambientes físicos, sociais e culturais, transporte, informação, tecnologia, meios de comunicação, educação, justiça, serviço público, emprego, esporte e recreação, lotação e oração. No século 21, nós precisamos estender este acesso que poucos têm para muitos, eliminando todas as barreiras ambientais, eletrônicas e atitudinais que se anteponham à plena inclusão deles na vida comunitária. Com este acesso poderão advir o estímulo à participação e à liderança, o calor da amizade, as glórias da afeição compartilhada e as belezas da Terra e do Universo. A cada minuto, diariamente, mais e mais crianças e adultos estão sendo acrescentados ao número de pessoas cujas deficiências resultam do fracasso na prevenção das doenças evitáveis e do fracasso no tratamento das condições tratáveis. A imunização global e as outras estratégias de prevenção não mais são aspirações; elas são possibilidades práticas e economicamente viáveis. O que é necessário é a vontade política, principalmente de governos, para acabarmos com esta afronta à humanidade. Os avanços tecnológicos estão teoricamente colocando, sob o controle humano, a manipulação dos componentes genéticos da vida. Isto apresenta novas dimensões éticas ao diálogo internacional sobre a prevenção de deficiências. No Terceiro Milênio, nós precisamos criar políticas sensíveis que respeitem tanto a dignidade de todas as pessoas como os inerentes benefícios e harmonia derivados da ampla diversidade existente entre elas. Programas internacionais de assistência ao desenvolvimento econômico e social devem exigir padrões mínimos de acessibilidade em todos os projetos de infraestrutura, inclusive de tecnologia e comunicações, a fim de assegurarem que as pessoas com deficiência sejam plenamente incluídas na vida de suas comunidades. Todas as nações devem ter programas contínuos e de âmbito nacional para reduzir ou prevenir qualquer risco que possa causar impedimento, deficiência ou incapacidade, bem como programas de intervenção precoce para crianças e adultos que se tornarem deficientes. Todas as pessoas com deficiência devem ter acesso ao tratamento, à informação sobre técnicas de autoajuda e, se necessário, à provisão de tecnologias assistivas e apropriadas. Cada pessoa com deficiência e cada família que tenha uma pessoa deficiente devem receber os serviços de reabilitação necessários à otimização do seu bem-estar mental, físico e funcional, assim assegurando a capacidade dessas pessoas para administrarem sua vida com independência, como o fazem quaisquer outros cidadãos. Pessoas com deficiência devem ter um papel central no planejamento de programas de apoio à sua reabilitação; e as organizações de pessoas com deficiência devem ser empoderadas com os recursos necessários para compartilhar a responsabilidade no planejamento nacional voltado à reabilitação e à vida independente. A reabilitação baseada na comunidade deve ser amplamente promovida nos níveis nacional e internacional como uma forma viável e sustentável de prover serviços. Cada nação precisa desenvolver, com a participação de organizações de e para pessoas com deficiência, um plano abrangente que tenha metas e cronogramas claramente definidos para fins de implementação dos objetivos expressos nesta Carta. Esta Carta apela aos Países-Membros para que apoiem a promulgação de uma Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência como uma estratégia-chave para o atingimento destes objetivos. No Terceiro Milênio, a meta de todas as nações precisa ser a de evoluírem para sociedades que protejam os direitos das pessoas com deficiência mediante o apoio ao pleno empoderamento e inclusão delas em todos os aspectos da vida. Por estas razões, a CARTA PARA O TERCEIRO MILÊNIO é proclamada para que toda a humanidade entre em ação, na convicção de que a implementação destes objetivos constitui uma responsabilidade primordial de cada governo e de todas as organizações não governamentais e internacionais relevantes. 6. DECLARAÇÃO DE WASHINGTON, de 1999 Nós, os lideres do Movimento de Vida Independente e dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência, representantes dos 50 países participantes do Encontro Perspectivas Globais em Vida Independente para o Próximo Milênio, realizado de 21 a 25 de setembro de 1999, em Washington, DC, USA, celebramos as conquistas do Movimento de Vida Independente em nível mundial; aceitamos a responsabilidade por nossas próprias ações e vidas e reafirmamos a filosofia global e os princípios de Vida Independente, segundo os quais toda vida humana tem valor e cada ser humano deve ter opções significativas para fazer escolhas sobre as questões que afetam suas vidas; respeito aos direitos humanos, autodeterminação, autoajuda, empowerment, inclusão, correr riscos e integração são fundamentais; é tão importante aceitar a responsabilidade por nossas próprias vidas e ações quanto é essencial que a comunidade reconheça que também é sua responsabilidade fomentar Vida Independente; a educação inclusiva e igualitária, a existência de oportunidades iguais de emprego e empreendimentos, o desenvolvimento e a oferta de tecnologia assistiva, assim como o transporte acessível e meio ambiente sem barreiras são indispensáveis para promover Vida Independente; os Princípios e a Filosofia de Vida Independente devem ser implementados em níveis local, nacional e internacional, independentemente do tipo e grau de deficiência, do sexo, da religião, raça, língua, etnia, filiação política, idade ou orientação sexual. Nós nos comprometemos a assegurar a continuidade e a promoção de Vida independente e a expansão da Filosofia de Vida Independente, através do seguinte Plano de Ação cujo objetivo é: promover uma ampla legislação sobre os Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e incentivar políticas públicas voltadas ao fomento da Vida Independente, através da educação inclusiva, comunicação, moradia acessível e disponível, transporte, cuidados com saúde, meio ambiente sem barreiras e tecnologia assistiva, em cada pais; continuar a agir local, nacional e internacionalmente para promover Vida Independente; promover a inclusão, no Movimento de Vida Independente, das pessoas portadoras de deficiência de todas as idades, incluindo mulheres com deficiência, grupos minoritários, crianças, pessoas idosas; trocar informações entre nós mesmos, entre outras pessoas e a comunidade, através da Internet, e-mail, teleconferência e videoconferência, fax, telefone e comunicação escrita para compartilhar nosso conhecimento, especialização e ideias uns com os outros; promover programas de intercâmbio e oportunidades de treinamento; construir parcerias com organizações internacionais que tratem da questão da deficiência para promover Vida Independente; Influenciar governos, corporações financeiras, agências de desenvolvimento e programas externos de assistência para o desenvolvimento, com o objetivo de incluir os objetivos e a filosofia do movimento de Vida Independente em suas ações; promover parcerias com universidades e instituições acadêmicas para incorporar os princípios de Vida Independente, criar maior acesso para estudantes e professores com deficiências e iniciar cursos para estudos sobre deficiência; utilizar a mídia para promover igualdade, imagens positivas e a Filosofia de Vida Independente; estabelecer grupos de trabalho que desenvolverão textos para discussão em áreas tais como definições sobre Filosofia de Vida Independente, apoio entre pares, serviços de assistência pessoal, militância e enfoque inter-relacionado das deficiências; explorar todas as possibilidades para realizar e acompanhar a realização de conferências internacionais em bases regulares e em diferentes línguas. Nós nos congratulamos com os esforços das agências governamentais dos Estados Unidos por terem colaborado com os líderes do Movimento de Vida Independente dos Estados Unidos para a realização deste Encontro e expressamos nosso apreço por todos os indivíduos e organizações que ajudaram a organizar este evento. Nós convocamos todos os participantes a continuar promovendo a Filosofia de Vida Independente em seus próprios países e convidamos pessoas com deficiência de todo o mundo a tomar parte do Movimento de Vida Independente e dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência. 7. DECLARAÇÃO INTERNACIONAL DE MONTREAL SOBRE INCLUSÃO, de 2001 Aprovada pelo Congresso Internacional Sociedade Inclusiva – 2001 Todos os seres humanos nascem livres e são iguais em dignidade e direitos (Declaração Universal dos Direitos Humanos, artigo 1). O acesso igualitário a todos os espaços da vida é um pré-requisito para os direitos humanos universais e liberdades fundamentais das pessoas. O esforço rumo a uma sociedade inclusiva para todos é a essência do desenvolvimento social sustentável. A comunidade internacional, sob a liderança das Nações Unidas, reconheceu a necessidade de garantias adicionais de acesso para certos grupos. As declarações intergovernamentais levantaram a voz internacional para juntar, em parceria, governos, trabalhadores e sociedade civil a fim de desenvolverem políticas e práticas inclusivas. O Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva” convocado pelo Conselho Canadense de Reabilitação e Trabalho apela aos governos, empregadores e trabalhadores bem como à sociedade civil para que se comprometam com, e desenvolvam, o desenho inclusivo em todos os ambientes, produtos e serviços. 1. O objetivo maior desta parceria é o de, com a participação de todos, identificar e implementar soluções de estilo de vida que sejam sustentáveis, seguras, acessíveis, adquiríveis e úteis. 2. Isto requer planejamento e estratégias de desenho intersetoriais, interdisciplinares, interativos e que incluam todas as pessoas. 3. O desenho acessível e inclusivo de ambientes, produtos e serviços aumenta a eficiência, reduz a sobreposição, resulta em economia financeira e contribui para o desenvolvimento do capital cultural, econômico e social. 4. Todos os setores da sociedade recebem benefícios da inclusão e são responsáveis pela promoção e pelo progresso do planejamento e desenho inclusivos. 5. O Congresso enfatiza a importância do papel dos governos em assegurar, facilitar e monitorar a transparente implementação de políticas, programas e práticas. 6. O Congresso urge para que os princípios do desenho inclusivo sejam incorporados nos currículos de todos os programas de educação e treinamento. 7. As ações de seguimento deste Congresso deverão apoiar as parcerias contínuas e os compromissos orientados à solução, celebrados entre governos, empregadores, trabalhadores e comunidade em todos os níveis. 8. DECLARAÇÃO DE MADRI, de 2002 Nós, mais de 600 participantes do Congresso Europeu sobre Deficiência, reunidos em Madri, saudamos calorosamente a proclamação de 2003 como o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, um evento que deverá conscientizar o público sobre os direitos de mais de 50 milhões de europeus com deficiência. Nesta Declaração definimos a nossa visão, que se constituirá em parâmetro conceitual para as atividades do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência tanto em nível da União Europeia como nos níveis regional, nacional e local. PREÂMBULO 1. A deficiência como uma questão de direitos humanos As pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos que todos os demais cidadãos. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece: “Todos os seres humanos são livres e iguais em dignidade e direitos.” A fim de atingir este ideal, todas as comunidades deverão celebrar a diversidade em suas atividades e procurar garantir que as pessoas com deficiência possam usufruir toda a gama dos direitos humanos: civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, conforme reconhecidos por Convenções internacionais, o Tratado da União Europeia e em constituições nacionais. 2. Pessoas com deficiência querem oportunidades iguais e não caridade A exemplo de muitas outras regiões do mundo, a União Europeia percorreu um longo aminho nas últimas décadas, partindo da filosofia do paternalismo em relação a pessoas com deficiência e chegando à filosofia do empoderamento a fim de que elas exerçam controle sobre sua vida. As velhas abordagens, baseadas largamente na piedade e no perceptível desamparo das pessoas com deficiência, são agora consideradas inaceitáveis. As ações estão deixando de dar ênfase em reabilitar pessoas para se ‘enquadrarem’ na sociedade e adotando uma filosofia mundial de modificação da sociedade a fim de incluir e acomodar as necessidades de todas as pessoas, inclusive das pessoas com deficiência. As pessoas com deficiência estão exigindo oportunidades iguais e acesso a todos os recursos da sociedade, ou seja, educação inclusiva, novas tecnologias, serviços sociais e de saúde, atividades esportivas e de lazer, bens e serviços ao consumidor. 3. As barreiras na sociedade conduzem à discriminação e à exclusão social A forma como as sociedades estão organizadas significa, geralmente, que as pessoas com deficiência não são capazes de usufruir plenamente seus direitos humanos e que elas estão socialmente excluídas. Os dados estatísticos disponíveis mostram que as pessoas com deficiência apresentam níveis de escolaridade e empregabilidade baixos e inaceitáveis. Isto também resulta em um maior número de pessoas com deficiência vivendo em situações de pobreza real se comparadas com cidadãos não deficientes. 4. Pessoas com deficiência: cidadãos invisíveis A discriminação enfrentada por pessoas com deficiência é por vezes baseada em preconceitos contra elas, porém mais frequentemente é causada pelo fato de que as pessoas com deficiência são em sua maioria esquecidas e ignoradas e isto resulta na formação e perpetuação de barreiras ambientais e atitudinais que as impedem de participar na sociedade. 5. Pessoas com deficiência constituem um grupo diverso Como todos os segmentos da sociedade, as pessoas com deficiência constituem um grupo diverso de pessoas, daí por que somente as políticas que respeitam esta diversidade serão eficazes. Particularmente, pessoas dependentes com complexas necessidades e suas famílias requerem ações específicas por parte da comunidade, uma vez que elas são frequentemente as mais esquecidas dentre as pessoas com deficiência. Igualmente, mulheres com deficiência e pessoas com deficiência pertencentes a minorias étnicas frequentemente enfrentam discriminação dupla e até múltipla, resultante da interação entre a discriminação causada por suas deficiências e a discriminação por causa de seu gênero ou origem étnica. Para as pessoas surdas o reconhecimento da língua de sinais é uma questão fundamental. 6. Não discriminação + ação afirmativa = inclusão social A Carta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Europeia, admite que, para se conseguir a igualdade para pessoas com deficiência, o direito de não serem discriminadas deve ser complementado pelo direito de se beneficiarem das medidas projetadas para garantir sua autonomia, inserção e participação na vida da comunidade. Esta abordagem combinada foi o princípio norteador do congresso que reuniu mais de 600 participantes em Madri em março de 2002. NOSSA VISÃO 1. A nossa visão pode ser mais bem descrita como sendo um contraste entre duas visões a antiga dando lugar à nova: a) Antiga: pessoas com deficiência como objeto de caridade. Nova: pessoas com deficiência como detentores de direitos. b) Antiga: pessoas com deficiência como pacientes. Nova: pessoas com deficiência como cidadãos e consumidores com autonomia. c) Antiga: profissionais tomando decisões pelas pessoas com deficiência. Nova: tomada de decisões e assunção de responsabilidades, com independência, por parte das pessoas com deficiência e suas organizações em assuntos que lhes dizem respeito. d) Antiga: enfoque apenas nas deficiências das pessoas. Nova: promoção de ambientes acessíveis e de apoio e da eliminação de barreiras, revisão de culturas e de políticas e normas sociais. e) Antiga: rotulação de pessoas como dependentes ou não empregáveis. Nova: ênfase nas habilidades e na provisão de medidas efetivas de apoio. f) Antiga; projetar processos econômicos e sociais para poucos. Nova: projetar um mundo flexível para muitos. g) Antiga: segregação desnecessária em educação, emprego e outras áreas da vida. Nova: inserção de pessoas com deficiência na corrente principal da sociedade. h) Antiga: políticas sobre deficiência como uma questão que afeta apenas os órgãos especiais. Nova: inserção de políticas sobre deficiência como uma responsabilidade geral do governo. SOCIEDADE INCLUSIVA PARA TODOS A implementação da nossa visão beneficiará não apenas as pessoas com deficiência, mas também a sociedade como um todo. Uma sociedade que exclui uma parte de seus membros é uma sociedade empobrecida. As ações que melhoram as condições para pessoas com deficiência resultarão em se projetar um mundo flexível para todos. “O que for feito hoje em nome da questão da deficiência terá significado para todos no mundo de amanhã”. Nós, participantes do Congresso Europeu de Pessoas com Deficiência reunidos em Madri, partilhamos esta visão e solicitamos a todos os defensores da inclusão social que considerem o Ano Europeu das Pessoas com Deficiência em 2003 como o início de um processo que tornará esta visão uma realidade. Mais de 50 milhões de europeus com deficiência esperam que nós impulsionemos o processo para que isto aconteça. NOSSO PROGRAMA PARA REALIZAR ESTA VISÃO 1. MEDIDAS LEGAIS Uma legislação antidiscriminatória abrangente precisa ser aprovada sem demora para se remover barreiras e evitar a construção de barreiras contra pessoas com deficiência na educação, no emprego e no acesso a bens e serviços, barreiras que impedem pessoas com deficiência de realizar plenamente seu potencial de participação social e autonomia. A cláusula não discriminatória (artigo 13 do Tratado da Comissão Europeia) permite que tal legislação venha a existir no nível da União Europeia, assim contribuindo para uma Europa realmente sem barreiras para pessoas com deficiência. 