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Para subsidiar as discussões a respeito da PEC 457/2005 que altera o limite de idade da aposentadoria compulsória trazemos abalizado estudo da gerontóloga Karla Giacomin, representante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no CNDI.

Aposentadoria Compulsória

Karla Giacomin,

Representante da Sociedade Brasileira de Gereatria e Gerontologia no CNDI.


De acordo com o estudo, fica claro que os limites etários serviram de fundamento para as políticas e os programas que definem a pré-aposentadoria ou aposentadoria aos 60 anos. Porém, o tempo da redução da idade de aposentadoria tende a ficar cada vez mais para trás e o que já se observa é a extensão das carreiras. Isso pode ser visto em profissões estressantes, como os controladores de voos e também em profissões mais intelectualizadas como professores universitários e a carreira jurídica, com uma tendência, nos países que aplicam a aposentadoria compulsória, para o aumento do limite etário dos 70 anos para os 75 anos.

Em alguns países, estados americanos e províncias canadenses, o que se tem presenciado é a completa interdição do uso da aposentadoria compulsória, por considerarem-na uma prática discriminatória.

Assim, para subsidiar o entendimento e o debate, traduzi e sintetizei dois documentos, um do Canadá e outro da OECD (Organização dos países para o Desenvolvimento Econômico, que engloba os 30 países mais desenvolvidos, os chamados "países ricos") sobre o assunto.

Análise da legislação do trabalho segundo « Affaires internationales et intergouvernementales du travail », « Programme du travail » e « Ressources humaines et Développement social Canada » (Ministério do Trabalho do Canadá, 15 de fevereiro de 2008):

No Canadá, obrigar um assalariado a se aposentar por causa de sua idade constitui uma forma de discriminação frente à Charte des droits et libertés de la personne. Naquele país, desde 1/4/1982 está em vigor a lei que aboliu a aposentadoria compulsória (Loi sur l'abolition de la retraite obligatoire). A lei que rege as normas de trabalho estipula que um assalariado tem o direito de permanecer no trabalho, apesar de ter atingido ou ultrapassado a idade ou o número de anos de serviço a contar do qual ele seria aposentado de acordo com o regime de trabalho ou a prática em uso no seu emprego. No entanto, este direito não impede o empregador de afastar, suspender ou transferir um empregado por uma causa justa e suficiente. Uma pessoa que se vê obrigada a se aposentar em uma determinada idade pode fazer uma queixa à Commission des droits de la personne et des droits de la jeunesse (CDPDJ), a qual tem o poder de investigar e estabelecer se houve uma discriminação e pedir medidas de punição, se for o caso.

Esta é a compreensão de várias províncias canadenses, tanto do lado francês quanto britânico, segundo as leis dos direitos das pessoas (Alberta, Manitoba, Terra Nova e Labrador, Ontario, Ilha do Príncipe Éduardo, Yukon, Saskatchewan, Colômbia-Britânica, entre outras). Na Nova Escócia, mesmo não sendo considerada uma medida discriminatória, a Commission des droits de la personne procede a uma investigação quando uma pessoa se queixa de não ter sido tratada da mesma maneira que outras pessoas. No entanto, em 1/7/2009, entra em vigor a nova lei segundo a qual a aposentadoria compulsória será proibida.

A lei canadense de serviço federal permite que pessoas que tenham atingido a idade normal de aposentadoria que ocupam o mesmo tipo de emprego sejam aposentadas. Neste caso, a lei permite a aposentadoria compulsória.

A jurisprudência indica que, em certas circunstâncias, quando a justificativa pode ser demonstrada, no caso de uma sociedade livre e democrática, as leis que permitem a aposentadoria compulsória podem ser justificadas, porém, até o presente, naquele país, elas aconteceram apenas no setor público.

