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Um Pouco da Realidade dos Idoso e Portadores de Deficiência
Reclusos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas
Leonardo Afonso Franco de Freitas*

"... o sistema prisional brasileiro não vem cumprindo a finalidade ressocializadora das penas de privação ou restrição da liberdade que lhe foi destinada ...".

É sabido que o sistema prisional brasileiro não vem cumprindo a finalidade ressocializadora das penas de privação ou restrição da liberdade que lhe foi destinada por lei. Se é uma pretensão distante para os presos normais, mais distante o é para aqueles que estão em idade avançada e/ou são portadores de qualquer deficiência. O presente estudo leva em consideração a realidade do maior sistema prisional maranhense, o Complexo Penitenciário de Pedrinhas.

Substancialmente em nada se difere dos demais sistemas prisionais do país no que tange aos problemas comprometedores de seu ideal funcionamento. São eles: a superlotação carcerária, a péssima qualidade da alimentação, corpo administrativo limitado, ausência de condições para desempenho de ofícios por parte dos presos, a burocracia na apreciação dos pedidos de benefícios, carência de medicamentos e de profissionais da área da saúde, dentre outros.

A presença desses problemas não assusta mais ninguém, mas sim como são (ou não) efetivamente tratados pelo poder público. A realidade mostra que os grandes depósitos de humanos não recebem a importância devida. As autoridades públicas lhes são indiferentes.

No caso específico do Complexo Penitenciário de Pedrinhas no que diz respeito aos reclusos idosos e portadores de deficiência, constatou-se em uma pesquisa realizada por alunos da Universidade Federal do Maranhão[1] que suas estruturas não apresentam qualquer adaptação (pisos antiderrapantes, eliminação de barreiras arquitetônicas) com o fim de facilitar o deslocamento desses dois segmentos sociais.

Nessa pesquisa, constatou-se ainda que na cela em que fica aglutinada a maior parte dos reclusos idosos e portadores de deficiência (pavilhão oito), há cerca de trinta presos que vivem em condições insalubres, dispondo de apenas um sanitário e um lavatório em precárias condições de higiene. Como é pequena para tantos presos, estes dormem amontoados e ocupam todos os espaços do chão.

Ademais, evidenciou-se em outras celas do Complexo Penitenciário de Pedrinhas que portadores de doenças contagiosas, como hanseníase, tuberculose e AIDS, convivem juntos, numa verdadeira promiscuidade. Verificou-se, entre outras coisas, a presença de pessoas com visíveis sinais de perturbação mental.

Infelizmente, esse é um pequeno retrato da realidade do sistema prisional em estudo.

A sociedade, por seu turno, também tem sua parcela de culpa, é passiva. Talvez por ignorância, talvez porque grande parte de seus integrantes não está ou não tem familiares sob os cuidados do sistema prisional. Assim, facilmente o terreno de sua legitimidade estará fertilizado com promessas de segurança jurídica.

Em nome dessa fantasiosa segurança jurídica, garantias constitucionais são desrespeitadas pelo poder público e o que pior, os alicerces dessa legitimidade parecem até inabaláveis.

No entanto, a punição institucional em nome da segurança não é o único e possível caminho a ser trilhado. O que se fazer então?

Para responder a essa indagação, ainda que perfunctoriamente, tem-se que partir da premissa, por mais paradoxal que possa parecer, de que o sistema prisional brasileiro não foi feito para funcionar, literalmente, marginaliza.

Logo, essa conscientização se faz imprescindível para emergencialmente se amenizar os efeitos das penas de privação ou restrição da liberdade, impostas aos condenados.

Esses desafortunados indivíduos, dentre eles, os idosos e portadores de deficiência reclusos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, muito embora tenham cometido crimes, merecem um tratamento digno.

Não há dúvida que a vigente Carta Política alçou à categoria de fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana e, como tal, precisa ser respeitada por todos, especialmente pelas autoridades que têm sob sua responsabilidade pessoas condenadas.

Caso contrário, a praticidade do discurso punitivo inevitavelmente se perpetuará por muitos anos, porque, antes mesmo de causar perplexidade e indignação, os mencionados desmandos do sistema penal continuarão a ser vistos por seu efeito positivo: a segurança pública gerada.

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão de segurança jurídica: do controle da violência à violência do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

ARAUJO, Luís Alberto David. A proteção constitucional da pessoa portadora de deficiência. 2 ed. Brasília: Secretaria Nacional dos Direitos Humanos/CORDE, 1997.

BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução Heloísa Dantas. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970.

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marchesi de. Dos delitos e das penas. Tradução Lucia Guidicini, Alessandro Berti Contessa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 15 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

HULSMAN, Louk, CELIS, Jacqueline Bertnat de. Penas perdidas. O sistema penal em questão. Rio de Janeiro: Luan editora, 1997.

RAMOS, Paulo Roberto Barbosa. A proteção constitucional da pessoa idosa. Revista do Ministério Público do Estado do Maranhão, São Luís, n. 7, p. 169-190, jan./dez./2000.

–. Fundamentos constitucionais do direito à velhice. Florianópolis: Livraria e Editora Obra Jurídica Ltda., 2002.

–. O Ministério Público e a defesa das pessoas portadoras de deficiência e idosas. Revista do Ministério Público do Estado do Maranhão, São Luís, n. 5, p. 152-157, jan./dez. 1998.

VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1996.

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* Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Assistente Ministerial.

[1] Pesquisa intitulada de OS DIREITOS CONSTITUCIONAIS DOS IDOSOS E PORTADORES DE DEFICIÊNCIA RECLUSOS NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE PEDRINHAS, realizada por Bruno Santos Corrêa, Frederico de Oliveira Dominici, Giullianna Lima de Vasconcelos Rios (bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC), Leonardo Afonso Franco de Freitas e Luciano Araújo de Castro, alunos da Universidade Federal do Maranhão, sob a orientação de Paulo Roberto Barbosa Ramos. Professor do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor de Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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