2. MUDANDO ATITUDES Legislações antidiscriminatórias provaram ser bem sucedidas para provocar mudanças de atitudes em relação a pessoas que têm deficiência. Contudo, a lei não é suficiente. Sem um forte compromisso de toda a sociedade, incluindo a participação ativa de pessoas com deficiência e suas organizações para defender seus direitos, a legislação permanece como uma concha vazia. Portanto, torna-se necessário educar o público para dar suporte às medidas legislativas, para aumentar a sua compreensão sobre os direitos e necessidades das pessoas com deficiência na sociedade e para combater preconceitos e estigmas que ainda existem nos dias de hoje. 3. SERVIÇOS QUE PROMOVEM VIDA INDEPENDENTE Para se atingir a meta de acesso e participação iguais, é necessário que recursos sejam canalizados de uma forma que acentue tanto a capacidade das pessoas com deficiência para participarem como os seus direitos à vida independente. Muitas pessoas com deficiência necessitam receber serviços de apoio em sua vida diária. Estes serviços precisam ser de qualidade, baseados nas necessidades das pessoas com deficiência e precisam estar inseridos na sociedade e não podem ser uma fonte de segregação. Tal apoio está em conformidade com o modelo social europeu de solidariedade – um modelo que admite a nossa responsabilidade coletiva uns para com os outros e especialmente para com aqueles que têm necessidade de assistência. 4. APOIO ÀS FAMÍLIAS A família das pessoas com deficiência – em particular das crianças com deficiência e pessoas dependentes com necessidades complexas, incapazes de representarem a si mesmas – desempenha um papel vital na educação e na inclusão social de seus membros. Em vista disto, precisam ser estabelecidas medidas adequadas para famílias por parte das autoridades públicas, com o fim de permitir que as famílias organizem seus apoios para a pessoa com deficiência de uma maneira mais inclusiva possível. 5. ATENÇÃO ESPECIAL ÀS MULHERES COM DEFICIÊNCIA O Ano Europeu das Pessoas com Deficiência deve ser visto como uma oportunidade para considerar a situação das mulheres com deficiência numa perspectiva nova. A exclusão social enfrentada por mulheres com deficiência não pode ser explicada apenas por sua deficiência, pois o fator gênero também precisa ser considerado. A discriminação múltipla enfrentada por mulheres com deficiência precisa ser desafiada mediante uma combinação de medidas de inserção social e medidas de ação afirmativa, projetadas em consulta às mulheres com deficiência. 6. INCLUINDO A DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE Pessoas com deficiência devem ter acesso a serviços sociais e de saúde e serviços educacionais e profissionais, existentes na comunidade, e a todas as demais oportunidades disponíveis para pessoas não deficientes. A implementação de tais abordagens inclusivas para com a deficiência e com as pessoas que têm deficiência requer mudanças nas atuais práticas sob vários aspectos. Em primeiro lugar, é necessário assegurar que os serviços disponíveis para pessoas com deficiência sejam coordenados permeando diferentes setores e dentro deles. As necessidades de acessibilidade dos diferentes grupos de pessoas com deficiência precisam ser consideradas no processo de planejamento de qualquer atividade e não como um arremedo quando o planejamento já foi concluído. As necessidades das pessoas com deficiência e de suas famílias são variadas e é importante projetar uma resposta abrangente, que leve em consideração tanto a pessoa inteira como os vários aspectos de sua vida. 7. O EMPREGO COMO FATOR CHAVE PARA A INCLUSÃO SOCIAL Esforços especiais precisam ser feitos para promover o acesso de pessoas com deficiência ao emprego, preferivelmente no mercado competitivo de trabalho. Esta é uma das importantes formas de se combater a exclusão social de pessoas com deficiência e promover sua dignidade e vida independente. Isto requer uma ativa mobilização não apenas de defensores da inclusão social, mas também das autoridades públicas, que precisam continuar a fortalecer as medidas adequadas já em vigor. 8. NADA SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA SEM AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA O Ano Europeu das Pessoas com Deficiência precisa ser uma oportunidade para outorgar às pessoas com deficiência, seus familiares, seus defensores e suas organizações um novo e amplo propósito social e político, em todos os níveis da sociedade, a fim de envolver os governos no diálogo, na tomada de decisões e no progresso em torno das metas de igualdade e inclusão. Todas as ações devem ser implementadas mediante diálogo e cooperação com as relevantes organizações representativas de pessoas com deficiência. Tal participação não deve estar limitada a receber informações ou endossar decisões. Mais do que isso, em todos os níveis de tomada de decisões, os governos precisam estabelecer ou fortalecer mecanismos regulares para consulta e diálogo que possibilitem às pessoas com deficiência através de suas organizações contribuir para o planejamento, implementação, monitoramento e avaliação de todas as ações. Uma forte aliança entre governos e organizações de pessoas com deficiência constitui o requisito básico para se desenvolver mais efetivamente a equiparação de oportunidades e a participação social de pessoas com deficiência. A fim de facilitar este processo, a capacidade das organizações de pessoas com deficiência deve ser acentuada através da alocação de maiores recursos que lhes permitam melhorar suas habilidades administrativas e de realização de campanhas. Isto implica também na responsabilidade das organizações de pessoas com deficiência de melhorar continuamente os seus níveis de controle e representatividade. SUGESTÕES PARA AS AÇÕES O Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, em 2003, deve significar um avanço na agenda dos assuntos de deficiência e isto requer o apoio ativo de todos os relevantes defensores da inclusão social numa ampla abordagem de parceria. Em consequência, sugestões concretas de ações são propostas para todos os relevantes defensores da inclusão social. Estas ações serão estabelecidas no Ano Europeu das Pessoas com Deficiência e continuadas após o Ano Europeu. Os progressos devem ser avaliados periodicamente. 1. AUTORIDADES DA UNIÃO EUROPEIA E AUTORIDADES NACIONAIS NA UNIÃO EUROPÉIA E NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Autoridades públicas devem agir dando exemplos e, portanto, são os primeiros, mas não os únicos protagonistas neste processo. Elas devem: Rever o atual propósito da União Europeia e as estruturas legais nacionais objetivando combater práticas discriminatórias nos campos da educação, emprego e acesso a bens e serviços; Iniciar investigações nas restrições e barreiras discriminatórias que limitam a liberdade das pessoas com deficiência de participar plenamente na sociedade, e tomar quaisquer medidas que sejam necessárias para remediar esta situação; Rever o sistema de serviços e benefícios para assegurar que estas políticas ajudem e encorajem pessoas com deficiência a permanecer como uma parte da sociedade onde elas vivem e/ou tornar-se parte dela; Realizar investigações sobre a violência e o abuso cometidos contra pessoas com deficiência, com particular atenção àquelas pessoas com deficiência que vivem em grandes instituições; Fortalecer a legislação sobre acessibilidade para garantir que as pessoas com deficiência tenham o mesmo direito de acesso a todos os recintos públicos que as outras pessoas; Contribuir para a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência em nível mundial mediante uma participação ativa na tarefa de elaborar a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Contribuir para melhorar a situação das pessoas com deficiência nos países em desenvolvimento mediante a adoção da inclusão social de pessoas com deficiência como um objetivo das políticas nacionais e das políticas de cooperação para o desenvolvimento da União Europeia. 2. AUTORIDADES LOCAIS O Ano Europeu precisa realmente ocorrer em primeiro lugar no nível local, onde as questões são reais para os cidadãos e onde as organizações de e para pessoas com deficiência estão realizando a maioria de seus trabalhos. Todo esforço deve ser feito para focalizar a promoção, os recursos e as atividades em nível local. Protagonistas locais devem ser convidados para inserir nas políticas urbanas e comunitárias as necessidades das pessoas com deficiência, em relação a emprego, educação, moradia, transporte, saúde e serviços sociais, considerando a diversidade das pessoas com deficiência que, entre outras, podem ser idosas, mulheres e imigrantes. Governos locais devem traçar planos locais de ação relativos a deficiências em cooperação com as organizações de pessoas com deficiência e estabelecer seus comitês locais a fim de liderar as atividades do Ano. 3. ORGANIZAÇÕES RELATIVAS À DEFICIÊNCIA As organizações relativas à deficiência, na condição de representantes das pessoas com deficiência, detêm a principal responsabilidade de garantir o sucesso do Ano Europeu. Elas têm de se considerarem embaixadoras do Ano Europeu e abordar proativamente todos os defensores da inclusão social propondo medidas concretas e procurando estabelecer parcerias duradouras onde quer que estas ainda não existam. 4. EMPREGADORES Os empregadores devem aumentar seus esforços para incluir, reter e promover pessoas com deficiência em sua força de trabalho e projetar seus produtos e serviços de uma forma que estes sejam acessíveis às pessoas com deficiência. Os empregadores devem rever suas políticas internas a fim de assegurar que nenhuma delas impeça pessoas com deficiência de usufruir oportunidades iguais. As organizações de empregadores podem contribuir para estes esforços coletando os muitos exemplos de boas práticas que já existem. 5. SINDICATOS Os sindicatos devem aumentar seu envolvimento a fim de melhorar o acesso de pessoas com deficiência ao emprego e a permanência nele e de garantir que os trabalhadores com deficiência se beneficiem de igual acesso às medidas de treinamento e promoção, sempre que negociarem os acordos nas empresas e nos setores profissionais. Atenção reforçada também deve ser dada a fim de promover a participação e a representação de trabalhadores com deficiência, tanto nas estruturas decisórias dos sindicatos quanto naquelas existentes nas empresas ou nos setores profissionais. 6. MÍDIA A mídia deve criar e fortalecer parcerias com as organizações de pessoas com deficiência a fim de melhorar a descrição de pessoas com deficiência nos meios de comunicação de massa. Mais informações sobre pessoas com deficiência devem ser inseridas na mídia em reconhecimento à existência da diversidade humana. Quando se referir a questões de deficiência, a mídia deve evitar quaisquer abordagens condescendentes ou humilhantes e deve focalizar as barreiras enfrentadas por pessoas com deficiência e as contribuições positivas que as pessoas com deficiência podem dar à sociedade quando essas barreiras tenham sido removidas. 7. SISTEMA EDUCACIONAL As escolas devem assumir um dos papéis principais na disseminação da mensagem de compreensão e aceitação dos direitos das pessoas com deficiência, ajudando a banir medos, mitos e concepções falsas, e apoiando os esforços da comunidade inteira. Devem ser aumentados e extensamente disseminados os recursos educacionais destinados a ajudar os alunos: 1) a desenvolver neles mesmos e nos outros um senso de individualidade em relação à deficiência, e 2) a reconhecer mais positivamente as diferenças. É necessário realizar a educação para todos com base nos princípios de participação plena e igualdade. A educação desempenha um papel principal na definição do futuro para todas as pessoas, sob os pontos de vista pessoal, social e profissional. O sistema educacional tem de ser, portanto, o lugar principal para garantir o desenvolvimento pessoal e a inclusão social, o qual permitirá que crianças e adolescentes com deficiência sejam tão independentes quanto possível. O sistema educacional é o primeiro passo em direção a uma sociedade inclusiva. As escolas, faculdades e universidades devem, em cooperação com ativistas de movimentos ligados à deficiência, desencadear palestras e oficinas de conscientização sobre assuntos de deficiência, dirigidas a jornalistas, publicitários, arquitetos, empregadores, profissionais de saúde e de serviços sociais, atendentes familiares, voluntários e membros de governos locais. 9. UM ESFORÇO COMUM A QUE TODOS PODEM E DEVEM CONTRIBUIR Pessoas com deficiência procuram estar presentes em todos os setores da sociedade e isto requer que todas as organizações reexaminem suas práticas a fim de garantir que estas estejam projetadas de uma forma tal que as pessoas com deficiência possam contribuir para essas práticas e delas possam beneficiar-se. Exemplos de tais organizações incluem: organizações de consumidores, organizações de jovens, organizações religiosas, organizações culturais, outras organizações sociais que representem grupos específicos de cidadãos. É também importante envolver locais como, por exemplo, museus, teatros, cinemas, parques, estádios, centros de convenções, shopping centers e agências de correio. 10. DECLARAÇÃO DE SAPPORO, de 2002 Uma convocação da Disabled Peoples Internacional (DPI) para pessoas com deficiência de todo o mundo. Aprovada no dia 18 de outubro de 2002 por 3.000 pessoas, em sua maioria com deficiência, representando 109 países, por ocasião da 6ª Assembleia Mundial da Disabled Peoples International, realizada em Sapporo, Japão. Paz Na condição de pessoas com deficiência, nós nos opomos a guerras, violência e todas as formas de opressão. Todos os dias, homens, mulheres e crianças estão ficando deficientes por causa de minas terrestres e diversos tipos de destruição armada e tortura. Devemos trabalhar por um mundo onde todas as pessoas possam viver em paz e expressar sua diversidade e seus desejos. Uma Forte Voz Nossa A Disabled Peoples International deve continuar a crescer em força e voz. Nós somos os peritos sobre nossa situação e devemos ser consultados em todos os níveis, sobre todas as iniciativas pertinentes a nós. Se desejamos ter uma voz forte, devemos estar unidos em nosso trabalho, devemos construir uma organização forte. Devemos compartilhar nosso conhecimento, nossa experiência e nossos recursos e encorajar a formação de lideranças jovens. Devemos usar a tecnologia como um meio para comunicar, discutir e promover nossas questões e preocupações.  Direitos Humanos Sendo uma organização de direitos humanos, devemos buscar apoio para uma convenção que proteja e respeite nossos direitos humanos.  Devemos educar a nós mesmos, a sociedade civil, bem como nossos representantes governamentais em todos os níveis.   Devemos aprender das estratégias e dos sucessos de outros, tais como os sobreviventes de minas terrestres e das mulheres.  Nossos direitos são violados todos os dias; devemos continuar a reunir as evidências. Diversidade Interna A nossa organização em todos os níveis deve assegurar a inclusão de mulheres, jovens e outras minorias em nosso trabalho.  Devemos assegurar a participação através da igualdade em idiomas.  Devemos empenhar-nos para defender nosso compromisso para com nossos idiomas oficiais - o francês, o inglês e a língua de sinais.  Nós somos uma organização que acolhe todos os tipos de deficiência e devemos assegurar que todos os materiais sejam acessíveis em formato. Bioética Devemos tomar parte nas discussões sobre genética e bioética.  Devemos afirmar nosso direito de sermos diferentes.  Devemos repudiar qualquer discussão que associe o conceito de ‘pessoa’ a um conjunto de capacidades.  Devemos promover estudos sobre deficiências a fim de mudarmos a imagem da deficiência de uma forma positiva entre os acadêmicos. Vida Independente A autodeterminação e a vida independente são fundamentais aos nossos direitos humanos.  Devemos empreender um programa de educação das pessoas com deficiência e da sociedade civil a respeito do conceito de vida independente.  Devemos considerar as diferenças culturais na adaptação desse conceito em alguns países. Educação Inclusiva A participação plena começa desde a infância nas salas de aula, nas áreas de recreio e em programas e serviços.  Quando crianças com deficiência se sentam lado a lado com outras crianças, as nossas comunidades são enriquecidas pela consciência e aceitação de todas as crianças.  Devemos instar os governos em todo o mundo a erradicarem a educação segregada e estabelecer uma política de educação inclusiva. Desenvolvimento Internacional As organizações de desenvolvimento internacional devem avaliar suas políticas e seus programas e serviços a fim de assegurar a inclusão de pessoas com deficiência.  Devemos encorajar nossos governos, que financeiramente sustentam essas agências, a acolherem políticas específicas que, em provendo a oferta de serviços acessíveis e adequados, assegurem a participação plena das pessoas com deficiência. Conscientização do Público Nossas questões são muitas – geração de renda, educação, impacto da pobreza etc.  