Nos países pertencentes à OECD

Segundo um documento da OECD, em um contexto de envelhecimento populacional, o aumento da longevidade deve ser traduzido por um prolongamento da vida ativa:

"Em uma época de envelhecimento da população, nós não podemos nos permitir desperdiçar os preciosos recursos que os idosos representam para a empresa, a economia e a sociedade. Hoje, muitas políticas públicas e práticas em locais de trabalho desencorajam as pessoas idosas de prosseguir sua atividade profissional. Em média nos países da OECD, menos de 60% das pessoas de 50 a 64 anos têm um emprego. Tais políticas e práticas são herança do passado e não se justificam mais. Em um momento em que o envelhecimento da população pesa sobre as finanças públicas e freia a progressão dos níveis de vida, a proporção de inativos idosos por trabalhador dobrará na zona da OECD passando de 38% em 2000 para mais de 70% em 2050. Esta situação poderia se traduzir por um aumento dos impostos ou por uma baixa das prestações, associados a uma lentidão do crescimento econômico. Para evitar isso, a OECD estima que as políticas de emprego devem ser tomadas para acompanhar o envelhecimento da população encorajando os idosos a permanecer ativos por mais tempo. Hoje, a idade média efetiva de aposentadoria é inferior à idade oficial em muitos países, em particular na Europa. Novas medidas são necessárias e os governos deveriam velar para que as pensões e outros dispositivos sociais favoreçam o prosseguimento de uma atividade para além de uma certa idade, em lugar de ter um efeito inverso.

Os empregadores devem pôr fim à discriminação e adaptar as condições de trabalho à diversidade das idades de seus assalariados. Seria conveniente recolocar em questão a aposentadoria compulsória porque ela é incompatível com um objetivo geral que visa a deixar uma latitude maior aos trabalhadores para escolher o momento de sua saída para a aposentadoria.

Assim, ao invés de colocar a maior escolha sobre a decisão de parar de trabalhar, a OECD estima que o envelhecimento da mão-de-obra faz com que a saída da aposentadoria compulsória não poderia mais ser suportável. Será necessário modificar comportamentos e para tanto dissipar um certo número de mitos, em particular a afirmação de que menos empregos para os trabalhadores mais idosos se traduz por mais empregos para os mais jovens".

Como membro representante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia emito meu parecer baseado em algumas premissas:

  • a aposentadoria compulsória configura uma prática discriminatória que remete ao "ageism" ou etarismo ("idadismo", "velhismo", "ancianismo") - definido por Palmore (2004) como "[ . . . ] o último dos preconceitos, a derradeira discriminação, a mais cruel rejeição." Para Silva & Pedrosa (2008) ele representa o preconceito contra pessoas idosas não só pelos mais jovens, como pelos próprios idosos, manifestando-se em "[ . . . ] uma série de estereótipos que ajudavam a sustentar a sinonímia entre velhice e cansaço, falta de interesse sexual, lentidão intelectual e falta de capacidade para aprender, improdutividade e mal-humor";
  • o envelhecimento do indivíduo não é sinônimo de incapacidade nem de doença e portanto não pode haver esse tipo de inferência que desqualifica o cidadão idoso e sua capacidade laborativa;
  • a renovação do judiciário e das demais carreiras deve ser assegurada por mecanismos que valorizem a experiência, a capacidade e o compromisso com o serviço, sem que para isso aconteça a discriminação de pessoas idosas ou jovens nem a expulsão compulsória dos mais velhos;
  • o serviço público precisa contar com profissionais comprometidos e competentes e é de se esperar que, em um contexto de envelhecimento populacional, haja repercussões nos sistemas de seguridade, inclusive com uma maior participação de mão-de-obra, inclusive a idosa, que permitam sustentar o funcionamento da economia, da previdência social e do país; e, finalmente,
  • é necessário um intenso trabalho de desmitificação acerca da aposentadoria como fonte de exclusão e de sobrecarga para o sistema previdenciário ao invés de entendê-la como conquista de quem contribuiu para o país; da mesma forma como é patente a necessidade de políticas e programas de valorização da velhice, da experiência de vida, da inclusão social e do estímulo ao convívio intergeracional, dentro e fora do ambiente do trabalho; e, finalmente, a supressão de pessoas idosas do regime de trabalho não assegura benefícios para o serviço e, a julgar pela experiência de outros países, também não garante vagas para os mais jovens.