Devemos educar a sociedade civil e nossos representantes políticos a respeito de nossas preocupações.  Devemos aproveitar cada oportunidade para buscar a publicidade e a conscientização.  Devemos procurar mudar as imagens negativas sobre pessoas com deficiência a fim de que as gerações futuras venham a aceitar as pessoas com deficiência como participantes iguais em nossa sociedade. Conhecimento e Empoderamento Na condição de participantes desta assembleia, somos os poucos afortunados que pudemos vir aqui para ouvir uns aos outros, discutir nossos pontos de vista e reafirmar o compromisso para com o nosso trabalho.  Portanto, é nosso dever e responsabilidade comunicar aos companheiros em nossas bases sobre o que ocorreu aqui. Assim como nos sentimos empoderados por esta grande assembleia de 3.000 pessoas, devemos agora empoderar aqueles que não puderam comparecer. 10. DECLARAÇÃO DE CARACAS, de 2002 NÓS os participantes da Primeira Conferência da Rede Ibero-Americana de organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias, reunida em Caracas, entre os dias 14 e 18 de outubro de 2002, CONSIDERANDO Que a maior proporção de pessoas com deficiência de nossos países se encontra nos estratos mais pobres e carece de recursos mínimos indispensáveis para garantir uma boa qualidade de vida; Que é compromisso de todos elevar a qualidade de vida de pessoas com deficiência e suas famílias, por meio de serviços de qualidade em: saúde, educação, moradia e trabalho; criando sistemas integrais que garantam universalidade e gratuidade, mediante uma seguridade social equitativa, inclusão escolar, práticas esportivas, acesso pleno à moradia e ao trabalho, entre outros; que garantam plenitude de acesso aos bens sociais e sua participação cidadã como uma contribuição efetiva à vida comunitária; Que não existe equidade na atenção para todos, havendo grupos sociais e etários vulneráveis e/ou excluídos, tais como: meninos, meninas e adolescentes, mulheres, adultos, comunidades indígenas; Que fazemos nossa a Declaração de Manágua na qual vários povos manifestaram que: “Queremos uma sociedade baseada na equidade, na justiça, na igualdade e na interdependência, que assegure uma melhor qualidade de vida para todos sem discriminações de nenhum tipo; que reconheça e aceite a diversidade como fundamento para a convivência social. Que aspiramos a uma sociedade na qual o respeito à dignidade do ser humano e a condição de pessoa de todos os seus integrantes sejam valores fundamentais; Que é necessário obter a promulgação de políticas por parte dos governos de nossos países que garantam a vigência e o exercício real e efetivo dos direitos humanos das pessoas com deficiência”; Que ainda é insuficiente a ação dos governos de nossos países para tornar efetivas as Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, aprovadas pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas no dia 20 de dezembro de 1993; Que temos ouvido nos informes de cada país, relatados pelos respectivos delegados, que a maioria dos governos dos países latino-americanos não ratificou, perante a Secretaria Geral da OEA, a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência; Que é imprescindível uma cooperação mais ampla entre os organismos governamentais que atendem à problemática da deficiência e os movimentos associativos de pessoas com deficiência e suas famílias, para um fortalecimento efetivo da sociedade civil que garanta uma participação direta dos beneficiários na elaboração das políticas e dos serviços a eles destinados, Resolvemos de comum acordo Constituir a Rede Ibero-Americana de Organizações Não-Governamentais de Pessoas com Deficiência e suas Famílias como uma instância que promove, organiza e coordena ações para a defesa dos direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência e suas famílias; promovendo a organização e o fortalecimento dos movimentos associativos de âmbito nacional e sua composição mais ampla e participativa possível, constituindo-se em um interlocutor válido perante organismos governamentais e não governamentais, nacionais e internacionais. Declarar 2004 como o Ano das Pessoas com Deficiência e suas Famílias almejando a vigência efetiva das Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência e o cumprimento dos acordos estabelecidos na Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência. E CONVIDAR os Governos e Parlamentos dos países latino-americanos para fazerem a mesma declaração em seus respectivos territórios e na Região, através dos respectivos organismos. EXORTAR os governos latino-americanos signatários, que ainda não tenham ratificado a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência, a consignarem os instrumentos de ratificação perante a Secretaria Geral da OEA. SUGERIR aos governos dos países latino-americanos que nomeiem, como representante de Estado junto ao Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação por Razões de Deficiência, uma pessoa que tenha competência no âmbito da deficiência e tenha demonstrado compromisso - com as pessoas com deficiência e suas famílias - vinculado diretamente aos movimentos associativos desta comunidade, ou que represente um organismo governamental que atenda a problemas de deficiência. PROCLAMAR a nossa adesão à iniciativa do Governo do México para que a Assembleia Geral das Nações Unidas adote uma Convenção Internacional pelos Direitos Humanos e pelo Respeito à Dignidade das Pessoas com Deficiência. FAZER UMA CONVOCAÇÃO aos governos de nossos países para se manifestarem perante a Secretaria Geral das Nações Unidas e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em adesão à Convenção Internacional pelos Direitos Humanos e pelo Respeito à Dignidade das Pessoas com Deficiência, proposta pelo governo do México. CONVENÇÕES 11. CONVENÇÃO Nº 111/OIT sobre DISCRIMINAÇÃO EM MATÉRIA DE EMPREGO E PROFISSÃO (Decreto nº 62.150, de 19/janeiro/1968) A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, convocada em Genebra pelo Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho e reunida a 4 de junho de 1958, em sua quadragésima-segunda sessão; Após ter decidido adotar diversas disposições relativas à discriminação em matéria de emprego e profissão, assunto que constitui o quarto ponto de ordem no dia da sessão; Após ter decidido que essas disposições tomariam a forma de uma Convenção internacional; Considerando que a declaração de Filadélfia afirma que todos os seres humanos, seja qual for a raça, credo ou sexo tem direito ao progresso material e desenvolvimento espiritual em liberdade e dignidade, em segurança econômica e com oportunidades iguais; Considerando, por outro lado, que a discriminação constitui uma violação dos direitos enunciados na Declaração Universal dos Direitos do Homem, adota, neste vigésimo quinto dia de junho de mil novecentos e cinqüenta e oito, a Convenção abaixo transcrita que será denominada Convenção sobre a Discriminação em matéria de emprego e profissão, 1958. Artigo 1 1. Para os fins da presente convenção, o termo “discriminação” compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenta por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; b) Qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que poderá ser especificada pelo Membro interessado depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, e outros organismos adequados. 2. As distinções, exclusões ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego não são consideradas como discriminação. 3. Para os fins da presente convenção as palavras “emprego” e “profissão” incluem o acesso à formação profissional, ao emprego e às diferentes profissões, bem como às condições de emprego. Artigo 2 Qualquer membro para o qual a presente convenção se encontre em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com o objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. Artigo 3 Qualquer membro para o qual a presente convenção se encontra em vigor deve, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais: a) Esforçar-se por obter a colaboração das organizações de empregadores e trabalhadores e de outros organismos apropriados, com o fim de favorecer a aceitação e aplicação desta política; b) Promulgar leis e encorajar os programas de educação próprios e assegurar esta aceitação e esta aplicação; c) Revogar todas as disposições legislativas e modificar todas as disposições ou práticas administrativas que sejam incompatíveis com a referida política; d) Seguir a referida política no que diz respeito a empregos dependentes do controle direto de uma autoridade nacional; e) Assegurar a aplicação da referida política nas atividades dos serviços de orientação profissional, formação profissional e colocação dependentes do controle de uma autoridade nacional; f) Indicar, nos seus relatórios anuais sobre a aplicação da convenção, as medidas tomadas em conformidade com esta política e os resultados obtidos. Artigo 4 Não são consideradas como discriminação quaisquer medidas tomadas em relação a uma pessoa que, individualmente, seja objeto de uma suspeita legítima de se entregar a uma atividade se encontre realmente comprovada, desde que a referida pessoa tenha o direito de recorrer a uma instância competente, estabelecida de acordo com a prática nacional. Artigo 5 As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação. 2. Qualquer membro pode, depois de consultadas as organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas existam, definir como não discriminatórias quaisquer outras medidas especiais que tenham por fim salvaguardar as necessidades particulares de pessoas em relação às quais a atribuição de uma proteção ou assistência especial seja de uma maneira geral, reconhecida como necessária, por razões tal, como o sexo, a invalidez, os encargos de família ou o nível social ou cultural. Artigo 6 Qualquer membro que ratificar a presente convenção compromete-se a aplicá-la aos territórios não metropolitanos de acordo com as disposições da Constituição da Organização Internacional do Trabalho. Artigo 7 As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registradas. Artigo 8 1.A presente Convenção somente vinculará os Membros da Organização Internacional do Trabalho cuja ratificação tiver sido registrada pelo Diretor-Geral. 2. A Convenção entrará em vigor doze meses após registradas pelo Diretor-Geral as ratificações de dois dos Membros. 3. Em seguida, esta Convenção entrará em vigor, para cada Membro, doze meses após a data do registro da respectiva ratificação. Artigo 9 1. Qualquer Membro que tiver ratificado a presente Convenção pode denunciá-la no término de um período de dez anos após a data da entrada em vigor inicial da Convenção por um ato comunicado ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A denúncia só produzirá efeito um ano após ter sido registrada. 2. Qualquer Membro que tiver ratificado a presente convenção que, no prazo de um ano, depois de expirado o período de dez anos mencionados no parágrafo anterior, e que não fizer uso da faculdade de denúncia prevista, no presente artigo, ficará vinculado por um novo período de dez anos, e, em seguida, poderá denunciar a presente Convenção no término de cada período de dez anos, observadas as condições estabelecidas no presente artigo. Artigo 10 O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho notificará a todos os membros da Organização Internacional do Trabalho e registro de todas as ratificações e denúncias que lhe forem comunicadas pelos Membros da Organização. Ao notificar aos membros da Organização o registro da segunda ratificação que lhe tiver sido comunicada o Diretor-Geral chamará a atenção dos membros da Organização para a data em que a presente convenção entrará em vigor. Artigo 11 O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comunicará ao Secretário-Geral das Nações Unidas para efeitos de registro de acordo com o artigo 102º da Carta das Nações Unidas. Informações completas a respeito de todas as ratificações e todos os atos de denúncia que tiver registrado, nos termos dos artigos precedentes. Artigo 12 Sempre que o julgar necessário, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho apresentará a Conferência Geral um relatório sobre a aplicação da presente convenção e decidirá da oportunidade de inscrever na ordem do dia da Conferência a questão da sua revisão total ou parcial. Artigo 13 1. No caso de a Conferência adotar uma nova convenção que implique em revisão total ou parcial da presente convenção, e salvo disposição em contrário da nova convenção: a) A ratificação da nova convenção de revisão por um Membro implicará, ipso jure a denúncia imediata da presente convenção, não obstante o disposto no artigo 9º, e sob reserva de que a nova convenção de revisão tenha entrada em vigor; b) A partir da data de entrada em vigor da nova convenção, a presente convenção deixa de estar aberta a ratificação dos Membros. 2. A presente convenção continuará, todavia, em vigor na sua forma e conteúdo para os membros que a tiverem ratificado e que não ratificarem a convenção de revisão. Artigo 14 As versões francesa e inglesa do texto da presente convenção fazem igualmente fé.O texto que precede é o texto autêntico da convenção devidamente adotada pela Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, em sua quadragésima-segunda sessão, que se reuniu em Genebra e que foi encerrada a 26 de junho de 1958: O presidente da Conferência B.K. DAS. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, David A. Morse. 12. CONVENÇÃO Nº 159/OIT sobre REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGO DE PESSOAS DEFICIENTES (Decreto nº 129, de 22/maio/1991) A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho: Convocada em Genebra pelo Conselho de Administração do Escritório Internacional do Trabalho e realizada nessa cidade em 1º de junho de 1983, em sua sexagésima nona reunião; Tendo tomado conhecimento das normas internacionais existentes e contidas na Recomendação sobre a habilitação e reabilitação profissionais dos deficientes, 1955, e na Recomendação sobre o desenvolvimento dos recursos humanos, 1975; Tomando conhecimento de que, desde a adoção da Recomendação sobre a habilitação e reabilitação profissional dos deficientes, 1955, foi registrado um significativo progresso na compreensão, das necessidades da reabilitação, na extensão e organização dos serviços de reabilitação e na legislação e no desempenho de muitos Países Membros em relação às questões cobertas por essa recomendação; Considerando que a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou 1981 o Ano Internacional das Pessoas Deficientes, com o tema “Participação plena e igualdade”, e que um programa de ação mundial relativo às pessoas deficientes permitiria a adoção de medidas eficazes a nível nacional e internacional para atingir metas de “participação plena” das pessoas deficientes na vida social e no desenvolvimento, assim como de “igualdade”; Depois de haver decidido que esses progressos tornaram oportuna a conveniência de adotar novas normas internacionais sobre o assunto, que levem em consideração, em particular, a necessidade de assegurar, tanto nas zonas rurais como nas urbanas, a igualdade de oportunidade e tratamento a todas as categorias de pessoas deficientes no que se refere a emprego e integração na comunidade; Depois de haver determinado que estas proposições devam ter a forma de uma convenção, adota com a data de vinte de junho de mil novecentos e oitenta e três, a presente Convenção sobre reabilitação e emprego (pessoas deficientes), 1983. PARTE I - DEFINIÇÕES E CAMPO DE APLICAÇÃO Artigo 1 1. Para efeito desta Convenção, entende-se por “pessoa deficiente “todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada. 2. Para efeitos desta Convenção, todo o País Membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade. 3. Todo País Membro aplicará os dispositivos desta Convenção através de medidas adequadas às condições nacionais e de acordo com a experiência (costumes, uso e hábitos) nacional. 4. As proposições desta Convenção serão aplicáveis a todas as categorias de pessoas deficientes. PARTE II - PRINCÍPIOS DA POLÍTICA DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGO PARA PESSOAS DEFICIENTES Artigo 2 De acordo com as condições nacionais, experiências e possibilidades nacionais, cada País Membro formulará, aplicará e periodicamente revisará a política nacional sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas deficientes. Artigo 3 Essa política deverá ter por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilitação profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas deficientes e promover oportunidades de emprego para as pessoas deficientes no mercado regular de trabalho. Artigo 4 Essa política deverá ter como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores deficientes e dos trabalhadores em geral. Dever-se-á respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento para as trabalhadoras deficientes. As medidas positivas especiais com a finalidade de atingir a igualdade efetiva de oportunidades e de tratamento entre trabalhadores deficientes e os demais trabalhadores, não devem ser vistas como discriminatórias em relação a estes últimos. Artigo 5 As organizações representativas de empregadores e de empregados devem ser consultadas sobre a aplicação dessa política e em particular sobre as medidas que devem ser adotadas para promover a cooperação e coordenação dos organismos públicos e particulares que participam nas atividades de reabilitação profissional. As organizações representativas de e para deficientes devem, também ser consultadas. PARTE III - MEDIDAS A NÍVEL NACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO DE SERVIÇO DE REABILITAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGO PARA PESSOAS DEFICIENTES Artigo 6 Todo o País Membro, mediante legislação nacional e por outros procedimentos, de conformidade com as condições e experiências nacionais, deverá adotar as medidas necessárias para aplicar os Artigos 2, 3, 4 e 5 da presente Convenção. Artigo 7 As autoridades competentes deverão adotar medidas para proporcionar e avaliar os serviços de orientação e formação profissional, colocação, emprego e outros semelhantes, a fim de que as pessoas deficientes possam obter e conservar um emprego e progredir no mesmo; sempre que for possível e adequado, serão utilizados os serviços existentes para os trabalhadores em geral, com as adaptações necessárias. Artigo 8 Adotar-se-ão medidas para promover o estabelecimento e desenvolvimento de serviços de reabilitação profissional e de emprego para pessoas deficientes na zona rural e nas comunidades distantes. Artigo 9 Todo País Membro deverá esforçar-se para assegurar a formação e a disponibilidade de assessores em matéria de reabilitação e outro tipo de pessoal qualificado que se ocupe da orientação profissional, da formação profissional, da colocação e do emprego de pessoas deficientes. PARTE IV - Disposições Finais Artigo 10 As ratificações formais da presente Convenção serão comunicadas para o devido registro, ao Diretor Geral do Escritório Internacional do Trabalho. Artigo 11 1. Esta Convenção obrigará unicamente aqueles Países Membros da Organização Internacional do Trabalho, cujas ratificações tenham sido registrada pelo Diretor-Geral. 2. Entrará em vigor doze meses após a data em que as ratificações de dois dos Países Membros tenham sido registradas pelo Diretor-Geral. 3. A partir desse momento, esta Convenção entrará em vigor, para cada País Membro, doze meses após a data em que tenha sido registrada sua ratificação. Artigo 12 1. Todo País Membro que tenha ratificado esta Convenção poderá suspender, por um período de dez anos, a partir da data em que tenha sido posta inicialmente em vigor, mediante um comunicado ao Diretor-Geral do Trabalho, para o devido registro. A suspensão somente passará a vigorar um ano após a data em que tenha sido registrada. 2. Todo País Membro que tenha ratificado esta Convenção e que, no prazo de um ano após a expiração do período de dez anos mencionado no parágrafo anterior, não tenha feito uso do direito de suspensão previsto neste Artigo será obrigado, durante um novo período de dez anos, e no ano seguinte poderá suspender esta Convenção na expiração de cada período de dez anos, nas condições previstas neste Artigo. Artigo 13 1. O Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho notificará todos os Países Membros da Organização Internacional do Trabalho, o registro do número de ratificações, declarações e suspensões que lhe forem comunicadas por aqueles. 2. Ao notificar os Países Membros da Organização, o registro da segunda ratificação que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral chamará a atenção dos Países Membros da Organização sobre a data em que entrará em vigor a presente Convenção. Artigo 14 O Diretor-Geral do Escritório Internacional do Trabalho comunicará ao Secretário-Geral das Nações Unidas, os efeitos do registro e de acordo com o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas, uma informação completa sobre todas as ratificações, declarações e ofícios de suspensão que tenham sido registrados de acordo com os Artigos anteriores. Artigo 15 Cada vez que considere necessário, o Conselho Administrativo do Escritório Internacional do Trabalho apresentará na Conferência um relatório sobre a aplicação da Convenção, e considerará a conveniência de incluir na ordem do dia da Conferência a questão da revisão total ou parcial. Artigo 16 1. No caso da Conferência adotar uma nova Convenção que implique uma revisão total ou parcial da presente, e a menos que uma nova Convenção contenha dispositivos em contrário: a) a ratificação, por um País Membro, de novo Convênio, implicará, ipso jure, a notificação imediata deste Convênio, não obstante as disposições contidas no Artigo 12, sempre que o novo Convênio tenha entrado em vigor; b) a partir da data em que entre em vigor o novo Convênio, o presente Convênio cessará para as ratificações pelos Países Membros. 2. Este Convênio continuará em vigor, em todo caso, em sua forma e conteúdo atuais, para os Países Membros, que o tenham ratificado e não ratifiquem um Convênio revisado. Artigo 17 As versões inglesa e francesa do texto deste Convênio são igualmente autênticas. 13. CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA (Decreto n° 3.956, de 8/outubro/2001) A Assembleia Geral, tendo visto o relatório do Conselho Permanente sobre o projeto de Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (CP/CAJP-1532/99); Considerando que, em seu Vigésimo Sexto Período Ordinário de Sessões, a Assembleia Geral, mediante a resolução AG/RES. 1369 (XXVI-O/96), “Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano”, encarregou o Conselho Permanente de, por intermédio de um Grupo de Trabalho correspondente, preparar um projeto de convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação por razões de deficiência; Levando em conta que a deficiência pode dar origem a situações de discriminação, pelo qual é necessário propiciar o desenvolvimento de ações e medidas que permitam melhorar substancialmente a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério; Considerando que a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem proclama que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que os direitos e liberdades de cada pessoa devem ser respeitados sem qualquer distinção; Levando em consideração que o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador”, reconhece que “toda pessoa afetada por diminuição de suas capacidades físicas ou mentais tem direito a receber atenção especial, a fim de alcançar o máximo desenvolvimento da sua personalidade”; Tomando nota de que a resolução AG/RES. 1564 (XXVIII-O/98) reitera “a importância da adoção de uma Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência” e solicita também que sejam envidados todos os esforços necessários para que este instrumento jurídico seja aprovado e assinado no Vigésimo Nono Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos, Resolve adotar a seguinte Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Os Estados Partes nesta Convenção, Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas à discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano; Considerando que a Carta da Organização dos Estados Americanos, em seu artigo 3, j, estabelece como princípio que “a justiça e a segurança sociais são bases de uma paz duradoura”; Preocupados com a discriminação de que são objeto as pessoas em razão de suas deficiências; Tendo presente o Convênio sobre a Readaptação Profissional e o Emprego de Pessoas Inválidas da Organização Internacional do Trabalho (Convênio 159); a Declaração dos Direitos do Retardado Mental (AG 26/2856, de 20 de dezembro de 1971); a Declaração das Nações Unidas dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência (Resolução nº 3447, de 9 de dezembro de 1975); o Programa de Ação Mundial para as Pessoas Portadoras de Deficiência, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 37/52, de 3 de dezembro de 1982); o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador” (1988); os Princípios para a Proteção dos Doentes Mentais e para a Melhoria do Atendimento de Saúde Mental (AG 46/119, de 17 de dezembro de 1991); a Declaração de Caracas da Organização Pan-Americana da Saúde; a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Continente Americano (AG/RES 1249, XXIII-O/93); as Normas Uniformes sobre Igualdade de Oportunidades para as Pessoas Portadoras de Deficiência (AG 48/96, de 20 de dezembro de 1993); a Declaração de Manágua, de 20 de dezembro de 1993; a Declaração de Viena e Programa de Ação aprovados pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, das Nações Unidas (157/93); a resolução sobre a situação das pessoas portadoras de deficiência no Hemisfério Americano (AG/RES 1356, XXV-O/95) e o Compromisso do Panamá com as Pessoas Portadoras de Deficiência no Continente Americano (AG/RES 1369, XXVI-O/96); E Comprometidos a eliminar a discriminação, em todas suas formas e manifestações, contra as pessoas portadoras de deficiência, convieram no seguinte: Artigo 1 Para os efeitos desta Convenção, entende-se por: 1. Deficiência O termo “deficiência” significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. 2. Discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência a) o termo “discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência” significa toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, antecedente de deficiência, consequência de deficiência anterior ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais. b) Não constitui discriminação a diferenciação ou preferência adotada pelo Estado Parte para promover a integração social ou o desenvolvimento pessoal dos portadores de deficiência, desde que a diferenciação ou preferência não limite em si mesma o direito à igualdade dessas pessoas e que elas não sejam obrigadas a aceitar tal diferenciação ou preferência. Nos casos em que a legislação interna preveja a declaração de interdição, quando for necessária e apropriada para o seu bem-estar, esta não constituirá discriminação. Artigo 2 Esta Convenção tem por objetivo prevenir e eliminar todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e propiciar a sua plena integração à sociedade. Artigo 3 Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a: 1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser consideradas exclusivas: a) medidas das autoridades governamentais e/ou entidades privadas para eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habitação, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração; b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência; c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstáculos arquitetônicos, de transporte e comunicações que existam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; d) medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta matéria estejam capacitadas a fazê-lo. 2. Trabalhar prioritariamente nas seguintes áreas: a) prevenção de todas as formas de deficiência preveníveis; b) detecção e intervenção precoce, tratamento, reabilitação, educação, formação ocupacional e prestação de serviços completos para garantir o melhor nível de independência e qualidade de vida para as pessoas portadoras de deficiência; c) sensibilização da população, por meio de campanhas de educação, destinadas a eliminar preconceitos, estereótipos e outras atitudes que atentam contra o direito das pessoas a serem iguais, permitindo desta forma o respeito e a convivência com as pessoas portadoras de deficiência. Artigo 4 Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes comprometem-se a: 1. Cooperar entre si a fim de contribuir para a prevenção e eliminação da discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. 2. Colaborar de forma efetiva no seguinte: a) pesquisa científica e tecnológica relacionada com a prevenção das deficiências, o tratamento, a reabilitação e a integração na sociedade de pessoas portadoras de deficiência; b) desenvolvimento de meios e recursos destinados a facilitar ou promover a vida independente, a autossuficiência e a integração total, em condições de igualdade, à sociedade das pessoas portadoras de deficiência. Artigo 5 1. Os Estados Partes promoverão, na medida em que isto for coerente com as suas respectivas legislações nacionais, a participação de representantes de organizações de pessoas portadoras de deficiência, de organizações não governamentais que trabalham nessa área ou, se essas organizações não existirem, de pessoas portadoras de deficiência, na elaboração, execução e avaliação de medidas e políticas para aplicar esta Convenção. 2. Os Estados Partes criarão canais de comunicação eficazes que permitam difundir entre as organizações públicas e privadas que trabalham com pessoas portadoras de deficiência os avanços normativos e jurídicos ocorridos para a eliminação da discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. Artigo 6 1. Para dar acompanhamento aos compromissos assumidos nesta Convenção, será estabelecida uma Comissão para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, constituída por um representante designado por cada Estado Parte. 2. A Comissão realizará a sua primeira reunião dentro dos 90 dias seguintes ao depósito do décimo primeiro instrumento de ratificação. Essa reunião será convocada pela Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos e será realizada na sua sede, salvo se um Estado Parte oferecer sede. 3. Os Estados Partes comprometem-se, na primeira reunião, a apresentar um relatório ao Secretário-Geral da Organização para que o envie à Comissão para análise e estudo. No futuro, os relatórios serão apresentados a cada quatro anos. 4. Os relatórios preparados em virtude do parágrafo anterior deverão incluir as medidas que os Estados membros tiverem adotado na aplicação desta Convenção e qualquer progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência. Os relatórios também conterão toda circunstância ou dificuldade que afete o grau de cumprimento decorrente desta Convenção. 5. A Comissão será o foro encarregado de examinar o progresso registrado na aplicação da Convenção e de intercambiar experiências entre os Estados Partes. Os relatórios que a Comissão elaborará refletirão o debate havido e incluirão informação sobre as medidas que os Estados Partes tenham adotado em aplicação desta Convenção, o progresso alcançado na eliminação de todas as formas de discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência, as circunstâncias ou dificuldades que tenham tido na implementação da Convenção, bem como as conclusões, observações e sugestões gerais da Comissão para o cumprimento progressivo da mesma. 6. A Comissão elaborará o seu regulamento interno e o aprovará por maioria absoluta. 7. O Secretário-Geral prestará à Comissão o apoio necessário para o cumprimento de suas funções. Artigo 7 Nenhuma disposição desta Convenção será interpretada no sentido de restringir ou permitir que os Estados Partes limitem o gozo dos direitos das pessoas portadoras de deficiência reconhecidos pelo Direito Internacional consuetudinário ou pelos instrumentos internacionais vinculantes para um determinado Estado Parte. Artigo 8 1. Esta Convenção estará aberta a todos os Estados membros para sua assinatura, na cidade da Guatemala, Guatemala, em 8 de junho de 1999 e, a partir dessa data, permanecerá aberta à assinatura de todos os Estados na sede da Organização dos Estados Americanos até sua entrada em vigor. 2. Esta Convenção está sujeita a ratificação. 3. Esta Convenção entrará em vigor para os Estados ratificantes no trigésimo dia a partir da data em que tenha sido depositado o sexto instrumento de ratificação de um Estado membro da Organização dos Estados Americanos. Artigo 9 Depois de entrar em vigor, esta Convenção estará aberta à adesão de todos os Estados que não a tenham assinado. Artigo 10 1. Os instrumentos de ratificação e adesão serão depositados na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. 2. Para cada Estado que ratificar a Convenção ou aderir a ela depois do depósito do sexto instrumento de ratificação, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que esse Estado tenha depositado seu instrumento de ratificação ou adesão. Artigo 11 1. Qualquer Estado Parte poderá formular propostas de emenda a esta Convenção. As referidas propostas serão apresentadas à Secretaria Geral da OEA para distribuição aos Estados Partes. 2. As emendas entrarão em vigor para os Estados ratificantes das mesmas na data em que dois terços dos Estados Partes tenham depositado o respectivo instrumento de ratificação. 3. No que se refere ao restante dos Estados partes, entrarão em vigor na data em que depositarem seus respectivos instrumentos de ratificação. Artigo 12 Os Estados poderão formular reservas a esta Convenção no momento de ratificá-la ou a ela aderir, desde que essas reservas não sejam incompatíveis com o objetivo e propósito da Convenção e versem sobre uma ou mais disposições específicas. Artigo 13 Esta Convenção vigorará indefinidamente, mas qualquer Estado Parte poderá denunciá-la. O instrumento de denúncia será depositado na Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos. Decorrido um ano a partir da data de depósito do instrumento de denúncia, a Convenção cessará seus efeitos para o Estado denunciante, permanecendo em vigor para os demais Estados Partes. A denúncia não eximirá o Estado Parte das obrigações que lhe impõe esta Convenção com respeito a qualquer ação ou omissão ocorrida antes da data em que a denúncia tiver produzido seus efeitos. Artigo 14 1. O instrumento original desta Convenção, cujos textos em espanhol, francês, inglês e português são igualmente autênticos, será depositado na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, que enviará cópia autenticada de seu texto, para registro e publicação, ao Secretariado das Nações Unidas, em conformidade com o artigo 102 da Carta das Nações Unidas. 2. A Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos notificará os Estados membros dessa Organização e os Estados que tiverem aderido à Convenção sobre as assinaturas, os depósitos dos instrumentos de ratificação, adesão ou denúncia, bem como sobre as eventuais reservas. Assembleia Geral Vigésimo Nono Período Ordinário De Sessões 6 de junho de 1999 AG/doc. 3826/99 Guatemala 28 maio 1999 14. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA (Decreto nº 6.949, de 25/agosto/2009) PREÂMBULO Os Estados Partes da presente Convenção, a) Relembrando os princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que reconhecem a dignidade e o valor inerentes e os direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, b) Reconhecendo que as Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos, proclamaram e concordaram que toda pessoa faz jus a todos os direitos e liberdades ali estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, c) Reafirmando a universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade de garantir que todas as pessoas com deficiência os exerçam plenamente, sem discriminação, d) Relembrando o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias, e) Reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, f) Reconhecendo a importância dos princípios e das diretrizes de política, contidos no Programa de Ação Mundial para as Pessoas Deficientes e nas Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência, para influenciar a promoção, a formulação e a avaliação de políticas, planos, programas e ações em níveis nacional, regional e internacional para possibilitar maior igualdade de oportunidades para pessoas com deficiência, g) Ressaltando a importância de trazer questões relativas à deficiência ao centro das preocupações da sociedade como parte integrante das estratégias relevantes de desenvolvimento sustentável, h) Reconhecendo também que a discriminação contra qualquer pessoa, por motivo de deficiência, configura violação da dignidade e do valor inerentes ao ser humano, i) Reconhecendo ainda a diversidade das pessoas com deficiência, j) Reconhecendo a necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas com deficiência, inclusive daquelas que requerem maior apoio, k) Preocupados com o fato de que, não obstante esses diversos instrumentos e compromissos, as pessoas com deficiência continuam a enfrentar barreiras contra sua participação como membros iguais da sociedade e violações de seus direitos humanos em todas as partes do mundo, l) Reconhecendo a importância da cooperação internacional para melhorar as condições de vida das pessoas com deficiência em todos os países, particularmente naqueles em desenvolvimento, m) Reconhecendo as valiosas contribuições existentes e potenciais das pessoas com deficiência ao bem-estar comum e à diversidade de suas comunidades, e que a promoção do pleno exercício, pelas pessoas com deficiência, de seus direitos humanos e liberdades fundamentais e de sua plena participação na sociedade resultará no fortalecimento de seu senso de pertencimento à sociedade e no significativo avanço do desenvolvimento humano, social e econômico da sociedade, bem como na erradicação da pobreza, n) Reconhecendo a importância, para as pessoas com deficiência, de sua autonomia e independência individuais, inclusive da liberdade para fazer as próprias escolhas, o) Considerando que as pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de participar ativamente das decisões relativas a programas e políticas, inclusive aos que lhes dizem respeito diretamente, p) Preocupados com as difíceis situações enfrentadas por pessoas com deficiência que estão sujeitas a formas múltiplas ou agravadas de discriminação por causa de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, origem nacional, étnica, nativa ou social, propriedade, nascimento, idade ou outra condição, q) Reconhecendo que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, r) Reconhecendo que as crianças com deficiência devem gozar plenamente de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidades com as outras crianças e relembrando as obrigações assumidas com esse fim pelos Estados Partes na Convenção sobre os Direitos da Criança, s) Ressaltando a necessidade de incorporar a perspectiva de gênero aos esforços para promover o pleno exercício dos direitos humanos e liberdades fundamentais por parte das pessoas com deficiência, t) Salientando o fato de que a maioria das pessoas com deficiência vive em condições de pobreza e, nesse sentido, reconhecendo a necessidade crítica de lidar com o impacto negativo da pobreza sobre pessoas com deficiência, u) Tendo em mente que as condições de paz e segurança baseadas no pleno respeito aos propósitos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas e a observância dos instrumentos de direitos humanos são indispensáveis para a total proteção das pessoas com deficiência, particularmente durante conflitos armados e ocupação estrangeira, v) Reconhecendo a importância da acessibilidade aos meios físico, social, econômico e cultural, à saúde, à educação e à informação e comunicação, para possibilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, w) Conscientes de que a pessoa tem deveres para com outras pessoas e para com a comunidade a que pertence e que, portanto, tem a responsabilidade de esforçar-se para a promoção e a observância dos direitos reconhecidos na Carta Internacional dos Direitos Humanos, x) Convencidos de que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, y) Convencidos de que uma convenção internacional geral e integral para promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência prestará significativa contribuição para corrigir as profundas desvantagens sociais das pessoas com deficiência e para promover sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos, Acordaram o seguinte: Artigo 1 Propósito O propósito da presente Convenção é promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Artigo 2 Definições Para os propósitos da presente Convenção: “Comunicação” abrange as línguas, a visualização de textos, o braille, a comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos de multimídia acessível, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizada e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, inclusive a tecnologia da informação e comunicação acessíveis; “Língua” abrange as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não falada; “Discriminação por motivo de deficiência” significa qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável; “Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais; “Desenho universal” significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico. O “desenho universal” não excluirá as ajudas técnicas para grupos específicos de pessoas com deficiência, quando necessárias. Artigo 3 Princípios gerais Os princípios da presente Convenção são: a) O respeito pela dignidade inerente, à autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. Artigo 4 Obrigações gerais 1. Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência. Para tanto, os Estados Partes se comprometem a: a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção; b) Adotar todas as medidas necessárias, inclusive legislativas, para modificar ou revogar leis, regulamentos, costumes e práticas vigentes, que constituírem discriminação contra pessoas com deficiência; c) Levar em conta, em todos os programas e políticas, a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas com deficiência; d) Abster-se de participar em qualquer ato ou prática incompatível com a presente Convenção e assegurar que as autoridades públicas e instituições atuem em conformidade com a presente Convenção; e) Tomar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação baseada em deficiência, por parte de qualquer pessoa, organização ou empresa privada; f) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento de produtos, serviços, equipamentos e instalações com desenho universal, conforme definidos no Artigo 2 da presente Convenção, que exijam o mínimo possível de adaptação e cujo custo seja o mínimo possível, destinados a atender às necessidades específicas de pessoas com deficiência, a promover sua disponibilidade e seu uso e a promover o desenho universal quando da elaboração de normas e diretrizes; g) Realizar ou promover a pesquisa e o desenvolvimento, bem como a disponibilidade e o emprego de novas tecnologias, inclusive as tecnologias da informação e comunicação, ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, adequados a pessoas com deficiência, dando prioridade a tecnologias de custo acessível; h) Propiciar informação acessível para as pessoas com deficiência a respeito de ajudas técnicas para locomoção, dispositivos e tecnologias assistivas, incluindo novas tecnologias bem como outras formas de assistência, serviços de apoio e instalações; i) Promover a capacitação em relação aos direitos reconhecidos pela presente Convenção dos profissionais e equipes que trabalham com pessoas com deficiência, de forma a melhorar a prestação de assistência e serviços garantidos por esses direitos. 2. Em relação aos direitos econômicos, sociais e culturais, cada Estado Parte se compromete a tomar medidas, tanto quanto permitirem os recursos disponíveis e, quando necessário, no âmbito da cooperação internacional, a fim de assegurar progressivamente o pleno exercício desses direitos, sem prejuízo das obrigações contidas na presente Convenção que forem imediatamente aplicáveis de acordo com o direito internacional. 3. Na elaboração e implementação de legislação e políticas para aplicar a presente Convenção e em outros processos de tomada de decisão relativos às pessoas com deficiência, os Estados Partes realizarão consultas estreitas e envolverão ativamente pessoas com deficiência, inclusive crianças com deficiência, por intermédio de suas organizações representativas. 4. Nenhum dispositivo da presente Convenção afetará quaisquer disposições mais propícias à realização dos direitos das pessoas com deficiência, as quais possam estar contidas na legislação do Estado Parte ou no direito internacional em vigor para esse Estado. Não haverá nenhuma restrição ou derrogação de qualquer dos direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte da presente Convenção, em conformidade com leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob a alegação de que a presente Convenção não reconhece tais direitos e liberdades ou que os reconhece em menor grau. 5. As disposições da presente Convenção se aplicam, sem limitação ou exceção, a todas as unidades constitutivas dos Estados federativos. Artigo 5 Igualdade e não discriminação 1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei. 2. Os Estados Partes proibirão qualquer discriminação baseada na deficiência e garantirão às pessoas com deficiência igual e efetiva proteção legal contra a discriminação por qualquer motivo. 3. A fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida. 4. Nos termos da presente Convenção, as medidas específicas que forem necessárias para acelerar ou alcançar a efetiva igualdade das pessoas com deficiência não serão consideradas discriminatórias. Artigo 6 Mulheres com deficiência 1. Os Estados Partes reconhecem que as mulheres e meninas com deficiência estão sujeitas a múltiplas formas de discriminação e, portanto, tomarão medidas para assegurar às mulheres e meninas com deficiência o pleno e igual exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. 2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar o pleno desenvolvimento, o avanço e o empoderamento das mulheres, a fim de garantir-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais estabelecidos na presente Convenção. Artigo 7 Crianças com deficiência 1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças. 2. Em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial. 3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência tenham o direito de expressar livremente sua opinião sobre todos os assuntos que lhes disserem respeito, tenham a sua opinião devidamente valorizada de acordo com sua idade e maturidade, em igualdade de oportunidades com as demais crianças, e recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito. Artigo 8 Conscientização 1. Os Estados Partes se comprometem a adotar medidas imediatas, efetivas e apropriadas para: a) Conscientizar toda a sociedade, inclusive as famílias, sobre as condições das pessoas com deficiência e fomentar o respeito pelos direitos e pela dignidade das pessoas com deficiência; b) Combater estereótipos, preconceitos e práticas nocivas em relação a pessoas com deficiência, inclusive aqueles relacionados a sexo e idade, em todas as áreas da vida; c) Promover a conscientização sobre as capacidades e contribuições das pessoas com deficiência. 2. As medidas para esse fim incluem: a) Lançar e dar continuidade a efetivas campanhas de conscientização públicas, destinadas a: i) Favorecer atitude receptiva em relação aos direitos das pessoas com deficiência; ii) Promover percepção positiva e maior consciência social em relação às pessoas com deficiência; iii) Promover o reconhecimento das habilidades, dos méritos e das capacidades das pessoas com deficiência e de sua contribuição ao local de trabalho e ao mercado laboral; b) Fomentar em todos os níveis do sistema educacional, incluindo neles todas as crianças desde tenra idade, uma atitude de respeito para com os direitos das pessoas com deficiência; c) Incentivar todos os órgãos da mídia a retratar as pessoas com deficiência de maneira compatível com o propósito da presente Convenção; d) Promover programas de formação sobre sensibilização a respeito das pessoas com deficiência e sobre os direitos das pessoas com deficiência. Artigo 9 Acessibilidade 1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida, os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros serviços e instalações abertos ao público ou de uso público, tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a: a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho; b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços eletrônicos e serviços de emergência. 2. Os Estados Partes também tomarão medidas apropriadas para: a) Desenvolver, promulgar e monitorar a implementação de normas e diretrizes mínimas para a acessibilidade das instalações e dos serviços abertos ao público ou de uso público; b) Assegurar que as entidades privadas que oferecem instalações e serviços abertos ao público ou de uso público levem em consideração todos os aspectos relativos à acessibilidade para pessoas com deficiência; c) Proporcionar, a todos os atores envolvidos, formação em relação às questões de acessibilidade com as quais as pessoas com deficiência se confrontam; d) Dotar os edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público de sinalização em braille e em formatos de fácil leitura e compreensão; e) Oferecer formas de assistência humana ou animal e serviços de mediadores, incluindo guias, ledores e intérpretes profissionais da língua de sinais, para facilitar o acesso aos edifícios e outras instalações abertas ao público ou de uso público; f) Promover outras formas apropriadas de assistência e apoio a pessoas com deficiência, a fim de assegurar a essas pessoas o acesso a informações; g) Promover o acesso de pessoas com deficiência a novos sistemas e tecnologias da informação e comunicação, inclusive à Internet; h) Promover, desde a fase inicial, a concepção, o desenvolvimento, a produção e a disseminação de sistemas e tecnologias de informação e comunicação, a fim de que esses sistemas e tecnologias se tornem acessíveis a custo mínimo. Artigo 10 Direito à vida Os Estados Partes reafirmam que todo ser humano tem o inerente direito à vida e tomarão todas as medidas necessárias para assegurar o efetivo exercício desse direito pelas pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Artigo 11 Situações de risco e emergências humanitárias Em conformidade com suas obrigações decorrentes do direito internacional, inclusive do direito humanitário internacional e do direito internacional dos direitos humanos, os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais. Artigo 12 Reconhecimento igual perante a lei 1. Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito de ser reconhecidas em qualquer lugar como pessoas perante a lei. 2. Os Estados Partes reconhecerão que as pessoas com deficiência gozam de capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas em todos os aspectos da vida. 3. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para prover o acesso de pessoas com deficiência ao apoio que necessitarem no exercício de sua capacidade legal. 4. Os Estados Partes assegurarão que todas as medidas relativas ao exercício da capacidade legal incluam salvaguardas apropriadas e efetivas para prevenir abusos, em conformidade com o direito internacional dos direitos humanos. Essas salvaguardas assegurarão que as medidas relativas ao exercício da capacidade legal respeitem os direitos, à vontade e as preferências da pessoa, sejam isentas de conflito de interesses e de influência indevida, sejam proporcionais e apropriadas às circunstâncias da pessoa, se apliquem pelo período mais curto possível e sejam submetidas à revisão regular por uma autoridade ou órgão judiciário competente, independente e imparcial. As salvaguardas serão proporcionais ao grau em que tais medidas afetarem os direitos e interesses da pessoa. 5. Os Estados Partes, sujeitos ao disposto neste Artigo, tomarão todas as medidas apropriadas e efetivas para assegurar às pessoas com deficiência o igual direito de possuir ou herdar bens, de controlar as próprias finanças e de ter igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e assegurarão que as pessoas com deficiência não sejam arbitrariamente destituídas de seus bens. Artigo 13 Acesso à justiça 1. Os Estados Partes assegurarão o efetivo acesso das pessoas com deficiência à justiça, em igualdade de condições com as demais pessoas, inclusive mediante a provisão de adaptações processuais adequadas à idade, a fim de facilitar o efetivo papel das pessoas com deficiência como participantes diretos ou indiretos, inclusive como testemunhas, em todos os procedimentos jurídicos, tais como investigações e outras etapas preliminares. 2. A fim de assegurar às pessoas com deficiência o efetivo acesso à justiça, os Estados Partes promoverão a capacitação apropriada daqueles que trabalham na área de administração da justiça, inclusive a polícia e os funcionários do sistema penitenciário. Artigo 14 Liberdade e segurança da pessoa 1. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas: a) Gozem do direito à liberdade e à segurança da pessoa; e b) Não sejam privadas ilegal ou arbitrariamente de sua liberdade e que toda privação de liberdade esteja em conformidade com a lei, e que a existência de deficiência não justifique a privação de liberdade. 2. Os Estados Partes assegurarão que, se pessoas com deficiência forem privadas de liberdade mediante algum processo, elas, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, façam jus a garantias de acordo com o direito internacional dos direitos humanos e sejam tratadas em conformidade com os objetivos e princípios da presente Convenção, inclusive mediante a provisão de adaptação razoável. Artigo 15 Prevenção contra tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes 1. Nenhuma pessoa será submetida à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Em especial, nenhuma pessoa deverá ser sujeita a experimentos médicos ou científicos sem seu livre consentimento. 2. Os Estados Partes tomarão todas as medidas efetivas de natureza legislativa, administrativa, judicial ou outra para evitar que pessoas com deficiência, do mesmo modo que as demais pessoas, sejam submetidas à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. Artigo 16 Prevenção contra a exploração, a violência e o abuso 1. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas de natureza legislativa, administrativa, social, educacional e outras para proteger as pessoas com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas de exploração, violência e abuso, incluindo aspectos relacionados a gênero. 2. Os Estados Partes também tomarão todas as medidas apropriadas para prevenir todas as formas de exploração, violência e abuso, assegurando, entre outras coisas, formas apropriadas de atendimento e apoio que levem em conta o gênero e a idade das pessoas com deficiência e de seus familiares e atendentes, inclusive mediante a provisão de informação e educação sobre a maneira de evitar, reconhecer e denunciar casos de exploração, violência e abuso. Os Estados Partes assegurarão que os serviços de proteção levem em conta a idade, o gênero e a deficiência das pessoas. 3. A fim de prevenir a ocorrência de quaisquer formas de exploração, violência e abuso, os Estados Partes assegurarão que todos os programas e instalações destinados a atender pessoas com deficiência sejam efetivamente monitorados por autoridades independentes. 4. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para promover a recuperação física, cognitiva e psicológica, inclusive mediante a provisão de serviços de proteção, a reabilitação e a reinserção social de pessoas com deficiência que forem vítimas de qualquer forma de exploração, violência ou abuso. Tais recuperação e reinserção ocorrerão em ambientes que promovam a saúde, o bem-estar, o autorrespeito, a dignidade e a autonomia da pessoa e levem em consideração as necessidades de gênero e idade. 5. Os Estados Partes adotarão leis e políticas efetivas, inclusive legislação e políticas voltadas para mulheres e crianças, a fim de assegurar que os casos de exploração, violência e abuso contra pessoas com deficiência sejam identificados, investigados e, caso necessário, julgados. Artigo 17 Proteção da integridade da pessoa Toda pessoa com deficiência tem o direito a que sua integridade física e mental seja respeitada, em igualdade de condições com as demais pessoas. Artigo 18 Liberdade de movimentação e nacionalidade 1. Os Estados Partes reconhecerão os direitos das pessoas com deficiência à liberdade de movimentação, à liberdade de escolher sua residência e à nacionalidade, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, inclusive assegurando que as pessoas com deficiência: a) Tenham o direito de adquirir nacionalidade e mudar de nacionalidade e não sejam privadas arbitrariamente de sua nacionalidade em razão de sua deficiência. b) Não sejam privadas, por causa de sua deficiência, da competência de obter, possuir e utilizar documento comprovante de sua nacionalidade ou outro documento de identidade, ou de recorrer a processos relevantes, tais como procedimentos relativos à imigração, que forem necessários para facilitar o exercício de seu direito à liberdade de movimentação. c) Tenham liberdade de sair de qualquer país, inclusive do seu; e d) Não sejam privadas, arbitrariamente ou por causa de sua deficiência, do direito de entrar no próprio país. 2. As crianças com deficiência serão registradas imediatamente após o nascimento e terão, desde o nascimento, o direito a um nome, o direito de adquirir nacionalidade e, tanto quanto possível, o direito de conhecer seus pais e de ser cuidadas por eles. Artigo 19 Vida independente e inclusão na comunidade Os Estados Partes desta Convenção reconhecem o igual direito de todas as pessoas com deficiência de viver na comunidade, com a mesma liberdade de escolha que as demais pessoas, e tomarão medidas efetivas e apropriadas para facilitar às pessoas com deficiência o pleno gozo desse direito e sua plena inclusão e participação na comunidade, inclusive assegurando que: a) As pessoas com deficiência possam escolher seu local de residência e onde e com quem morar, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e que não sejam obrigadas a viver em determinado tipo de moradia; b) As pessoas com deficiência tenham acesso a uma variedade de serviços de apoio em domicílio ou em instituições residenciais ou a outros serviços comunitários de apoio, inclusive os serviços de atendentes pessoais que forem necessários como apoio para que as pessoas com deficiência vivam e sejam incluídas na comunidade e para evitar que fiquem isoladas ou segregadas da comunidade; c) Os serviços e instalações da comunidade para a população em geral estejam disponíveis às pessoas com deficiência, em igualdade de oportunidades, e atendam às suas necessidades. Artigo 20 Mobilidade pessoal Os Estados Partes tomarão medidas efetivas para assegurar às pessoas com deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível: a) Facilitando a mobilidade pessoal das pessoas com deficiência, na forma e no momento em que elas quiserem, e a custo acessível; b) Facilitando às pessoas com deficiência o acesso a tecnologias assistivas, dispositivos e ajudas técnicas de qualidade, e formas de assistência humana ou animal e de mediadores, inclusive tornando-os disponíveis a custo acessível; c) Propiciando às pessoas com deficiência e ao pessoal especializado uma capacitação em técnicas de mobilidade; d) Incentivando entidades que produzem ajudas técnicas de mobilidade, dispositivos e tecnologias assistivas a levarem em conta todos os aspectos relativos à mobilidade de pessoas com deficiência. Artigo 21 Liberdade de expressão e de opinião e acesso à informação Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seu direito à liberdade de expressão e opinião, inclusive à liberdade de buscar, receber e compartilhar informações e ideias, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas e por intermédio de todas as formas de comunicação de sua escolha, conforme o disposto no Artigo 2 da presente Convenção, entre as quais: a) Fornecer, prontamente e sem custo adicional, às pessoas com deficiência, todas as informações destinadas ao público em geral, em formatos acessíveis e tecnologias apropriadas aos diferentes tipos de deficiência; b) Aceitar e facilitar, em trâmites oficiais, o uso de línguas de sinais, braille, comunicação aumentativa e alternativa, e de todos os demais meios, modos e formatos acessíveis de comunicação, à escolha das pessoas com deficiência; c) Urgir as entidades privadas que oferecem serviços ao público em geral, inclusive por meio da Internet, a fornecer informações e serviços em formatos acessíveis, que possam ser usados por pessoas com deficiência; d) Incentivar a mídia, inclusive os provedores de informação pela Internet, a tornar seus serviços acessíveis a pessoas com deficiência; e) Reconhecer e promover o uso de línguas de sinais. Artigo 22 Respeito à privacidade 1. Nenhuma pessoa com deficiência, qualquer que seja seu local de residência ou tipo de moradia, estará sujeita a interferência arbitrária ou ilegal em sua privacidade, família, lar, correspondência ou outros tipos de comunicação, nem a ataques ilícitos à sua honra e reputação. As pessoas com deficiência têm o direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques. 2. Os Estados Partes protegerão a privacidade dos dados pessoais e dados relativos à saúde e à reabilitação de pessoas com deficiência, em igualdade de condições com as demais pessoas. Artigo 23 Respeito pelo lar e pela família 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas para eliminar a discriminação contra pessoas com deficiência, em todos os aspectos relativos a casamento, família, paternidade e relacionamentos, em igualdade de condições com as demais pessoas, de modo a assegurar que: a) Seja reconhecido o direito das pessoas com deficiência, em idade de contrair matrimônio, de casar-se e estabelecer família, com base no livre e pleno consentimento dos pretendentes; b) Sejam reconhecidos os direitos das pessoas com deficiência de decidir livre e responsavelmente sobre o número de filhos e o espaçamento entre esses filhos e de ter acesso a informações adequadas à idade e a educação em matéria de reprodução e de planejamento familiar, bem como os meios necessários para exercer esses direitos. c) As pessoas com deficiência, inclusive crianças, conservem sua fertilidade, em igualdade de condições com as demais pessoas. 2. Os Estados Partes assegurarão os direitos e responsabilidades das pessoas com deficiência, relativos à guarda, custódia, curatela e adoção de crianças ou instituições semelhantes, caso esses conceitos constem na legislação nacional. Em todos os casos, prevalecerá o superior interesse da criança. Os Estados Partes prestarão a devida assistência às pessoas com deficiência para que essas pessoas possam exercer suas responsabilidades na criação dos filhos. 3. Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em relação à vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças com deficiência e suas famílias. 4. Os Estados Partes assegurarão que uma criança não será separada de seus pais contra a vontade destes, exceto quando autoridades competentes, sujeitas a controle jurisdicional, determinarem, em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis, que a separação é necessária, no superior interesse da criança. Em nenhum caso, uma criança será separada dos pais sob alegação de deficiência da criança ou de um ou ambos os pais. 5. Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade. Artigo 24 Educação 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana; b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades físicas e intelectuais; c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade livre. 2. Para a realização desse direito, os Estados Partes assegurarão que: a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório ou do ensino secundário, sob alegação de deficiência; b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições com as demais pessoas na comunidade em que vivem; c) Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam providenciadas; d) As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e) Medidas de apoio individualizadas e efetivas sejam adotadas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena. 3. Os Estados Partes assegurarão às pessoas com deficiência a possibilidade de adquirir as competências práticas e sociais necessárias de modo a facilitar às pessoas com deficiência sua plena e igual participação no sistema de ensino e na vida em comunidade. Para tanto, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas, incluindo: a) Facilitação do aprendizado do braile, escrita alternativa, modos, meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de orientação e mobilidade, além de facilitação do apoio e aconselhamento de pares; b) Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da identidade linguística da comunidade surda; c) Garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social. 4. A fim de contribuir para o exercício desse direito, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados para o ensino da língua de sinais e/ou do braile, e para capacitar profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Essa capacitação incorporará a conscientização da deficiência e a utilização de modos, meios e formatos apropriados de comunicação aumentativa e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas com deficiência. 5. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino superior em geral, treinamento profissional de acordo com sua vocação, educação para adultos e formação continuada, sem discriminação e em igualdade de condições. Para tanto, os Estados Partes assegurarão a provisão de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência. Artigo 25 Saúde Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiência têm o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível, sem discriminação baseada na deficiência. Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência o acesso a serviços de saúde, incluindo os serviços de reabilitação, que levarão em conta as especificidades de gênero. Em especial, os Estados Partes: a) Oferecerão às pessoas com deficiência programas e atenção à saúde gratuitos ou a custos acessíveis da mesma variedade, qualidade e padrão que são oferecidos às demais pessoas, inclusive na área de saúde sexual e reprodutiva e de programas de saúde pública destinados à população em geral; b) Propiciarão serviços de saúde que as pessoas com deficiência necessitam especificamente por causa de sua deficiência, inclusive diagnóstico e intervenção precoces, bem como serviços projetados para reduzir ao máximo e prevenir deficiências adicionais, inclusive entre crianças e idosos; c) Propiciarão esses serviços de saúde às pessoas com deficiência, o mais próximo possível de suas comunidades, inclusive na zona rural; d) Exigirão dos profissionais de saúde que dispensem às pessoas com deficiência a mesma qualidade de serviços dispensada às demais pessoas e, principalmente, que obtenham o consentimento livre e esclarecido das pessoas com deficiência concernentes. Para esse fim, os Estados Partes realizarão atividades de formação e definirão regras éticas para os setores de saúde público e privado, de modo a conscientizar os profissionais de saúde acerca dos direitos humanos, da dignidade, autonomia e das necessidades das pessoas com deficiência; e) Proibirão a discriminação contra pessoas com deficiência na provisão de seguro de saúde e seguro de vida, caso tais seguros sejam permitidos pela legislação nacional, os quais deverão ser providos de maneira razoável e justa; f) Prevenirão que se negue, de maneira discriminatória, os serviços de saúde ou de atenção à saúde ou a administração de alimentos sólidos ou líquidos por motivo de deficiência. Artigo 26 Habilitação e reabilitação 1. Os Estados Partes tomarão medidas efetivas e apropriadas, inclusive mediante apoio dos pares, para possibilitar que as pessoas com deficiência conquistem e conservem o máximo de autonomia e plena capacidade física, mental, social e profissional, bem como plena inclusão e participação em todos os aspectos da vida. Para tanto, os Estados Partes organizarão, fortalecerão e ampliarão serviços e programas completos de habilitação e reabilitação, particularmente nas áreas de saúde, emprego, educação e serviços sociais, de modo que esses serviços e programas: a) Comecem no estágio mais precoce possível e sejam baseados em avaliação multidisciplinar das necessidades e pontos fortes de cada pessoa; b) Apoiem a participação e a inclusão na comunidade e em todos os aspectos da vida social, sejam oferecidos voluntariamente e estejam disponíveis às pessoas com deficiência o mais próximo possível de suas comunidades, inclusive na zona rural. 2. Os Estados Partes promoverão o desenvolvimento da capacitação inicial e continuada de profissionais e de equipes que atuam nos serviços de habilitação e reabilitação. 3. Os Estados Partes promoverão a disponibilidade, o conhecimento e o uso de dispositivos e tecnologias assistivas, projetados para pessoas com deficiência e relacionados com a habilitação e a reabilitação. Artigo 27 Trabalho e emprego 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. Esse direito abrange o direito à oportunidade de se manter com um trabalho de sua livre escolha ou aceitação no mercado laboral, em ambiente de trabalho que seja aberto, inclusivo e acessível a pessoas com deficiência. Os Estados Partes salvaguardarão e promoverão a realização do direito ao trabalho, inclusive daqueles que tiverem adquirido uma deficiência no emprego, adotando medidas apropriadas, incluídas na legislação, com o fim de, entre outros: a) Proibir a discriminação baseada na deficiência com respeito a todas as questões relacionadas com as formas de emprego, inclusive condições de recrutamento, contratação e admissão, permanência no emprego, ascensão profissional e condições seguras e salubres de trabalho; b) Proteger os direitos das pessoas com deficiência, em condições de igualdade com as demais pessoas, às condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo iguais oportunidades e igual remuneração por trabalho de igual valor, condições seguras e salubres de trabalho, além de reparação de injustiças e proteção contra o assédio no trabalho; c) Assegurar que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos trabalhistas e sindicais, em condições de igualdade com as demais pessoas; d) Possibilitar às pessoas com deficiência o acesso efetivo a programas de orientação técnica e profissional e a serviços de colocação no trabalho e de treinamento profissional e continuado; e) Promover oportunidades de emprego e ascensão profissional para pessoas com deficiência no mercado de trabalho, bem como assistência na procura, obtenção e manutenção do emprego e no retorno ao emprego; f) Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negócio próprio; g) Empregar pessoas com deficiência no setor público; h) Promover o emprego de pessoas com deficiência no setor privado, mediante políticas e medidas apropriadas, que poderão incluir programas de ação afirmativa, incentivos e outras medidas; i) Assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho; j) Promover a aquisição de experiência de trabalho por pessoas com deficiência no mercado aberto de trabalho; k) Promover reabilitação profissional, manutenção do emprego e programas de retorno ao trabalho para pessoas com deficiência. 2. Os Estados Partes assegurarão que as pessoas com deficiência não serão mantidas em escravidão ou servidão e que serão protegidas, em igualdade de condições com as demais pessoas, contra o trabalho forçado ou compulsório. Artigo 28 Padrão de vida e proteção social adequados 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, inclusive alimentação, vestuário e moradia adequados, bem como à melhoria contínua de suas condições de vida, e tomarão as providências necessárias para salvaguardar e promover a realização desse direito sem discriminação baseada na deficiência. 2. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao exercício desse direito sem discriminação baseada na deficiência, e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover a realização desse direito, tais como: a) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a serviços de saneamento básico e assegurar o acesso aos serviços, dispositivos e outros atendimentos apropriados para as necessidades relacionadas com a deficiência; b) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência, particularmente mulheres, crianças e idosos com deficiência, a programas de proteção social e de redução da pobreza; c) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência e suas famílias em situação de pobreza à assistência do Estado em relação a seus gastos ocasionados pela deficiência, inclusive treinamento adequado, aconselhamento, ajuda financeira e cuidados de repouso; d) Assegurar o acesso de pessoas com deficiência a programas habitacionais públicos; e) Assegurar igual acesso de pessoas com deficiência a programas e benefícios de aposentadoria. Artigo 29 Participação na vida política e pública Os Estados Partes garantirão às pessoas com deficiência direitos políticos e oportunidade de exercê-los em condições de igualdade com as demais pessoas, e deverão: a) Assegurar que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na vida política e pública, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos, incluindo o direito e a oportunidade de votarem e serem votadas, mediante, entre outros: i) Garantia de que os procedimentos, instalações e materiais e equipamentos para votação serão apropriados, acessíveis e de fácil compreensão e uso; ii) Proteção do direito das pessoas com deficiência ao voto secreto em eleições e plebiscitos, sem intimidação, e a candidatar-se nas eleições, efetivamente ocupar cargos eletivos e desempenhar quaisquer funções públicas em todos os níveis de governo, usando novas tecnologias assistivas, quando apropriado; iii) Garantia da livre expressão de vontade das pessoas com deficiência como eleitores e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que elas sejam auxiliadas na votação por uma pessoa de sua escolha; b) Promover ativamente um ambiente em que as pessoas com deficiência possam participar efetiva e plenamente na condução das questões públicas, sem discriminação e em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e encorajar sua participação nas questões públicas, mediante: i) Participação em organizações não governamentais relacionadas com a vida pública e política do país, bem como em atividades e administração de partidos políticos; ii) Formação de organizações para representar pessoas com deficiência em níveis internacional, regional, nacional e local, bem como a filiação de pessoas com deficiência a tais organizações. Artigo 30 Participação na vida cultural e em recreação, lazer e esporte 1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, e tomarão todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam: a) Ter acesso a bens culturais em formatos acessíveis; b) Ter acesso a programas de televisão, cinema, teatro e outras atividades culturais, em formatos acessíveis; e c) Ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais, tais como teatros, museus, cinemas, bibliotecas e serviços turísticos, bem como, tanto quanto possível, ter acesso a monumentos e locais de importância cultural nacional. 2. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, não somente em benefício próprio, mas também para o enriquecimento da sociedade. 3. Os Estados Partes deverão tomar todas as providências, em conformidade com o direito internacional, para assegurar que a legislação de proteção dos direitos de propriedade intelectual não constitua barreira excessiva ou discriminatória ao acesso de pessoas com deficiência a bens culturais. 4. As pessoas com deficiência farão jus, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a que sua identidade cultural e linguística específica seja reconhecida e apoiada, incluindo as línguas de sinais e a cultura surda. 5. Para que as pessoas com deficiência participem, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de atividades recreativas, esportivas e de lazer, os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para: a) Incentivar e promover a maior participação possível das pessoas com deficiência nas atividades esportivas comuns em todos os níveis; b) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de organizar, desenvolver e participar em atividades esportivas e recreativas específicas às deficiências e, para tanto, incentivar a provisão de instrução, treinamento e recursos adequados, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas; c) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso a locais de eventos esportivos, recreativos e turísticos; d) Assegurar que as crianças com deficiência possam, em igualdade de condições com as demais crianças, participar de jogos e atividades recreativas, esportivas e de lazer, inclusive no sistema escolar; e) Assegurar que as pessoas com deficiência tenham acesso aos serviços prestados por pessoas ou entidades envolvidas na organização de atividades recreativas, turísticas, esportivas e de lazer. Artigo 31 Estatísticas e coleta de dados 1. Os Estados Partes coletarão dados apropriados, inclusive estatísticos e de pesquisas, para que possam formular e implementar políticas destinadas a por em prática a presente Convenção. O processo de coleta e manutenção de tais dados deverá: a) Observar as salvaguardas estabelecidas por lei, inclusive pelas leis relativas à proteção de dados, a fim de assegurar a confidencialidade e o respeito pela privacidade das pessoas com deficiência; b) Observar as normas internacionalmente aceitas para proteger os direitos humanos, as liberdades fundamentais e os princípios éticos na coleta de dados e utilização de estatísticas. 2. As informações coletadas de acordo com o disposto neste Artigo serão desagregadas, de maneira apropriada, e utilizadas para avaliar o cumprimento, por parte dos Estados Partes, de suas obrigações na presente Convenção e para identificar e enfrentar as barreiras com as quais as pessoas com deficiência se deparam no exercício de seus direitos. 3. Os Estados Partes assumirão responsabilidade pela disseminação das referidas estatísticas e assegurarão que elas sejam acessíveis às pessoas com deficiência e a outros. Artigo 32 Cooperação internacional 1. Os Estados Partes reconhecem a importância da cooperação internacional e de sua promoção, em apoio aos esforços nacionais para a consecução do propósito e dos objetivos da presente Convenção e, sob este aspecto, adotarão medidas apropriadas e efetivas entre os Estados e, de maneira adequada, em parceria com organizações internacionais e regionais relevantes e com a sociedade civil e, em particular, com organizações de pessoas com deficiência. Estas medidas poderão incluir, entre outras: a) Assegurar que a cooperação internacional, incluindo os programas internacionais de desenvolvimento, sejam inclusivos e acessíveis para pessoas com deficiência; b) Facilitar e apoiar a capacitação, inclusive por meio do intercâmbio e compartilhamento de informações, experiências, programas de treinamento e melhores práticas; c) Facilitar a cooperação em pesquisa e o acesso a conhecimentos científicos e técnicos; d) Propiciar, de maneira apropriada, assistência técnica e financeira, inclusive mediante facilitação do acesso a tecnologias assistivas e acessíveis e seu compartilhamento, bem como por meio de transferência de tecnologias. 2. O disposto neste Artigo se aplica sem prejuízo das obrigações que cabem a cada Estado Parte em decorrência da presente Convenção. Artigo 33 Implementação e monitoramento nacionais 1. Os Estados Partes, de acordo com seu sistema organizacional, designarão um ou mais de um ponto focal no âmbito do Governo para assuntos relacionados com a implementação da presente Convenção e darão a devida consideração ao estabelecimento ou designação de um mecanismo de coordenação no âmbito do Governo, a fim de facilitar ações correlatas nos diferentes setores e níveis. 2. Os Estados Partes, em conformidade com seus sistemas jurídico e administrativo, manterão, fortalecerão, designarão ou estabelecerão estrutura, incluindo um ou mais de um mecanismo independente, de maneira apropriada, para promover, proteger e monitorar a implementação da presente Convenção. Ao designar ou estabelecer tal mecanismo, os Estados Partes levarão em conta os princípios relativos ao status e funcionamento das instituições nacionais de proteção e promoção dos direitos humanos. 3. A sociedade civil e, particularmente, as pessoas com deficiência e suas organizações representativas serão envolvidas e participarão plenamente no processo de monitoramento. Artigo 34 Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 1. Um Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (doravante denominado “Comitê”) será estabelecido, para desempenhar as funções aqui definidas. 2. O Comitê será constituído, quando da entrada em vigor da presente Convenção, de 12 peritos. Quando a presente Convenção alcançar 60 ratificações ou adesões, o Comitê será acrescido em seis membros, perfazendo o total de 18 membros. 3. Os membros do Comitê atuarão a título pessoal e apresentarão elevada postura moral, competência e experiência reconhecidas no campo abrangido pela presente Convenção. Ao designar seus candidatos, os Estados Partes são instados a dar a devida consideração ao disposto no Artigo 4.3 da presente Convenção. 4. Os membros do Comitê serão eleitos pelos Estados Partes, observando-se uma distribuição geográfica equitativa, representação de diferentes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos, representação equilibrada de gênero e participação de peritos com deficiência. 5. Os membros do Comitê serão eleitos por votação secreta em sessões da Conferência dos Estados Partes, a partir de uma lista de pessoas designadas pelos Estados Partes entre seus nacionais. Nessas sessões, cujo quorum será de dois terços dos Estados Partes, os candidatos eleitos para o Comitê serão aqueles que obtiverem o maior número de votos e a maioria absoluta dos votos dos representantes dos Estados Partes presentes e votantes. 6. A primeira eleição será realizada, o mais tardar, até seis meses após a data de entrada em vigor da presente Convenção. Pelo menos quatro meses antes de cada eleição, o Secretário-Geral das Nações Unidas dirigirá carta aos Estados Partes, convidando-os a submeter os nomes de seus candidatos no prazo de dois meses. O Secretário-Geral, subsequentemente, preparará lista em ordem alfabética de todos os candidatos apresentados, indicando que foram designados pelos Estados Partes, e submeterá essa lista aos Estados Partes da presente Convenção. 7. Os membros do Comitê serão eleitos para mandato de quatro anos, podendo ser candidatos à reeleição uma única vez. Contudo, o mandato de seis dos membros eleitos na primeira eleição expirará ao fim de dois anos; imediatamente após a primeira eleição, os nomes desses seis membros serão selecionados por sorteio pelo presidente da sessão a que se refere o parágrafo 5 deste Artigo. 8. A eleição dos seis membros adicionais do Comitê será realizada por ocasião das eleições regulares, de acordo com as disposições pertinentes deste Artigo. 9. Em caso de morte, demissão ou declaração de um membro de que, por algum motivo, não poderá continuar a exercer suas funções, o Estado Parte que o tiver indicado designará um outro perito que tenha as qualificações e satisfaça aos requisitos estabelecidos pelos dispositivos pertinentes deste Artigo, para concluir o mandato em questão. 10. O Comitê estabelecerá suas próprias normas de procedimento. 11. O Secretário-Geral das Nações Unidas proverá o pessoal e as instalações necessários para o efetivo desempenho das funções do Comitê segundo a presente Convenção e convocará sua primeira reunião. 12. Com a aprovação da Assembleia Geral, os membros do Comitê estabelecido sob a presente Convenção receberão emolumentos dos recursos das Nações Unidas, sob termos e condições que a Assembleia possa decidir, tendo em vista a importância das responsabilidades do Comitê. 13. Os membros do Comitê terão direito aos privilégios, facilidades e imunidades dos peritos em missões das Nações Unidas, em conformidade com as disposições pertinentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas. Artigo 35 Relatórios dos Estados Partes 1. Cada Estado Parte, por intermédio do Secretário-Geral das Nações Unidas, submeterá relatório abrangente sobre as medidas adotadas em cumprimento de suas obrigações estabelecidas pela presente Convenção e sobre o progresso alcançado nesse aspecto, dentro do período de dois anos após a entrada em vigor da presente Convenção para o Estado Parte concernente. 2. Depois disso, os Estados Partes submeterão relatórios subsequentes, ao menos a cada quatro anos, ou quando o Comitê o solicitar. 3. O Comitê determinará as diretrizes aplicáveis ao teor dos relatórios. 4. Um Estado Parte que tiver submetido ao Comitê um relatório inicial abrangente não precisará, em relatórios subsequentes, repetir informações já apresentadas. Ao elaborar os relatórios ao Comitê, os Estados Partes são instados a fazê-lo de maneira franca e transparente e a levar em consideração o disposto no Artigo 4.3 da presente Convenção. 5. Os relatórios poderão apontar os fatores e as dificuldades que tiverem afetado o cumprimento das obrigações decorrentes da presente Convenção. Artigo 36 Consideração dos relatórios 1. Os relatórios serão considerados pelo Comitê, que fará as sugestões e recomendações gerais que julgar pertinentes e as transmitirá aos respectivos Estados Partes. O Estado Parte poderá responder ao Comitê com as informações que julgar pertinentes. O Comitê poderá pedir informações adicionais ao Estados Partes, referentes à implementação da presente Convenção. 2. Se um Estado Parte atrasar consideravelmente a entrega de seu relatório, o Comitê poderá notificar esse Estado de que examinará a aplicação da presente Convenção com base em informações confiáveis de que disponha, a menos que o relatório devido seja apresentado pelo Estado dentro do período de três meses após a notificação. O Comitê convidará o Estado Parte interessado a participar desse exame. Se o Estado Parte responder entregando seu relatório, aplicar-se-á o disposto no parágrafo 1 do presente artigo. 3. O Secretário-Geral das Nações Unidas colocará os relatórios à disposição de todos os Estados Partes. 4. Os Estados Partes tornarão seus relatórios amplamente disponíveis ao público em seus países e facilitarão o acesso à possibilidade de sugestões e de recomendações gerais a respeito desses relatórios. 5. O Comitê transmitirá às agências, fundos e programas especializados das Nações Unidas e a outras organizações competentes, da maneira que julgar apropriada, os relatórios dos Estados Partes que contenham demandas ou indicações de necessidade de consultoria ou de assistência técnica, acompanhados de eventuais observações e sugestões do Comitê em relação às referidas demandas ou indicações, a fim de que possam ser consideradas. Artigo 37 Cooperação entre os Estados Partes e o Comitê 1. Cada Estado Parte cooperará com o Comitê e auxiliará seus membros no desempenho de seu mandato. 2. Em suas relações com os Estados Partes, o Comitê dará a devida consideração aos meios e modos de aprimorar a capacidade de cada Estado Parte para a implementação da presente Convenção, inclusive mediante cooperação internacional. Artigo 38 Relações do Comitê com outros órgãos A fim de promover a efetiva implementação da presente Convenção e de incentivar a cooperação internacional na esfera abrangida pela presente Convenção: a) As agências especializadas e outros órgãos das Nações Unidas terão o direito de se fazer representar quando da consideração da implementação de disposições da presente Convenção que disserem respeito aos seus respectivos mandatos. O Comitê poderá convidar as agências especializadas e outros órgãos competentes, segundo julgar apropriado, a oferecer consultoria de peritos sobre a implementação da Convenção em áreas pertinentes a seus respectivos mandatos. O Comitê poderá convidar agências especializadas e outros órgãos das Nações Unidas a apresentar relatórios sobre a implementação da Convenção em áreas pertinentes às suas respectivas atividades; b) No desempenho de seu mandato, o Comitê consultará, de maneira apropriada, outros órgãos pertinentes instituídos ao amparo de tratados internacionais de direitos humanos, a fim de assegurar a consistência de suas respectivas diretrizes para a elaboração de relatórios, sugestões e recomendações gerais e de evitar duplicação e superposição no desempenho de suas funções. Artigo 39 Relatório do Comitê A cada dois anos, o Comitê submeterá à Assembleia Geral e ao Conselho Econômico e Social um relatório de suas atividades e poderá fazer sugestões e recomendações gerais baseadas no exame dos relatórios e nas informações recebidas dos Estados Partes. Estas sugestões e recomendações gerais serão incluídas no relatório do Comitê, acompanhadas, se houver, de comentários dos Estados Partes. Artigo 40 Conferência dos Estados Partes 1. Os Estados Partes reunir-se-ão regularmente em Conferência dos Estados Partes a fim de considerar matérias relativas à implementação da presente Convenção. 2. O Secretário-Geral das Nações Unidas convocará, dentro do período de seis meses após a entrada em vigor da presente Convenção, a Conferência dos Estados Partes. As reuniões subsequentes serão convocadas pelo Secretário-Geral das Nações Unidas a cada dois anos ou conforme a decisão da Conferência dos Estados Partes. Artigo 41 Depositário O Secretário-Geral das Nações Unidas será o depositário da presente Convenção. Artigo 42 Assinatura A presente Convenção será aberta à assinatura de todos os Estados e organizações de integração regional na sede das Nações Unidas em Nova York, a partir de 30 de março de 2007. Artigo 43 Consentimento em comprometer-se A presente Convenção será submetida à ratificação pelos Estados signatários e à confirmação formal por organizações de integração regional signatárias. Ela estará aberta à adesão de qualquer Estado ou organização de integração regional que não a houver assinado. Artigo 44 Organizações de integração regional 1. “Organização de integração regional” será entendida como organização constituída por Estados soberanos de determinada região, à qual seus Estados membros tenham delegado competência sobre matéria abrangida pela presente Convenção. Essas organizações declararão, em seus documentos de confirmação formal ou adesão, o alcance de sua competência em relação à matéria abrangida pela presente Convenção. Subsequentemente, as organizações informarão ao depositário qualquer alteração substancial no âmbito de sua competência. 2. As referências a “Estados Partes” na presente Convenção serão aplicáveis a essas organizações, nos limites da competência destas. 3. Para os fins do parágrafo 1 do Artigo 45 e dos parágrafos 2 e 3 do Artigo 47, nenhum instrumento depositado por organização de integração regional será computado. 4. As organizações de integração regional, em matérias de sua competência, poderão exercer o direito de voto na Conferência dos Estados Partes, tendo direito ao mesmo número de votos quanto for o número de seus Estados membros que forem Partes da presente Convenção. Essas organizações não exercerão seu direito de voto, se qualquer de seus Estados membros exercer seu direito de voto, e vice-versa. Artigo 45 Entrada em vigor 1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito do vigésimo instrumento de ratificação ou adesão. 2. Para cada Estado ou organização de integração regional que ratificar ou formalmente confirmar a presente Convenção ou a ela aderir após o depósito do referido vigésimo instrumento, a Convenção entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que esse Estado ou organização tenha depositado seu instrumento de ratificação, confirmação formal ou adesão. Artigo 46 Reservas 1. Não serão permitidas reservas incompatíveis com o objeto e o propósito da presente Convenção. 2. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento. Artigo 47 Emendas 1. Qualquer Estado Parte poderá propor emendas à presente Convenção e submetê-las ao Secretário-Geral das Nações Unidas. O Secretário-Geral comunicará aos Estados Partes quaisquer emendas propostas, solicitando-lhes que o notifiquem se são favoráveis a uma Conferência dos Estados Partes para considerar as propostas e tomar decisão a respeito delas. Se, até quatro meses após a data da referida comunicação, pelo menos um terço dos Estados Partes se manifestar favorável a essa Conferência, o Secretário-Geral das Nações Unidas convocará a Conferência, sob os auspícios das Nações Unidas. Qualquer emenda adotada por maioria de dois terços dos Estados Partes presentes e votantes será submetida pelo Secretário-Geral à aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas e, posteriormente, à aceitação de todos os Estados Partes. 2. Qualquer emenda adotada e aprovada conforme o disposto no parágrafo 1 do presente artigo entrará em vigor no trigésimo dia após a data na qual o número de instrumentos de aceitação tenha atingido dois terços do número de Estados Partes na data de adoção da emenda. Posteriormente, a emenda entrará em vigor para todo Estado Parte no trigésimo dia após o depósito por esse Estado do seu instrumento de aceitação. A emenda será vinculante somente para os Estados Partes que a tiverem aceitado. 3. Se a Conferência dos Estados Partes assim o decidir por consenso, qualquer emenda adotada e aprovada em conformidade com o disposto no parágrafo 1 deste Artigo, relacionada exclusivamente com os artigos 34, 38, 39 e 40, entrará em vigor para todos os Estados Partes no trigésimo dia a partir da data em que o número de instrumentos de aceitação depositados tiver atingido dois terços do número de Estados Partes na data de adoção da emenda. Artigo 48 Denúncia Qualquer Estado Parte poderá denunciar a presente Convenção mediante notificação por escrito ao Secretário-Geral das Nações Unidas. A denúncia tornar-se-á efetiva um ano após a data de recebimento da notificação pelo Secretário-Geral. Artigo 49 Formatos acessíveis O texto da presente Convenção será colocado à disposição em formatos acessíveis. Artigo 50 Textos autênticos Os textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo da presente Convenção serão igualmente autênticos. EM FÉ DO QUE os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente autorizados para tanto por seus respectivos Governos, firmaram a presente Convenção. 5. PROTOCOLO FACULTATIVO À CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA Os Estados Partes do presente Protocolo acordaram o seguinte: Artigo 1 1. Qualquer Estado Parte do presente Protocolo (“Estado Parte”) reconhece a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (“Comitê”) para receber e considerar comunicações submetidas por pessoas ou grupos de pessoas, ou em nome deles, sujeitos à sua jurisdição, alegando serem vítimas de violação das disposições da Convenção pelo referido Estado Parte. 2. O Comitê não receberá comunicação referente a qualquer Estado Parte que não seja signatário do presente Protocolo. Artigo 2 O Comitê considerará inadmissível a comunicação quando: a) A comunicação for anônima; b) A comunicação constituir abuso do direito de submeter tais comunicações ou for incompatível com as disposições da Convenção; c) A mesma matéria já tenha sido examinada pelo Comitê ou tenha sido ou estiver sendo examinada sob outro procedimento de investigação ou resolução internacional; d) Não tenham sido esgotados todos os recursos internos disponíveis, salvo no caso em que a tramitação desses recursos se prolongue injustificadamente, ou seja, improvável que se obtenha com eles solução efetiva; e) A comunicação estiver precariamente fundamentada ou não for suficientemente substanciada; ou f) Os fatos que motivaram a comunicação tenham ocorrido antes da entrada em vigor do presente Protocolo para o Estado Parte em apreço, salvo se os fatos continuaram ocorrendo após aquela data. Artigo 3 Sujeito ao disposto no Artigo 2 do presente Protocolo, o Comitê levará confidencialmente ao conhecimento do Estado Parte concernente qualquer comunicação submetida ao Comitê. Dentro do período de seis meses, o Estado concernente submeterá ao Comitê explicações ou declarações por escrito, esclarecendo a matéria e a eventual solução adotada pelo referido Estado. Artigo 4 1. A qualquer momento após receber uma comunicação e antes de decidir o mérito dessa comunicação, o Comitê poderá transmitir ao Estado Parte concernente, para sua urgente consideração, um pedido para que o Estado Parte tome as medidas de natureza cautelar que forem necessárias para evitar possíveis danos irreparáveis à vítima ou às vítimas da violação alegada. 2. O exercício pelo Comitê de suas faculdades discricionárias em virtude do parágrafo 1 do presente Artigo não implicará prejuízo algum sobre a admissibilidade ou sobre o mérito da comunicação. Artigo 5 O Comitê realizará sessões fechadas para examinar comunicações a ele submetidas em conformidade com o presente Protocolo. Depois de examinar uma comunicação, o Comitê enviará suas sugestões e recomendações, se houver, ao Estado Parte concernente e ao requerente. Artigo 6 1. Se receber informação confiável indicando que um Estado Parte está cometendo violação grave ou sistemática de direitos estabelecidos na Convenção, o Comitê convidará o referido Estado Parte a colaborar com a verificação da informação e, para tanto, a submeter suas observações a respeito da informação em pauta. 2. Levando em conta quaisquer observações que tenham sido submetidas pelo Estado Parte concernente, bem como quaisquer outras informações confiáveis em poder do Comitê, este poderá designar um ou mais de seus membros para realizar investigação e apresentar, em caráter de urgência, relatório ao Comitê. Caso se justifique e o Estado Parte o consinta, a investigação poderá incluir uma visita ao território desse Estado. 3. Após examinar os resultados da investigação, o Comitê os comunicará ao Estado Parte concernente, acompanhados de eventuais comentários e recomendações. 4. Dentro do período de seis meses após o recebimento dos resultados, comentários e recomendações transmitidos pelo Comitê, o Estado Parte concernente submeterá suas observações ao Comitê. 5. A referida investigação será realizada confidencialmente e a cooperação do Estado Parte será solicitada em todas as fases do processo. Artigo 7 1. O Comitê poderá convidar o Estado Parte concernente a incluir em seu relatório, submetido em conformidade com o disposto no Artigo 35 da Convenção, pormenores a respeito das medidas tomadas em consequência da investigação realizada em conformidade com o Artigo 6 do presente Protocolo. 2. Caso necessário, o Comitê poderá, encerrado o período de seis meses a que se refere o parágrafo 4 do Artigo 6, convidar o Estado Parte concernente a informar o Comitê a respeito das medidas tomadas em consequência da referida investigação. Artigo 8 Qualquer Estado Parte poderá, quando da assinatura ou ratificação do presente Protocolo ou de sua adesão a ele, declarar que não reconhece a competência do Comitê, a que se referem os Artigos 6 e 7. Artigo 9 O Secretário-Geral das Nações Unidas será o depositário do presente Protocolo. Artigo 10 O presente Protocolo será aberto à assinatura dos Estados e organizações de integração regional signatários da Convenção, na sede das Nações Unidas em Nova York, a partir de 30 de março de 2007. Artigo 11 O presente Protocolo estará sujeito à ratificação pelos Estados signatários do presente Protocolo que tiverem ratificado a Convenção ou aderido a ela. Ele estará sujeito à confirmação formal por organizações de integração regional signatárias do presente Protocolo que tiverem formalmente confirmado a Convenção ou a ela aderido. O Protocolo ficará aberto à adesão de qualquer Estado ou organização de integração regional que tiver ratificado ou formalmente confirmado a Convenção ou a ela aderido e que não tiver assinado o Protocolo. Artigo 12 1. “Organização de integração regional” será entendida como organização constituída por Estados soberanos de determinada região, à qual seus Estados membros tenham delegado competência sobre matéria abrangida pela Convenção e pelo presente Protocolo. Essas organizações declararão, em seus documentos de confirmação formal ou adesão, o alcance de sua competência em relação à matéria abrangida pela Convenção e pelo presente Protocolo. Subsequentemente, as organizações informarão ao depositário qualquer alteração substancial no alcance de sua competência. 2. As referências a “Estados Partes” no presente Protocolo serão aplicáveis a essas organizações, nos limites da competência de tais organizações. 3. Para os fins do parágrafo 1 do Artigo 13 e do parágrafo 2 do Artigo 15, nenhum instrumento depositado por organização de integração regional será computado. 4. As organizações de integração regional, em matérias de sua competência, poderão exercer o direito de voto na Conferência dos Estados Partes, tendo direito ao mesmo número de votos que seus Estados membros que forem Partes do presente Protocolo. Essas organizações não exercerão seu direito de voto se qualquer de seus Estados membros exercer seu direito de voto, e vice-versa. Artigo 13 1. Sujeito à entrada em vigor da Convenção, o presente Protocolo entrará em vigor no trigésimo dia após o depósito do décimo instrumento de ratificação ou adesão. 2. Para cada Estado ou organização de integração regional que ratificar ou formalmente confirmar o presente Protocolo ou a ele aderir depois do depósito do décimo instrumento dessa natureza, o Protocolo entrará em vigor no trigésimo dia a partir da data em que esse Estado ou organização tenha depositado seu instrumento de ratificação, confirmação formal ou adesão. Artigo 14 1. Não serão permitidas reservas incompatíveis com o objeto e o propósito do presente Protocolo. 2. As reservas poderão ser retiradas a qualquer momento. Artigo 15 1. Qualquer Estado Parte poderá propor emendas ao presente Protocolo e submetê-las ao Secretário-Geral das Nações Unidas. O Secretário-Geral comunicará aos Estados Partes quaisquer emendas propostas, solicitando-lhes que o notifiquem se são favoráveis a uma Conferência dos Estados Partes para considerar as propostas e tomar decisão a respeito delas. Se, até quatro meses após a data da referida comunicação, pelo menos um terço dos Estados Partes se manifestar favorável a essa Conferência, o Secretário-Geral das Nações Unidas convocará a Conferência, sob os auspícios das Nações Unidas. Qualquer emenda adotada por maioria de dois terços dos Estados Partes presentes e votantes será submetida pelo Secretário-Geral à aprovação da Assembleia Geral das Nações Unidas e, posteriormente, à aceitação de todos os Estados Partes. 2. Qualquer emenda adotada e aprovada conforme o disposto no parágrafo 1 do presente artigo entrará em vigor no trigésimo dia após a data na qual o número de instrumentos de aceitação tenha atingido dois terços do número de Estados Partes na data de adoção da emenda. Posteriormente, a emenda entrará em vigor para todo Estado Parte no trigésimo dia após o depósito por esse Estado do seu instrumento de aceitação. A emenda será vinculante somente para os Estados Partes que a tiverem aceitado. Artigo 16 Qualquer Estado Parte poderá denunciar o presente Protocolo mediante notificação por escrito ao Secretário-Geral das Nações Unidas. A denúncia tornar-se-á efetiva um ano após a data de recebimento da notificação pelo Secretário-Geral. Artigo 17 O texto do presente Protocolo será colocado à disposição em formatos acessíveis. Artigo 18 Os textos em árabe, chinês, espanhol, francês, inglês e russo e do presente Protocolo serão igualmente autênticos. EM FÉ DO QUE os plenipotenciários abaixo assinados, devidamente autorizados para tanto por seus respectivos governos, firmaram o presente Protocolo.